CCPJ autorizou moderações em 2021, mas lança agora suspeitas difamatórias sobre o PÁGINA UM

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Pedro Almeida Vieira|04/02/2025

Por razões de dúvidas, e apesar de ser uma prática habitual, em Março de 2021 um jornalista da revista Sábado pediu opinião à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) sobre a legalidade de ser moderador de uma conferência realizada por uma conhecida fundação com sede em Lisboa. Em causa, segundo o e-mail a que o PÁGINA UM teve acesso, estaria o facto de que jornalista pretendia ficar esclarecido sobre alguma eventual incompatibilidade por essa moderação em concreto ser remunerada, mesmo se com um valor baixo.

A resposta do órgão regulador e disciplinador dos jornalistas, através da jurista Sandra Oliveira, foi rápida e clara: “Em resposta ao solicitado, e por indicação do Secretariado desta CCPJ, informo que a situação exposta não configura nenhuma incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista, pelo que se considera que pode ser remunerado pela moderação do debate”.

Em Abril de 2021, resposta da CCPJ era clara sobre a inexistência de incompatibilidade na moderação de debates, mesmo se remunerados. Mas Licínia Girão quis levantar agora suspeitas sobre jornalista do PÁGINA UM que denunciou verdadeiras incompatibilidades de jornalistas conhecidos, mas cuja acção disciplinadora jamais se aplicou.

Esta resposta da CCPJ, então presidida por Leonete Botelho, mas que compromete a entidade reguladora, não surpreendia. Afinal, a moderação de debates e conferências por jornalistas constitui uma prática comum há décadas, completamente diferente de uma das piores tendências de promiscuidade da imprensa: o uso de jornalistas para a apresentação de eventos, como host ou mestre-de-cerimónias.

Com efeito, o Estatuto do Jornalista, uma lei de 1999, apenas determina que, além de não poderem cargos políticos, militares e policiais, os jornalistas estão impedidos de desempenhar funções de angariação, concepção ou apresentação de mensagens publicitárias, bem como funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, e ainda planificação, orientação e execução de estratégias comerciais. O objectivo é evitar que a notoriedade pessoal ou institucional do jornalista possa ser usada para divulgar, produtos, serviços e entidades.

Em consequência, a moderação de um debate – função em que o jornalista se mantém equidistante e isento, como se verifica nos habituais debates televisivos –  é algo completamente distinto da apresentação de um evento, onde a simpatia e a adesão ao contexto e aos protagonistas são não apenas esperadas, mas frequentemente exigidas. Neste último caso, o jornalista deixa de ocupar uma posição de neutralidade informativa e passa a desempenhar um papel de anfitrião ou promotor, conferindo credibilidade e legitimidade ao evento e às entidades envolvidas.

Licínia Girão, presidente da CCPJ.

Por esse motivo, os entraves colocados pela CCPJ, ainda presidida por Licínia Girão, à renovação da carteira profissional da jornalista do PÁGINA UM Elisabete Tavares por suspeita de incompatibilidade por moderar uma conferência em Março de 2022, causam perplexidade e levantam questões sobre os critérios aplicados. E não apenas por a moderação ser uma prática tão banal que é praticada até por um dos actuais membros do Secretariado da CCPJ. O jornalista da RTP Jacinto Godinho – que estava na equipa de Leonete Botelho aquando do parecer enviado ao jornalista da Sábado – pratica a arte da moderação de debates com alguma frequência, mesmo se em parte dos casos seja assumindo-se como professor da Universidade Nova de Lisboa.

Mas a prática da moderação é extremamente usual e acaba mesmo por ser enriquecedora para os debates. Na generalidade da imprensa, tanto jornalistas de redacção como directores são moderadores, algo que jamais coloca questões de independência se não houver a obrigatoriedade de serem executados artigos sobre esses eventos pelo jornalista ou pelo seu órgão de comunicação social. Numa breve pesquisa pela Internet, pode-se rapidamente encontrar inúmeros jornalistas em papel de moderação.

Por exemplo, a antiga presidente do Sindicato dos Jornalistas e ex-presidente do seu Conselho Deontológico, Sofia Branco, esteve há cerca de dois meses a moderar um debate de um evento da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género na Fundação Calouste Gulbenkian. A forma como um jornalista se comporta numa moderação é exemplarmente observável no vídeo deste debate.

