Gouveia e Melo ‘despachado’ das fileiras da Nova School of Law após protocolo com a Marinha

Sem honra nem glória, e num recato institucional pouco habitual para quem tanto celebrara em tempos a sua “contratação”, a NOVA School of Law – nome pomposo e anglicizado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – apagou silenciosamente o antigo Chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, das suas fileiras docentes.
Esta saída discreta – o nome do putativo candidato a Belém deixou de constar no site da instituição universitária – surge após dois anos em que o agora Almirante na reserva ocupou, de forma irregular e à margem da legalidade, a regência da cadeira de Segurança Marítima no mestrado em Direito e Economia do Mar. O nome de Gouveia e Melo chegou a constar como regente e professor ainda num documento interno da Nova School of Law ainda no final de Dezembro passado.

A situação insólita de uma “contratação” sem base legal, sobretudo por ser cometida por uma instituição universitária de Direito, foi revelada em primeira mão pelo PÁGINA UM em Dezembro do ano passado. No auge da sua popularidade na liderança do Estado-Maior da Armada, em Fevereiro de 2023 anunciou, com pompa, que “uma das novidades deste ano [lectivo, de 2023/2024]” seria “a leccionação da cadeira Maritime Security a cargo da Marinha Portuguesa, sob a regência do Almirante Gouveia e Melo”. E acrescentava ser “com enorme satisfação que recebemos o ex-coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 em Portugal, que se juntou à NOVA School of Law no seguimento do nosso empenho em robustecer o nosso corpo docente com os/as melhores e mais talentosos/as profissionais, contribuindo para a excelência deste mestrado”.
O “nosso empenho”, o da Faculdade de Direito da UNL, devia ler-se como empenho da ala do CDS nesta instituição universitária pública. Com efeito, todo o processo de convite foi conduzido pela então directora da Faculdade, Mariana França Gouveia – que actualmente preside ao Conselho Científico – e pela coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, que também lidera a Comissão Científica do mestrado. Além das suas ligações umbilicais ao CDS, estas duas advogadas, amigas de longa data, gravitam numa das mais importantes sociedades de advogados com milionários contratos públicos: a Vieira de Almeida.
Apesar de o mais recente processo de acreditação pela A3ES ser completamente omisso sobre a entrada de militares de carreira sem currículo académico na regência de uma cadeira e a prestar aulas, não foi cumprida qualquer das regras previstas no rigoroso Estatuto da Carreira Docente Universitária, que não permite, por razões óbvias, a contratação de qualquer pessoa mesmo sob convite e mesmo se tivesse um currículo académico invejável, o que não é o caso de Gouveia e Melo.

As revelações do PÁGINA UM geraram visível desconforto quer na NOVA School of Law, quer no seio da Marinha, que, nos últimos meses, trabalharam discretamente para “corrigir” um evidente atropelo às normas legais e académicas vigentes. Em todo o caso, nos horários revelados pela instituição universitária pública no dia 30 de Dezembro para as unidades curriculares do segundo semestre, Gouveia e Melo ainda continuava a ser indicado como regente, mesmo tendo abandonado a liderança da Marinha dias antes.
A solução encontrada para mitigar um cada vez maior embaraço institucional foi a celebração de um protocolo de cooperação – que nunca antes se formalizara – e que se concretizou ontem numa “cerimónia pública” da primeira aula de Segurança Marítima, carregada de solenidade e cuidadosamente encenada, com a presença do novo Chefe do Estado-Maior da Armada, Jorge Manuel Nobre de Sousa, bem como do novo regente, Armando Valente Tinoco, que tem o posto de Comodoro, hierarquicamente abaixo de Contra-Almirante, sendo já um oficial general.
Ao contrário de Gouveia e Melo, o regente agora indicado pela Marinha – que já surge na lista de professores da Nova School of Law, ‘destronando’ o agora desaparecido Gouveia e Melo – tem larga experiência em Segurança Marítima. Com uma carreira de quase duas décadas, foi recentemente comandante dos Fuzileiros (2023-2024) e desempenhou as funções de Force Commander da European Union Naval Force Atalanta (Comandante da Task Force 465) entre Outubro e Dezembro do ano passado. A Task Force 465 é uma operação militar da União Europeia que visa proteger os navios mercantes, em especial os do Programa Alimentar Mundial, das ameaças de pirataria ao largo da costa da Somália e no Oceano Índico, tendo também funções de vigilância das actividades marítimas naquela região.

Apesar deste formalismo – com a presença de Nobre de Sousa na aula inaugural, na presença das várias responsáveis pela anterior “contratação” de Gouveia e Melo (Assunção Cristas e Margarida Lima Rego), ‘eternizadas’ em várias das 12 fotografias do evento –, o protocolo agora firmado acaba por se converter numa confissão pública das irregularidades cometidas.
Com efeito, sendo este protocolo inédito, significa então que, durante dois anos, a Marinha colocou os seus meios e efectivos – nomeadamente militares que, de facto, asseguraram as aulas da cadeira de Segurança Marítima nos anos lectivos de 2022/2023 e 2023/2024 – ao serviço de uma instituição de ensino superior, sem que houvesse qualquer instrumento jurídico que enquadrasse e legitimasse essa colaboração. Além disso, nunca foram revelados publicamente os documentos que deveriam ter formalizado a aceitação de Gouveia e Melo como docente convidado, acto que deveria ter sido aprovado no Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Por outro lado, houve militares da Armada que deram aulas em nome e sob a regência formal de Gouveia e Melo, que, sem ter aparecido numa única sessão, beneficiou do estatuto de professor convidado da NOVA School of Law, numa situação que fere a legalidade e a ética académica. A Marinha, aliás, mantém-se em silêncio quanto à identidade dos militares que leccionaram estas aulas, apesar de ter sido novamente instada ontem, pelo PÁGINA UM, a esclarecer publicamente quem foram os oficiais destacados para estas funções e ao abrigo de que fundamentos legais.

A celebração deste protocolo procura agora dar um lustro de legalidade a um passado recente repleto de opacidade. O documento, segundo foi anunciado, assegura a continuidade da regência da cadeira de Maritime Security, no âmbito do mestrado em Direito e Economia do Mar. Segundo nota da NOVA School of Law, a nova parceria – que só existe quando formalizada, porque estas questões não são passíveis de informalidade de uma “mesa de café” ou de uma sede partidária – não se limita à componente lectiva, prevendo-se também iniciativas complementares, como visitas dos estudantes às instalações da Marinha, acesso a bibliotecas e recursos para investigação, estágios curriculares e a atribuição de prémios de excelência académica.
Porém, a Marinha não respondeu ao pedido do PÁGINA UM para lhe enviar uma cópia do protocolo, desconhecendo-se assim se existem “matérias secretas” e pagamentos envolvidos. O acesso a um protocolo que deveria ser público, ademais depois de dois anos de irregularidades, só deverá, eventualmente, ser acedido pelo PÁGINA UM através de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa – uma situação que começa a fazer “escola” numa Administração Pública cada vez mais opaca.