Pena suspensa: O crime da Casa Africana

Óscar teve azar.
“Foram-lhe então lidos os direitos e deveres consignados no Código de Processo Penal. O mesmo declarou não desejar que as autoridades informassem a sua família ou amigos da detenção. Como medida de precaução, foi-lhe retirado um cinto de cor castanha feito em pele de cobra e um porta-chaves com quatro chaves tipo diverso.“
In ‘Auto de Notícia’
Óscar, angolano, 30 anos, solteiro, sem profissão — imigrante clandestino em terras de Portugal — e agora réu por ter tentado furtar na Casa Africana — ironias do destino — umas calças que vestia por baixo de outras no valor de 7.100 escudos (cerca de 350 euros). O cordel que servia de cinto descaiu. E pronto. Os vigilantes da loja deram pelo deslize.

Após o furto, Óscar foi perseguido por empregados e clientes. O sr. Durão, vigilante, não esteve com meias medidas. Atirou-se a Óscar. E deteve-o. É o que reza o Auto de Notícia. É o que conta o próprio sr. Durão…
— A casa tem um sistema de alarme. E o alarme dispara quando passa por ele qualquer artigo não liquidado. E foi isso que sucedeu, mas eu já tinha dado pela artimanha. Fui ter com o rapaz. Só que o cavalheiro fugiu. Persegui-o. Ele desequilibrou-se e não sei mais quê. Andou por ali assim às voltas e eu caí-lhe em cima. Passados escassos minutos, apareceu a Polícia…
Foi mais ou menos assim. Sérgio, o agente da PSP, confirma também ele esta versão dos acontecimentos.
— Ouvi alguém gritar “agarra que é ladrão” e movi perseguição ao indivíduo. Como é meu dever. Mais tarde, o detido foi agarrado por este senhor — Durão — que mo entregou sob prisão. Ele foi então conduzido à loja para retirar as calças que não eram dele…

— Que explicação deu o homem?
— Explicação? Qual explicação? Ele parece mudo. O tipo não fala…
Sentença
Veredicto do tribunal : Óscar condenado a pagar uma multa de 12.000 escudos (600 euros) ou, em alternativa, a cumprir 40 dias de prisão. Mais uma indemnização de 1.000 escudos (50 euros) à Casa Africana — certamente por ter gasto as calças. Pena suspensa por dois anos.
Reportagem originalmente publicada no jornal Semanário, na edição de 15 de Outubro de 1988.