Froes, o filho de frades, a pregar mentiras

Há maleitas nos gatos que se confundem com as dos humanos: a rinotraqueíte, por exemplo, deixa-me com os olhos em lágrimas e o nariz a pingar, levando quem assiste a julgar que estou às portas de São Pedro. Ora, quem já viu um gato a espirrar sabe bem que, mesmo entre espasmos de nariz, pode, logo a seguir, caçar umas lagartixas ou saltar prateleiras. É tudo uma questão de saber distinguir um espirro de um pandemónio. E é aqui que entra o Dr. Filipe Froes, que ganhou a vida a anunciar o fim do mundo há uns pares de anos.
Ora, o Dr. Froes – assalariado duplo, do Serviço Nacional de Saúde (vulgo, os nossos impostos) e das farmacêuticas (pelas palestras e pelos aplausos comprados) – acordou numa dessas manhãs em que a vontade de se indignar lhe falou mais alto do que o bom senso, o que lhe sucede muito. E assim pegou no teclado e, como quem prescreve antibiótico para uma gripe, escreveu isto:
“Robert Francis Kennedy Junior (RFK Jr.), nascido a 17 de Janeiro de 1954, foi confirmado a 13/02/2025 como Secretário da Saúde e Serviços Humanos (equivalente a Ministro da Saúde) da administração Trump, nos EUA.
Partilho algumas ilustrações da sua intervenção a liderar o combate ao maior surto de sarampo desde 2015, nos EUA, e que já contabiliza 2 óbitos. Dois óbitos de não vacinados!
De referir que, nos EUA, o sarampo foi considerado ‘eliminado’ em 2000, mas a desinformação e a hesitação vacinal permitiram o regresso desta desgraça individual, comunitária e de saúde pública.
Estas figuras ilustram a intervenção de RFK Jr. e explicam porque há juniores que nunca chegarão a seniores…“

Entre sestas e arranhões no sofá, fui ver os tais “dados”. Consultei o site do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – supostamente, a fonte oficial sobre doenças humanas. E o que dizem os dados? Que o sarampo nos Estados Unidos teve, sim, picos, mas de fazer corar um mísero espirro felino. Depois de 1993, o ‘bicho’ desapareceu das estatísticas como rato de despensa bem fechada. Apenas reapareceu, discretamente, em surtos pontuais.
E será que se está, com 222 casos no território norte-americano, com o “maior surto de sarampo desde 2015”, como diz o bom do Dr. Froes? Vejamos o que dizem as estatísticas oficiais, que aqui se podem descarregar. Primeiro, que foi muito conveniente ao Dr. Froes escolher o período (desde 2015), porque em 2014 houve 667 casos de sarampo, não dando jeito se se quiser comparar com 2025.
Bem sei que maior é um conceito estatístico diferente para o Dr. Filipe Froes, que andou toda a pandemia da covid-19 a dizer que esta era bem pior do que a gripe espanhola. Se, para o Dr. Filipe Froes, o último pode ser o pior e o péssimo pode passar a bom, qual o problema se as estatísticas da saúde do CDC insistem em dizer que em 2018 houve 381 casos, em 2019 houve 1274 casos e em 2024 houve 285 casos? Decrete-se já, pela pena do Dr. Filipe Froes, que 222 é maior do que 381, maior do que 1274 e maior do que 285, para assim se garantir que os Estados Unidos, com 222 casos, estão perante o “maior surto de sarampo desde 2015”.

Chamar a isto “o maior surto desde 2015”, como se fosse o regresso da Peste Negra, é digno de um drama shakespeariano protagonizado pelo próprio Dr. Froes no papel de Cassandra, mas com menos credibilidade. Dois óbitos, diz ele! Dois! Numa população de quase 330 milhões de almas e que tem muitos mais problemas de saúde do que o sarampo. Basta, aliás, reparar que a taxa de mortalidade infantil nos Estados Unidos é cerca de 50% pior do que em Portugal.
O mais engraçado – ou trágico, conforme o ponto de vista – é que o Dr. Froes escreve sobre este surto como se o nosso responsável deste sector, Robert F. Kennedy Jr., tivesse aparecido com um balde de sarampo na Casa Branca e começado a distribuí-lo como quem dá guloseimas na noite de Halloween.
O surto de 2025, que o ilustre doutor denuncia com a solenidade de um comício vacinal, acontece num contexto onde o sarampo já andava a rondar os Estados Unidos. E se há coisa que os dados mostram (até os gatos conseguem ver!) é que a linha das infecções permanece rasteirinha no gráfico – só levantando a patinha aqui e ali para nos lembrar que a vida não é estéril.

Assim, querido Dr. Froes, se quer acusar alguém de trazer pragas, olhe primeiro para as suas farmacêuticas, não vá dar-se o caso de algum medicamento seu andar a causar mais efeitos adversos que o sarampo.
Ah, e quando ele quiser falar de “juniores que nunca chegam a seniores”, olhe para o seu apelido: há quem defenda que Froes é sobrenome dado a descendentes ou protegidos de religiosos, ou eventualmente a indivíduos ligados a ordens monásticas, no sentido de “filhos dos frades”…
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