Câmara de Sesimbra ‘chuta’ 240 mil euros para empresa de antigo jogador do Benfica

Carnaval é sinónimo de folia e diversão. Mas também é um negócio lucrativo para quem ‘fornece’ os municípios do país com eventos e desfiles. Sesimbra é um dos pontos do país que, mesmo no Inverno lusitano, atrai visitantes em busca de desfiles e mascarados, e, segundo a autarquia, recebe anualmente milhares de visitantes por esta altura do ano, em busca de diversão.
E este ano, o município liderado pelo comunista Francisco de Jesus abriu os cordões à bolsa e, só a organização logística da ‘festa’, custará 240.000 euros (sem IVA). A empresa escolhida para prestar o serviço foi a SigmaConstellation, fundada em 2014 pelo antigo futebolista Paulo Jorge, que, entre outros clubes, jogou no Benfica na época de 2006/2007, tendo passado também por Espanha e pela Arábia Saudita (no Al-Ittihad, que lidera esta época o campeonato saudita) e terminado a carreira no Belenenses em 2014.
A empresa de Paulo Jorge tem tido um assinalável sucesso sobretudo no mundo autárquico. Começou por ser uma sociedade unipessoal com um objecto social bastante lato: “Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, comunicação empresarial, marketing, prospecção e estudos de mercado, económicos e financeiros, gestão de empresas, organização e gestão dee ventos, prestação de serviços de consultoria para os negócios, administração e gestão de imóveis, restauração e hotelaria”.
Porém, tem sido na organização de provas e eventos desportivos, sob a marca Sigma Stars, e operando ainda a marca Sigma Academy, que se tem destacado, pelo menos na parte da contratação pública.

Mas, em 2019, passou a sociedade por quotas, detida em partes iguais pelo antigo futebolista do Benfica – de seu nome completo Paulo Jorge Vieira Alves – e por Paulo Gomes Faria, que, entre 2009 e 2014. Este sócio da empresa foi director de marketing e comunicação de eventos da João Lagos Sports, do empresário que criou o Estoril Open.
A autarquia sesimbrense justificou esta contratação por ajuste directo com um argumento muito sui generis: “dada a relevância cultural, turística e económica do ‘Carnaval de Sesimbra‘ foi necessário mudar o paradigma da organização, assegurando uma estrutura de organização com experiência na logística de eventos de grande escala e com condições de segurança e comodidade para acolher milhares de visitantes”.
A inexistência de concurso público, mesmo considerando estar-se perante um montante bastante elevado, foi justificado por uma excepção no Código dos Contratos Públicos, pese embora a interpretação lata feita pela autarquia comunista coloque sérias dúvidas. Isto porque o Carnaval de Sesimbra passou a ser considerado como “serviços de eventos” para justificar a exclusão do concurso público. Porém, na descrição do Portal Base em vez de a autarquia identificar o serviço contratado pelo código CPV [Common Procurement Vocabulary] 79952000-2, relativo a serviços de eventos na área da cultura, indica o CPV 79000000-4, que diz respeito a “serviço a empresas: direito, comercialização, consultoria, recrutamento, impressão e segurança”, Ou seja, ‘gato escondido com rabo de fora”.
De acordo com o contrato, a SigmaConstellation ficou mesmo só com a logística do evento. Isto porque a decisão de contratar só surgiu nas vésperas do Carnaval, uma vez que a decisão de contratar a empresa de Paulo Jorge ocorrer apenas no passado dia 11 de Fevereiro, e o contrato foi assinado no dia 19, tendo um prazo de execução de 22 dias.

Assim, segundo explica a autarquia no contrato, “para o efeito foram consultadas empresas especializadas na organização deste tipo de eventos”, tendo a SigmaConstellation “apresentado proposta que vai ao encontro do figurino organizativo atualmente mais adequado à dimensão atingida pelo Carnaval de Sesimbra”. Mas essa informação não configura uma factualidade, de contrário teriam de ser cumpridas as formalidades da consulta prévia.
De resto, não se compreende a urgência pela opção de um ajuste directo, porque a Câmara Municipal de Sesimbra revela que está “a trabalhar há vários meses” com escolas de samba e grupos de afro-axé “para que esta edição supere as anteriores, tanto em termos de espetáculo, como das condições para receber os milhares de visitantes”.
No Portal Base não está disponível, apesar de ser parte integrante do contrato, qualquer caderno de encargos, como deveria estar por uma questão de cumprimento das melhores práticas de transparência. Mas fica patente no contrato que a empresa fica encarregue da parte operacional do evento, incluindo a organização da “logística dos desfiles dos estabelecimentos de ensino”.

A autarquia reforça, no contrato, que “a contratação destes serviços garante um aumento de qualidade, divulgação e segurança de todo o evento e vai ao encontro das atribuições e competências municipais constantes do anexo I da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, nomeadamente no domínio da cultura”.
Esta não é a primeira vez que a SigmaConstellation é escolhida para organizar e gerir a logística de um evento de natureza lúdica. Dos 16 contratos públicos adjudicados a esta empresa, nove foram relativos a eventos não desportivos. O contrato de maior valor, de 250.000 euros, foi feito pelo município de Portimão e envolveu a “aquisição do projeto Portimão a Magia do Natal 2019”.
De resto, a empresa também foi contratada cinco vezes por entidades públicas para prestar serviços no âmbito de eventos relacionados com o Natal. Também foi contratada pelo município de Portimão para prestar serviços no âmbito do evento de celebração da ‘Passagem de Ano 2020/2021’.

Dos contratos, feitos com oito autarquias, 14 foram por ajuste directo. Entre os municípios com mais de dois contratos adjudicados à SigmaConstellation constam o de Tomar, com cinco contratos, Portimão, com três, Odivelas e Maia, com dois contratos. No total, a empresa facturou quase 1,6 milhões de euros (sem IVA) em contratos com autarquias.
Assim, de folia em folia, de Natal em Natal, a empresa especializada na organização de eventos desportivos vai somando receita com a ajuda do erário público. Resta aos contribuintes aproveitar bem as festas e as máscaras, porque, como diz o ditado, no Carnaval ninguém leva a mal. Nem mesmo se forem contratos chorudos para gerir a logística de desfiles neste Entrudo.