Sofia Branco, jornalista da Lusa (primeira à esquerda), antiga presidente do Sindicato do Jornalistas e ex-presidente do seu Conselho Deontológico, a moderar um debate no passado mês de Dezembro.

Um dos jornalistas que mais surge em funções de moderação é o director do Expresso, embora neste caso o faça muitas vezes em eventos em que o jornal que dirige é media partner. Curiosamente, João Vieira Pereira – que tem, obviamente, a sua carteira profissional activa (CP 2725) – até foi também moderador de um congresso da mesma  entidade que organizou a conferência de 2022 com diversos debates, um dos quais moderado por Elisabete Tavares em 2022 e causou ‘urticária’ à presidente da CCPJ, apresar de nada ter sucedido com outras duas jornalistas (do Público e do Mundo Rural) que tiveram as mesmas funções.

Com efeito, João Vieira Pereira foi o moderador, em Fevereiro do ano passado no III Congresso Ibérico do Milho, de um debate sobre geopolítica e tendência na evolução da agricultura europeia em que esteve presente Paulo Portas, uma antiga ministra da Agricultura de Espanha, o embaixador espanhol e os ex-ministros Capoulas Santos e Nuno Severiano Teixeira.

Mostra-se cada vez mais evidente que o posicionamento da CCPJ, e particularmente da sua presidente Licínia Girão, constitui uma retaliação à postura do PÁGINA UM na denúncia de casos de evidente promiscuidade e, aí sim, de incompatibilidade com o Estatuto do Jornalismo. E um ataque agora dirigido em concreto à jornalista Elisabete Tavares, até por ser autora de uma intimação para acesso a documentos escondidos pela CCPJ. Por exemplo, em Outubro do ano passado, numa investigação do PÁGINA UM, Elisabete Tavares elencou um conjunto de casos de jornalistas em clara promiscuidade sem qualquer intervenção da CCPJ.

Jacinto Godinho (primeiro à esquerda) como moderador de um debate no Congresso dos Jornalistas. Godinho é membro do Secretariado da CCPJ que colocou obstáculos à revalidação da carteira profissional da jornalista do PÁGINA UM por ter feito moderação de um debate em 2022. O PÁGINA UM detectou também outra moderações de debates de Godinho, mas em que se assume como professor universitário.

Um dos casos é o de José Gabriel Quaresma (CP 1713), pivot da CNN, que tem uma empresa de comunicação e ‘media training’, a Sardine Conjugation Lda, criada a 29 de Fevereiro de 2023. O jornalista apresenta-se publicamente como CEO da empresa, a qual tem um capital social de apenas 250 euros, e também como um especialista em comunicação, prestando serviços de consultoria de marca, relações públicas e preparação para entrevistas.

O jornalista da CNN participa mesmo como orador em eventos de ‘estratégia de comunicação’, ao lado do ‘guru das agências de comunicação, Luís Paixão Martins, e publicita abertamente a sua actividade de consultoria em comunicação nas redes sociais, designadamente no Facebook e na rede profissional LinkedIn. Além disso, José Gabriel Quaresma refere no seu perfil no site da CNN que colabora “há 9 anos com a Academia da Força Aérea Portuguesa, enquanto Media Coach (Media Training)”.

Apesar da escandalosa promiscuidade, Quaresma mantém incólume a sua carteira profissional e continua a ser um dos rostos da TVI.

José Gabriel Quaresma (à esquerda na foto) celebrou num post na rede Facebook o aniversário da sua empresa que presta serviços de “consultadoria em comunicação, formação, media training e consultadoria online”.

Outro caso relatado pela investigação de Elisabete Tavares ‘apanhava’ as incompatibilidades de Rita Marrafa de Carvalho (CP 3195 ), uma das jornalistas mais mediáticas da RTP, que ensina a escrever “press releases”, “newsletters”, “artigos de opinião” e “crónicas” na empresa Proficoncept – Formação Profissional, Unipessoal Lda. Trata-se de uma empresa que tem como objecto social um vasto conjunto de serviços, designadamente consultoria, auditoria e formação profissional”, mas também prestação de serviços de higiene e segurança no trabalho, bem como “actividades de consultoria para negócios e gestão” e até “desinfecção, desratização e similares“. A sociedade é actualmente detida pela Ferreira da Cunha Saúde, Lda, uma empresa criada em Junho de 2020, em plena pandemia, e que “disponibiliza serviços e cuidados de saúde e bem-estar ao domicílio”.

