Mentalizar funcionários do Banco de Portugal a trabalhar em ‘open space’ custa 158 mil euros

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Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira|13/02/2025

Não é todos os dias que funcionários têm de mudar de instalações nem passar a trabalhar em ambiente de ‘open space’. Para muitos, a mudança representa uma oportunidade de dinamizar a comunicação e promover um espírito de equipa; para outros, é sinónimo de perda de privacidade e aumento da distração. Seja como for, a adaptação ao novo espaço de trabalho promete gerar tanto expectativas como desafios e quando o empregador é o Banco de Portugal pode-se sempre fazer um plano de “mudança física e cultural”. E pagar 158 mil euros pela função a uma consultora externa.

A excentricidade do Banco de Portugal advém da mudança, prevista para o próximo mês, de cerca de mil funcionários que se encontram actualmente no seu edifício na Avenida Almirante Reis para o Edifício Marconi, na zona de Entrecampos.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

A transferência dos trabalhadores será, aliás, temporária, já que o governador Mário Centeno quer construir um novo edifício nos terrenos da antiga Feira Popular para onde passarão a estar concentrados todos os funcionários do Banco de Portugal, actualmente espalhados por diversas instalações na capital.

A consultora escolhida para a tarefa de ajudar os trabalhadores do Banco de Portugal a encararem a mudança como “positiva mas necessária” foi a NTT Data, que assim vai facturar 158.670 euros (incluindo IVA), através de um ajuste directo. O Banco de Portugal até lançou um concurso público em Outubro do ano passado e consultoras importantes como a Ernst & Young e a With Company até manifestaram interesse, mas o Banco de Portugal excluiu todas as candidaturas. E escolheu a NTT Data.

Isto mesmo sabendo-se que o Banco de Portugal conta, na sua gigantesca estrutura orgânica, com um Departamento de Pessoas e Estratégia Organizacional (DPE), liderado por Pedro Raposo, antigo director dos recursos humanos do BES, e um Departamento de Serviços de Apoio (DSA), chefiado por Paulo José Cardoso.

Foto: PÁGINA UM

Um dos argumentos do Banco de Portugal para contratar os serviços da consultora é o facto de os trabalhadores precisarem ser ‘mentalizados’ para trabalharem em espaço aberto, em vez de ser em gabinetes, como sucede no Edifício Portugal, na Almirante Reis.

Como tem sido a norma no caso do Banco de Portugal, contrariando as melhores práticas de transparência, o registo do contrato com a NTT Data —, assinado a 29 de Novembro último e divulgado no Portal Base —, não contém em anexo documentação de relevo. A ligação para peças do procedimento dá erro, mas o PÁGINA UM teve acesso ao caderno de encargos, onde consta a ‘justificação’ para um trabalho de consultadoria pago a ‘preço de ouro’

Segundo o documento consultado pelo PÁGINA UM, como a mudança de instalações “vai impactar de diferentes formas nos trabalhadores”, será “que será “necessário desenvolver e implementar um plano para que esta mudança seja compreendida como positiva e necessária”.

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O plano da consultora vai preparar os trabalhadores a trabalhar em ambiente de ‘open space’ e a verem esta mudança como “positiva”. Foto: D.R.

O plano da NTT Data, que será implementado com um mínimo de quatro consultores, deverá assim “preparar os trabalhadores [do Banco de Portugal] para as principais diferenças de funcionamento nos espaços comuns, nomeadamente, refeitório, garagem, salas de reuniões, elevadores, etc.”.

O principal objectivo do Banco de Portugal “é garantir uma transição suave e organizada para o novo edifício, minimizando interrupções nas operações e maximizando o conforto e a produtividade dos trabalhadores através de um projeto integrado de gestão da mudança física e ‘cultural'”.

Aparentemente, uma vez que o contrato entrou em vigor no dia 30 de Novembro, e durará 10 meses, os funcionários do Banco de Portugal já estarão a ser preparados psicologicamente antes da passagem para o Edifício Marconi.

Neste processo, aquilo que mais se destaca é a pomposa terminologia do plano da NTT Data, ou melhor dizendo do “Project Manager Officer (PMO)”, indicado pelo Banco de Portugal.

O Foto: PÁGINA UM

O caderno de encargos consagra a implementação do plano em três fases: estratégia (diagnóstico e planeamento); implementação e monitorização; e pós-mudança. A primeira fase inclui, designadamente, um plano de comunicação aos trabalhadores, com a “criação de mensagens, grupos e canais de comunicação (exemplos: newsletters, intranet…). Também prevê “ações de formação/ informação necessárias (por exemplo, sobre novos hábitos de trabalho em ‘open space’ ou triagem de material e documentação) e preparar as iniciativas e os materiais de comunicação necessários”.

Aqui estão incluídas “ações extraordinárias” como, por exemplo, um “Welcome Day” e um “Town Hall”, além de vídeos explicativos dos espaços.

A consultora também ficou encarregue do “branding” deste plano de ajuda aos trabalhadores, que passa pelo “desenvolvimento de um conceito criativo e conceito visual da comunicação de todo o projeto”. O plano tem ainda de incluir, segundo o caderno de encargos, um “guidebook“, que consistirá num “documento completo e graficamente apelativo para consulta de todos os trabalhadores”, além de vídeos, que incluem a produção do ‘script‘, do ‘storyboard‘, filmagens e edição. Também surge referida a “organização de eventos associados à mudança em articulação com as equipas do Banco [de Portugal]”.

A mudança dos trabalhadores do Edifício Portugal, na Almirante Reis, para o Edifício Marconi, em Entrecampos, é apenas temporária. O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, contíguo ao Edifício Marconi. Foto: PÁGINA UM

O Banco de Portugal também identificou ser necessário “criar um canal adequado de apoio permanente ao empregado (exemplos: quiosque móvel de apoio e informações de entrada, visita guiada,
kit de boas-vindas)” para os ajudar na mudança. Considerou ainda essencial “definir diretrizes de comportamento e de utilização do novo espaço, incluindo política de utilização de ‘open space’, espaços comuns (refeitório, ‘lounge’, elevadores, garagem, etc.)”. A consultora também terá de “apoiar o Banco de Portugal na coordenação logística da mudança física dos bens e equipamentos.

Com tantos neologismos na terminologia, talvez 158 mil euros do erário público seja, afinal, pouco…

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