Documentário sobre comércio de sexo em tarde de domingo vale processo contra SIC Radical

Não foi pelo buraco da fechadura, mas sim através de um inocente zapping de uma criança de 9 anos, que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ficou a saber que a SIC Radical transmitiu num domingo à tarde de Novembro um curioso documentário sobre pornografia com linguagem explícita. Resultado: um processo de contra-ordenação para a Impresa por não acompanhar para adultos antes das 22 horas e sem sinal de aviso (‘bolinha vermelho’), arriscando uma coima de até 150 mil euros.
Em causa esteve a transmissão do programa ‘Podre de Rica’ (Getting Filthy Rich, no original) pelas 18:00 do dia 17 de Novembro do ano passado, um documentário de 46 minutos conduzido pela apresentadora e modelo britânica Olivia Attwood, que explora o universo do chamado “entretenimento para adultos”. O programa acompanhou o dia-a-dia de produtores e actores , revelando o impacto da nova economia digital na monetização da pornografia. Ao longo da emissão, são apresentados testemunhos sobre a vida e os rendimentos de profissionais do sector, bem como imagens e diálogos de índole sexualmente explícita, embora sem exibição directa de genitália.

A primeira temporada desta série de documentários teve, para além daquele então transmitido pela SIC Radical, programas dedicados aos lucros associados ao OnlyFans, às Camgirls e às Sugar Babies.
A participação na ERC foi apresentada por um espectador que denunciou o conteúdo como “desadequado ao horário de exibição”, argumentando que qualquer criança poderia ser exposta “a algo que não entende ainda”. O participante referiu expressamente o caso da filha, de 9 anos, que ao fazer zapping terá encontrado o programa sem qualquer sinalização de aviso – “a bolinha vermelha no canto” –, tornando difícil, segundo o queixoso, proteger a menor de conteúdos que considerou sensíveis.
A defesa apresentada pela SIC Radical centrou-se na classificação etária atribuída à emissão – 12AP –, que permite a exibição de temas como a sexualidade desde que acompanhados de aconselhamento parental para menores de 12 anos. Embora admitindo que a temática do documentário era “um pouco arrojada”, o canal televisivo do universo da SIC alegou que visava mostrar se a ‘venda’ de sexo online, era “uma atividade tão fácil e lucrativa como parece.” A SIC Radical diz que o documentário baseia-se cenas de nudez que “são muito rápidas, não explícitas, pouco frequentes e contextualizadas.”
Apesar destes argumentos, a ERC considerou que a natureza e o teor da emissão exigiriam outro tipo de enquadramento. No seu relatório, o regulador aponta que o programa abordava de forma detalhada a produção de pornografia, com descrições e imagens que, embora sem pornografia explícita, continham elementos susceptíveis de influir negativamente na formação de crianças e adolescentes.
E escalpeliza todas as expressões usadas, traduzidas, de “linguagem forte, expondo-as na sua deliberação.

A linguagem, ao longo de todo o programa, é de natureza sexualmente explícita, a título de exemplos; “consegues esguichar de propósito?”; “fazemos muito sexo mas sei que é um tarado. Adora sexo”; “ainda estás duro?”; “vocês os dois vão fazer sexo oral lá atrás”; “vais comê-la por trás”; “podes vir para aqui para eu ver a penetração”; “sentem uma grande pressão porque têm de manter a ereção e depois ter um orgasmo, durante horas”; “a primeira cena anal”; “só tive de masturbá-lo”; “vou deixar os meus mamilos bem duros como uma boa galdéria”; “consegues esguichar se não estiveres excitada?”; “faço muitos trios homem-mulher-mulher”; “foi um pouco estranho estar perto de alguém com as mamas de fora”.
Por outro lado, o documentário é também ‘didáctico’ no sentido de haver entrevistados que explicam os mecanismos de monetização da pornografia digital, com destaque para um actor que “já foi nomeado para vários prémios do mundo de entretenimento para adultos, incluindo o de melhor pénis”, e que assinou contratos para a venda de réplicas do seu órgão genital.
Visualmente, o documentário inclui imagens de mulheres a lamber objectos fálicos, cenas de masturbação, simulações de actos sexuais entre dois homens com as nádegas expostas, e representações explícitas de nudez. As genitálias são ocultadas por distorção de imagem, mas, segundo a ERC, “as posições dos corpos, interacções sexuais, gemidos, expressões faciais, permitem depreender que se trata de sexo, mais particularmente da venda de pornografia”.

Face a estes elementos, o regulador entendeu que a SIC Radical violou da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, ao não garantir a difusão permanente de um identificativo visual apropriado e ao emitir o programa fora do período legalmente permitido para este tipo de conteúdos, ou seja, entre as 22h30 e as 6h00.
A deliberação, embora reconheça a ausência de pornografia explícita nos termos legais, sustenta que o teor do programa justificava uma classificação mais restritiva e cuidados adicionais na exibição.