O mais recente curso com a presença de Rita Marrafa de Carvalho, denominado ‘Estrutura da Comunicação Escrita’, custa 205 euros a cada participante, podendo render até 4.100 euros por cada edição, se houver lotação esgotada. A página que anuncia a formação inclui um vídeo promocional protagonizado por Rita Marrafa de Carvalho, completamente incompatível com o Estatuto do Jornalista, no qual afirma, designadamente, que ensina aos participantes diversas técnicas de ‘escrita’ para diferentes fins, incluindo para “apresentar um produto”. O curso, com a duração de 20 horas, vai na sua terceira edição, decorre online, via Zoom, e terá lugar em oito sessões, entre os dias 22 de Outubro e 10 de Dezembro.

Apesar da escandalosa promiscuidade, Rita Marrafa de Carvalho mantém incólume a sua carteira profissional e continua a ser um dos rostos da investigação jornalista no canal público.

A jornalista Rita Marrafa de Carvalho, da RTP, é formadora na empresa Profi Concept, onde ensina a escrever comunicados de imprensa e a saber escrever para “apresentar um produto”. Cada participante paga 205 euros, podendo a formação gerar uma receita de 4.100 euros, se tiver lotação esgotada. Este curso online vai na sua terceira edição..

Outro caso descoberto pela investigação de Elisabete Tavares para o PÁGINA UM incidiu sobre o jornalista André Carvalho Ramos (CP 6177), da CNN Portugal e da TVI, que surge como formador no Curso de Especialização em Media Training da Universidade Europeia/Grupo GCIMedia, que se realizou em Novembro do ano passado. Também é formadora neste curso a jornalista Patrícia Matos (CP 5341), da Medialivre (Now) e ex-pivot da TVI. Está prevista uma nova edição deste curso no próximo mês de Outubro e o nome de André Carvalho Ramos mantém-se na lista de formadores.

Note-se que, apesar de se realizar em instalações universitárias, este curso não tem o estatuto sequer de pós-graduação – ou seja, não concede créditos académicos (ECTS) –, sendo assim uma mera acção de formação que não confere ao formador qualquer categoria de professor universitário, algo que lhe conferiria compatibilidade de funções.

Na verdade, este curso com André Carvalho Ramos e Patrícia Matos como formadores é dirigido a gestores e executivos, sendo realizado em parceria com o GCIMEDIA Group, um grupo da área de comunicação e relações com a imprensa. Os líderes da GCI coordenam e participam como formadores no curso, como é o caso de Pedro Costa, filho do ex-primeiro-ministro António Costa. O membro da comissão política nacional do PS é o actual director-geral da GCI, onde lidera “em particular a área de comunicação institucional”. André Gerson, CEO da GCI é um dos dois coordenadores do curso e Bruno Baptista, presidente do grupo de comunicação, é outro dos formadores. Ou seja, André Carvalho Ramos e Patrícia Matos estão a exercer funções de media training, incompatível com o Estatuto do Jornalista.

André Carvalho Ramos (CNN) e Patrícia Matos (Now) são formadores num curso de Media Training da Universidade Europeia e da empresa de comunicação e consultoria Grupo GCIMedia, que tem como director-geral Pedro Costa, membro da comissão política nacional do PS e filho do ex-primeiro-ministro, António Costa. O pivot da CNN não foi incomodado pela CCPJ; ao invés, a CCPJ já ameaçou a jornalista do PÁGINA UM com um processo disciplinar.

Apesar da escandalosa promiscuidade, tanto André Carvalho Ramos como Patrícia Matos mantêm incólumes as suas carteiras profissionais. Pior: André Carvalho Ramos até apresentou uma queixa à CCPJ contra a investigação do PÁGINA UM, acolhida por este órgão disciplinador que, no mês passado, solicitou com carácter urgente um “pedido de esclarecimentos” com ameaças de abertura de processo disciplinar contra a jornalista do PÁGINA UM Elisabete Tavares.

