Alterações climáticas em tempos de guerra?

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Serafim|24/02/2025

Ah, os humanos! Tão fascinantes nas suas hipocrisias e contradições. Passam séculos a aprimorar a arte de se destruírem mutuamente e agora, num súbito assomo de consciência ecológica, preocupam-se com as emissões de dióxido de carbono (CO₂) da guerra na Ucrânia. Que encantador! Para um gato como eu, do alto da minha dignidade supostamente irracional, nada é mais irreal do que ver os sapiens a tentar medir tragédias em toneladas de um gás invisível.

A guerra na Ucrânia já dura três anos, e os cálculos vão surgindo: bombardeamentos, tanques, mortes e estropiados, destruição e reconstrução – tudo a contribuir para um suposto impacto ambiental devastador. Isso mesmo. Um estudo ucraniano estimou agora em 200 milhões de toneladas de CO₂ as emissões associadas ao conflito e deseja que seja imputado à Rússia um “custo social do carbono” de 185 dólares americanos por tonelada de CO₂, o que, contas feitas, dá uma dívida de 42 mil milhões de dólares.

Acho bem! Mas se assim é, se uma guerra fratricida pode ser absurdamente analisada desta forma, então que se façam as contas bem feitas e se deduza o “benefício” ambiental das mortes – se é que se pode reduzir a questão da guerra a uma mera contabilidade carbónica.

Pois bem, como felino rigoroso, fiz as minhas contas – entre um alongamento e outro sobre a almofada. Os números que encontrei, excluindo erros de desinformação, foram os seguintes:
• Militares ucranianos mortos: 46.000
• Militares russos mortos: 90.000
• Civis ucranianos mortos: 12.000
• Total de vidas perdidas: 148.000

Ora, para calcular a pegada de carbono dessas vidas abruptamente interrompidas, calculei os anos de vida perdidos. No caso dos soldados, quase todos jovens, considerei que cada um perdeu, em média, 42 anos de vida de alegrias e tristezas; no caso dos civis, considerei, por serem em regra mais idosos, que perderam 22 anos de vida, em média. Temos, assim, 5.976.000 anos de vida eliminados, certo? Sigam então o meu raciocínio. Considerando que cada pessoa, em média, é responsável pela emissão de 6 toneladas de CO₂ por ano, “evitaram-se” por esta via um total de 35,8 milhões de toneladas de CO₂. Estão a ver os lindos e absurdos raciocínios quando se quer falar de alhos num assunto de bugalhos?

Mas não é tudo! Então, e se “contabilizarem” as crianças que haveriam de nascer daqueles que morreram no campo de batalha? Ora, dizem as estimativas que, sem a estúpida guerra, cada pessoa que acabou morta teria contribuído para 0,65 filhos. Ou seja, não nascerão 92.300 crianças. Menos emissões de CO₂, certo? Claro que sim. Se assim for, no prazo de 50 anos, e mesmo contabilizando uma pegada média de 5 toneladas por ano, temos que esses não-nascimentos “graças” à guerra da Ucrânia representarão mais uma poupança de 23 milhões de toneladas no prazo de meio século.

Portanto, para os autores deste absurdo estudo que aponta, no meio de uma carnificina humana, que houve 200 milhões de toneladas de CO₂ “emitidas pela guerra”, eu contraponho que, então, nas suas belas contas, deduzam 58,8 milhões de toneladas. Ou seja, ficamos assim a saber que, no balanço de uma guerra, há também que considerar uma suposta “eficiência climática”.

Alguém com um resquício de sensibilidade – ou, pelo menos, um resquício de cérebro – perceberia o absurdo disto.

Se for para continuar esta lógica, os humanos talvez devessem promover guerras como política de sustentabilidade ambiental! Quem precisa de reduzir emissões quando pode simplesmente reduzir a população? Mas melhor ainda: sugiro que os humanos comecem a olhar para a pegada de carbono dos gatos. Eu próprio, com a minha dieta de patés refinados e o direito inalienável a dormir 16 horas por dia sem culpa, sou um modelo de eficiência carbónica.

Enfim, a guerra é um flagelo, por si, e tentar medi-la pelo seu impacto em gases de efeito de estufa é um exercício de desumanização que até eu, um simples felino, considero deplorável.

Agora, se me permitirem, vou dormir sobre esta reflexão. Porque, ao contrário dos humanos, os gatos sabem quando parar para reflectir.


Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.

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