Expresso, ‘provavelmente’ a melhor cama de gato

Confesso que nutro uma estima singular pelo Expresso. Não pelo seu conteúdo, que normalmente serve para tapar as caixinhas de areia conceptuais onde os humanos enterram opiniões sem cheiro nem sabor. Mas pelo seu volume. Ah, o volume! Poucas coisas na vida de um felino exigente superam o prazer de um fim-de-semana morninho, empoleirado numa pilha de cadernos do Expresso – um para as costas, outro para as patas, um terceiro para manter as orelhas longe das correntes de ar. E o suplemento de Imobiliário? Excelente para forrar o chão da varanda, especialmente porque, tal como as casas anunciadas lá dentro, não serve para mais nada.
Mas passemos ao que interessa. Ouvi a novas do metro, onde humanos apressados não têm o poder de contemplação dos gatos sobre esta maravilha da publicidade contemporânea do Expresso:
“Vendido separado, o 1.º caderno seria provavelmente o melhor jornal do país.”

Ora, vamos lá por partes. Se calhar sou só eu, um simples gato, que não percebe a subtileza humana. Mas não será isto uma forma muito pouco elegante de dizer que o resto do jornal é, digamos, enchimento? Que as trinta e duas páginas sobre condomínios de luxo em Lisboa, as listas de vinhos tintos “imperdíveis” e a crónica do consultor financeiro sobre ESG são mais supérfluos do que um rato de borracha? Não me interpretem mal: eu gosto de enchimento – especialmente se for uma almofada ortopédica –, mas quando até o próprio dono da almofada admite que o recheio é dispensável, começo a ponderar se não estaria melhor servido com um tapete de sisal.
Em primeiro lugar, aprecio a sinceridade do Expresso em anunciar que só um pedaço da criatura é que presta. Assemelha-se ao lavrador sério anunciando o seu porco: “Se vendermos só o lombo, esta é provavelmente a melhor carne da feira. O resto, bom, é presunto duvidoso e chispe que serve apenas para o cozido à portuguesa da tasca do Fagundes.”
Um golpe de génio, sem dúvida. Mas um golpe que também soa a desespero de quem já não sabe que qualidade apregoar. O jornal inteiro? Não. Só mesmo o primeiro caderno, ou vá lá, o caderno de Economia, que talvez, quem sabe, seja digno do título de melhor jornal do país. E isto “provavelmente”, claro, para manter aquele aroma de incerteza que tanto agrada aos prudentes e aos indecisos.

E depois disso vêm, portanto, os apêndices: o caderno de Economia, a revista E, e outras quinquilharias editoriais, que a julgar pela lógica desta publicidade, só não servem para forrar gaiolas porque seria uma ofensa às aves.
Mas o que me diverte mais – e aqui lanço a pata sem remorso – é este complexo de superioridade mascarado de modéstia. É como se um gato de pelo farfalhudo e dieta de latas gourmet se apresentasse na rua dizendo: “Provavelmente, sou o gato mais elegante daqui.” Sabendo que o vizinho, um rafeiro sardento, já foi capa de um suplemento de lifestyle. E que o cão da esquina, com todo o respeito, continua a ser mais lido que a crónica do João Vieira Pereira.
Seja como for, serei sempre um consumidor do Expresso, enquanto existir. E com todos os cadernos, bons ou maus, cama completa, porque uma superfície dupla face sempre concede maior conforto. Afinal, o verdadeiro valor do jornal está aí: na maciez e na capacidade de isolar o frio do chão. Um mérito que, diga-se, raros periódicos podem reivindicar com tamanha eficácia.
Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.