Outros casos denunciados pela investigação de Elisabete Tavares foram os relativos a Augusto Madureira (CP 1059), jornalista da SCI, Teresa Borralheira (CP 2549), recordando-se ainda diversos casos sem qualquer actuação da CCPJ  decorrentes de deliberações de Julho de 2023 da Entidade Reguladora para a Comunicação Social em que se detectavam 14 ‘jornalistas comerciais’ que elaboram trabalhos jornalísticos para cumprir contratos comerciais com empresas e entidades públicas. Neste lote de jornalistas estavam então Celso Filipe (CP 852), diretor-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018; Miguel Midões (CP 4707), então jornalista da TSF; Luís Ribeiro (CP 3188), jornalista na Visão e comentador da SIC; Tiago Freire (CP 3053), director da Exame; Alexandra Costa (CP 2208), Rute Coelho (CP 1893), Adriana Castro (CP 7692) e Carla Aguiar (CP 739), jornalistas em periódicos da Global Media; Filipe S. Fernandes (CP 1175), jornalista no Jornal de Negócios; António Larguesa (CP 5493), jornalista no Jornal de Negócios; Mário Barros (CP 7963), jornalista colaborador no Público; e José Miguel Dentinho (CP 882), jornalista colaborador no Expresso.

Mais recentemente, o PÁGINA UM detectou um outro caso de elevada promiscuidade onde conhecidos jornalistas funcionaram não como moderadores mas sim como apresentadores de eventos ao estilo de Catarina Furtado, Manuel Luís Goucha e Cristina Ferreira, algo que o Estatuto do Jornalista impede. Em Novembro passado, o PÁGINA UM revelou que João Póvoa Marinheiro, jornalista e conhecido pivot da CNN Portugal, fora contratado no mês anterior pela agência LPM para apresentar a cerimónia dos 125 anos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) com a presença da ministra da Saúde e ‘aparições virtuais’ do primeiro-ministro e do Presidente da República.

Jornalista e pivot da CNN Portugal foi apresentador de evento da Direcção-Geral da Saúde, depois de ser contratado pela LPM, uma agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins.

A entidade pública pagou à LPM mais de 77 mil euros pela organização deste evento de apenas três horas e por um vídeo de menos de dois minutos, e impôs ainda uma condição expressa no caderno de encargos: para a apresentação deveria ser contratada uma “figura pública”. João Póvoa Marinheiro predispôs-se assim a ‘mercadejar’ o seu estatuto de jornalista, disponibilizando-se a prestar serviços de ‘mestre de cerimónias’ à LPM, a conhecida agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins.

Na altura, a CCPJ garantiu ao PÁGINA UM que não havia nenhum registo de depósito da carteira profissional do jornalista João Póvoa Marinheiro (CP 6766), e acrescentava que “qualquer situação que possa configurar uma violação do regime de incompatibilidades” seria “devidamente investigada, o que acontecerá no caso vertente, e, se for o caso, serão desencadeados os procedimentos previstos na lei”. Mas mais de dois meses depois, e apesar da evidente incompatibilidade, João Póvoa Marinheiro mantém a sua carteira profissional incólume.

Nos últimos dias, o PÁGINA UM também descobriu que a jornalista da SIC Nelma Serpa Pinto, um dos rostos mais mediáticos da SIC – e que, curiosamente, faz um conhecido ‘par romântico’ com João Póvoa Marinheiro – também faz de ‘mestre de cerimónias’ em eventos.

Nelma Serpa Pinto faz simultaneamente apresentação de eventos (incompatível) e moderação de debates (compatível), como ocorreu numa conferência em Cascais disponível em vídeo. Ver AQUI o vídeo como host.

Por exemplo, no ano passado, Nelma Serpa esteve num congresso sobre recursos humanos em Cascais, organizado por uma agência de comunicação, sendo indicada simultaneamente como host (apresentadora) e moderadora em debates.

Os vídeos deste evento mostram, aliás, a clara distinção entre ser host e ser moderadora – e a razão fundamental e óbvia de a primeira (host) ser incompatível com a função de jornalista (Nelma Serpa Pinto chega a falar “neste nosso evento”), enquanto a segunda (moderadora) é compatível com a função de jornalista. Nelma Serpa Pinto e a CCPJ aparentemente não sabem; ou têm uma visão enviesada sobre a questão.

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