Edifício-sede da Impresa vai servir pela terceira vez como ‘activo especulativo’

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Elisabete Tavares|13/03/2025

Lá diz o ditado que não há duas sem três. Em 2018, em ano de aperto, a Impresa vendeu a sua sede, em Paço de Arcos, e ficou como inquilino. Em 2022, recomprou ao banco a quem vendeu. E depois destes dois negócios o grupo de media anunciou hoje que admite vender de novo as suas instalações, naquela que será a terceira operação envolvendo o mesmo imóvel.

Esta possibilidade surge em dia de ‘más notícias’: a Impresa, que detém a SIC e o Expresso, revelou prejuízos recorde no ano passado de 66,2 milhões, quando em 2023 tinham sido de 2,0 milhões. Com as receitas praticamente estagnadas, o grupo de media atribuiu a descida nos resultados líquidos sobretudo a uma revisão em baixa do valor do segmento televisivo (SIC), que gerou uma imparidade de 60 milhões de euros. Ou seja, o seu activo encolheu. Com a dívida líquida a aumentar de 115 milhões de euros para 131 milhões de euros, o grupo anunciou que admite “a possibilidade de realizar uma operação de venda e subsequente arrendamento das suas instalações em Paço de Arcos”.

Interior do edifício-sede da Impresa em Paço de Arcos. / Foto: D.R.

Este anúncio mostra que o edifício-sede do grupo de media fundado por Pinto Balsemão tem servido, nos últimos anos, como um ‘activo especulativo’, cuja posse ou venda serve para buscar dinheiro fácil. A primeira vez que a Impresa vendeu o edifício foi em Junho de 2018, depois de o ano anterior ter sido catastrófico em termos de resultados económicos. Com essa operação encaixou uma receita de 24,2 milhões de euros, em ‘dinheiro vivo’, através de uma operação de  ‘sale e leaseback’, ficando como arrendatário do edifício. Este negócio foi comunicado aos investidores, com a publicação de uma informação no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e foi amplamente divulgada nos media.

A solução de venda do edifício em 2018 foi também a escapatória depois de a Impresa ter falhado, no ano anterior, uma emissão de obrigações. Com BPI, o banco com ligação histórica ao grupo de Balsemão, a preferir não embarcar em novos financiamentos, e com a Caixa Geral de Depósitos a receber ajudas estatais, o grupo de Balsemão encontrou então no Novo Banco um novo amigo, apesar de a instituição bancária que sucedeu ao BES estar a receber injecções de capital dos contribuintes.

Este negócio foi feito no mesmo ano em que a Impresa fez outra operação para tentar ‘salvar-se’ numa altura de crise, vendendo os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa escrita – nomeadamente as revistas Visão e Exame – à empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, que entretanto declarou insolvência e está em vias de implementar um plano de recuperação. Recorde-se que a compra das revistas à Impresa também foi financiada pelo Novo Banco, que arrisca ‘ficar a ver navios’ em relação aos 3,5 milhões de euros que emprestou a Delgado.

Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa / Foto: D.R.

Contudo, como o PÁGINA UM noticiou, a Imprensa recompraria o edifício ao Novo Banco em 2022, através de um negócio secreto. Apesar de ser uma empresa cotada em Bolsa, a Impresa também não informou os investidores, através de um comunicado formal, sobre a alteração da propriedade do seu edifício-sede, nem sobre o novo empréstimo de longo prazo contratado com o Novo Banco. O negócio também foi estranho.

Como a Impresa não dispunha de recursos financeiros próprios, comprou o edifício com recurso a um empréstimo do Novo Banco. Ou seja, a instituição bancária emprestou o dinheiro para lhe ser comprado um activo, assumindo, ainda por cima, menos-valias pela transacção do imóvel. O Novo Banco nunca explicou as vantagens deste negócio.

Segundo a Certidão Permanente da matriz do edifício-sede da Impresa, a venda do imóvel pelo Novo Banco à Impresa Office & Service Share – Gestão de Imóveis e Serviços foi efectuada em 23 de Dezembro de 2022. Simultaneamente, foi registada uma hipoteca sobre o edifício em nome do Novo Banco.

Registo predial do edifício da Impresa. Em quatro ano, a Impresa recuperou a sua sede com um empréstimo do vendedor, que ainda fez um ‘desconto’ (ou uma assumida menos-valia) de 4,6 milhões de euros.

Os detalhes do negócio não foram divulgados publicamente, mas o valor da hipoteca foi de 19.607.540,03 euros de capital – ou seja, bem abaixo dos 24,2 milhões de euros da transacção de 2018. No registo surge ainda que o Novo Banco garantiu um financiamento máximo de até 27.450.556,04 euros, o que pode indiciar que houve outros compromissos assumidos entre as duas partes. Mas, apesar de ter ‘recuperado’ a posse efectiva da sede, a Impresa submeteu-se à taxa de juro anual aplicada ao empréstimo de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades.

Mas houve outro episódio em torno das instalações da Impresa em Paço de Arcos. Em Setembro de 2020, a Impresa tentou persuadir a Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente às suas instalações, em Paço de Arcos. Mas a autarquia indicou que preferia vender o terreno em causa ao efectivo dono da sede da Impresa, que era o Novo Banco.

Assim, Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou negociar a compra do imóvel em nome do banco, para posterior transferência de propriedade para o grupo de media. Na proposta da Impresa, o Novo Banco compraria o terreno, com uma área de aproximadamente 2.000 metros quadrados e potencial construtivo de 800 metros quadrados, ficando garantido que a Impresa iria acabar por ficar dona do imóvel posteriormente. Segundo a Câmara de Oeiras, “o terreno em questão não foi alienado ao Novo Banco nem à Impresa”, tendo sido integrado numa venda em hasta pública.

Em 2018, a Imprensa emitiu uma informação ao mercado, informando os investidores da venda do seu edifício-sede. Mas, em 2022, nenhum comunicado foi feito ao mercado. Para a CMVM, o mercado não precisava saber deste negócio e do novo empréstimo da Impresa através de um comunicado. A Impresa remeteu informações para os seus Relatórios e Contas, mas não se encontra nenhuma referência ou nota a explicar a operação de compra do seu edifício ao Novo Banco.

Agora, com a Impresa a anunciar um prejuízo recorde e já sem activos tóxicos para despachar para uma nova empresa unipessoal como a que foi criada por Luís Delgado, o grupo põe na mesa fazer numa jogada de ‘engenharia financeira’, vendendo o edifício, possivelmente a um comprador que garantirá entrada de dinheiro ‘fresco’ nos cofres da empresa.

Mas será mais um ‘remendo’ num grupo que opera num sector em crise sem fim à vista e com cada vez maiores fragilidades, como a submissão às exigências de contratos de parcerias comerciais que ‘ferem de morte’ a credibilidade jornalística e a confiança do público.

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