A última golfada de Montenegro em p menor

Algo de profundamente encantador existe em todos aqueles que, aspirando à grandeza, tropeçam nos próprios pés e caem com estrondo perante uma divertida plateia. Tem um quê de teatralidade clássica o espectáculo da ambição desastrada – e se os gregos nos deram a tragédia, os políticos de província brindam-nos, e não sem menor esforço e muito maior talento, com farsas incessantes.
Não me refiro, bem entendido fica, aos grandes homens que moldaram a História, às figuras que, pela mão do destino ou pelo engenho do espírito, desenharam com traço firme o curso e decurso dos sucessos. Refiro-me, sim, aos pequenos Napoleões de esquina, aos Césares de rotunda, aos Bismarcks das vielas, aos De Gaulles dos boqueirões, aos Roosevelts das valetas, aos estrategas que confundem a governação com um jogo de damas no café da terra. São eles os artífices das maiores pérolas da Administração Pública, os inventores da política de pastelaria, onde, entre um croquete e um licor de ginja, se traçam alianças e se decidem orçamentos, como se a res publica fosse um salão de jogos de província.

Esquecem eles que, para governar, se exige um certo decoro nos actos, uma parcimónia nas palavras, uma elevação para evitar o grotesco, uma lucidez que distinga o interesse público da conveniência privada. Os antigos chamavam-lhe prudência; Maquiavel preferia astúcia; e o comum dos mortais, não se dando a tais subtilezas filosóficas, chamaria simplesmente bom senso.
Mas o político de província não se detém em tais subtilezas. Aspira ao fulgor dos grandes estadistas, almeja a eternidade dos anais históricos, mas, alheio à própria pequenez, arrisca acabar relegado à nota de rodapé das crónicas do ridículo, onde nem a posteridade se dará ao trabalho de o procurar.
Veja-se o mais recente primor do engenho nacional: Luís Montenegro, um primeiro-ministro no auge da sua luta pela credibilidade que decide que o mais adequado, o mais sensato, o mais conveniente que deve fazer com o seu tempo livre não é reflectir sobre a erosão da confiança pública, fortalecer a solidez do seu Governo ou, quem sabe, simplesmente evitar a aparência de promiscuidade entre negócios e política. Luís Montenegro achou que o mais adequado, o mais sensato, o mais conveniente era, nada mais, nada menos, que ir jogar golfe com um empresário dos casinos que, por singular coincidência, financia a empresa da sua família. Isto no mesmíssimo país onde, dois dias antes, uma moção de censura ameaçara os alicerces do seu Governo.

Sim, leitoras queridas e leitores amigos, assim se desenha a posteridade. Outros terão esculpido na pedra, promulgado leis imortais, vencido batalhas gloriosas; o vosso moderno estadista Montenegro preferiu, contudo, brandir com o seu hercúleo braço um taco de golfe e, munido das meninges que Deus lhe facultou, alinhar-se, casual e impávido, ao lado do benfeitor que lhe paga uma avença mensal.
Ah, mas é claro que não há aqui sombra de parcialidade! Ele próprio vos assegurará, em tom sereno e institucional, que, sendo amigo do magnata da Solverde, se impõe a si mesmo um regime de auto-inibição. Confio, leitoras e leitores, que tereis contido uma gargalhada, pois sei não serdes ingénuos a ponto de acreditar que o mundo somente se move por impulsos nobres. Se bem me recordo, Montesquieu, ao teorizar a separação de poderes, nunca imaginou que, no século XXI, um chefe de governo poderia substituir os freios institucionais pelo próprio código de honra. E que código de honra! Um que, presumo, considera perfeitamente ético manter uma ligação financeira directa com uma empresa familiar ligada a um sector regulado pelo mesmo Estado que governa.
Nunca tendo eu praticado golfe, questiono-me se Montenegro terá pensado, entre um putt e outro, na percepção pública do seu acto. Terá ponderado que um chefe de Governo que se pretende isento não deve, em circunstância alguma, ser visto a conviver descontraidamente com aqueles cujos interesses podem ser directa ou indirectamente afectados pelas suas decisões? Ou terá, simplesmente, considerado que a política é um jogo onde a impunidade é a regra e a memória do eleitorado, um borrão passageiro?

Compadeço-me de políticos como Luís Montenegro, pela sua ingénua imprudência – ou pelo seu atrevido destemor, que, não sendo virtude, confunde-se muitas vezes com a estupidez obstinada dos que julgam que a sorte política se confunde com a indulgência perpétua do eleitorado.
Nem todos os políticos são vencedores, mas todos visaram grandes feitos, embora falhando. Houve aqueles que almejaram ser lembrados por construírem impérios – e saíram derrotados: e há outros, como o ainda primeiro-ministro português, que se preocupou apenas em sair vencedor do Nearest to the Pin patrocinado pelos Vinhos Pousio, no 2.º Torneio da Ordem de Mérito de 2025 By PKF, organizado pelo Clube de Golfe dos Economistas – e falhou. E falhou e falhou em tudo o resto, porquanto há uma diferença fundamental entre esses dois tipos de derrotados: os primeiros sonharam alto e caíram ao tentar tocar o firmamento; os segundos nunca ergueram a cabeça do chão e, ainda assim, tropeçaram nos próprios pés.
Talvez Luís Montenegro se convença de que tudo isto passará, que o povo esquecerá, que o tempo alisará os escândalos como a água desgasta a pedra. Talvez. Mas a História, essa entidade implacável, tem um humor peculiar: não regista as desculpas esfarrapadas – fixa antes, com indelével precisão, os actos.

Resta-vos, pois, assistir ao próximo acto no Parlamento deste grande teatro da política lusitana – pois, como ensinava Aristóteles, a tragédia só se consuma quando o protagonista, cego pela hybris, dá o passo final rumo ao despenhadeiro. E, ao que parece, Montenegro já empunhou o taco e mirou o seu abismo, com um admirável zelo desportista.
Até breve, e um piparote.
Brás Cubas
N.D. Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. O PÁGINA UM registou-o como marca nacional no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. O autor desta crónica, Brás Cubas, é obviamente um pseudónimo, constituindo não uma homenagem ao fidalgo e explorador portuense do século XVI, que fundou a vila brasileira de Santos, mas sim a Machado de Assis e ao personagem de um dos seus mais famosos romances. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor, independentemente do carácter jocoso, irónico ou, claro, sarcástico.