Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

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Pedro Almeida Vieira|30/03/2025

As eleições para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados, cuja derradeira segunda volta se realiza esta segunda-feira, entraram em clima de ‘guerra aberta’, de confrontação clara, depois da actual bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro – que passou à segunda volta com João Massano – ter enviado uma mensagem de correio electrónico aos colegas da classe, acusando de forma directa os seus opositores de estarem ao serviço da ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. O conteúdo e sobretudo o tom da missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro – que obteve 33% dos votos na primeira volta, contra 30% de Massano – está a causar ‘ondas de choque’ na rede social LinkedIn, plataforma de excelência onde proliferam os advogados.

Apesar de a comunicação da actual bastonária não estar em circulação, o PÁGINA UM teve acesso integral ao seu conteúdo, com o sugestivo título de “Finalmente, tudo se revelou”, que é extremamente duro, dir-se-ia panfletário. Começa logo por acusar João Massano e José Costa Pinto – que ficou em terceiro lugar na primeira volta com 25% – de serem “meros peões da ASAP”, ou seja, da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, a ASAP representa interesses contrários aos da maioria dos advogados, sobretudo dos que exercem em prática individual ou em pequenas sociedades.

Fernanda de Almeida Pinheiro, actual bastonária.

“O puzzle está completo!”, lê-se na missiva. “Agora está claro quais são os interesses representados por estas candidaturas: os da ASAP, que pretende ‘repensar’ o acesso ao direito e manter intocada a CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores].”

A mensagem enumera diversos nomes ligados à candidatura de João Massano, com a indicação expressa das sociedades onde trabalham, incluindo os nomes de Eduarda Proença de Carvalho e André Matias de Almeida (Proença de Carvalho), Manuel Protásio (Vieira de Almeida), Paula Ponces Camanho (Morais Leitão & Associados), todos com cargos relevantes em sociedades associadas da ASAP.

Também a lista de José Costa Pinto – agora afastado da segunda volta, mas que já declarou apoio a Massano – é alvo de denúncia por integrar membros de sociedades com vínculos à mesma associação, entrte os quais Gonçalo Gama Lobo (Gama Lobo Xavier, Luís Teixeira e Melo & Associados), Félix Bernardo (Caldeira Pires & Associados), Joana Whyte (Telles de Abreu & Associados), João Martins Costa (José Pedro Aguiar-Branco & Associados) e Paulo Saragoça da Matta (DLA Piper).

João Massano passou à segunda volta a curta distância da actual bastonária.

A bastonária em funções alerta para os riscos de se entregar a Ordem dos Advogados a interesses que, segundo ela, pretendem “repensar” o regime de acesso ao direito manter a actual caixa de previdência (CPAS) sem reformas estruturais. Os efeitos, avisa, podem ser “devastadores”, avisa na missiva, nomeadamente para os profissionais mais vulneráveis: “Advogados/as em prática individual podem ver a sua actividade ameaçada. Pequenas e médias sociedades podem ser gravemente prejudicadas. Até associados das grandes sociedades, que há muito reivindicam direitos laborais, podem ver as suas expectativas frustradas.”

Considerando que a carta de Fernanda de Almeida Pinheiro se assemelha a um “alerta admonitório” – uma advertência formal com intuito de repreensão e censura com intenção correctiva –, o antigo bastonário Rogério Alves manifestou-se este fim-de-semana no LinkedIn contra “um texto insólito […] com marcado perfil sindical, fora da órbita do que a Ordem é e deverá continuar a ser”. Para Rogério Alves, que liderou esta estrutura profissional de 2005 a 2007, “os debates entre advogados devem ser pautados pela cordialidade e pela urbanidade e não por linguagem comicieira”, acrescentando que “a Ordem deve unir e agregar, sem fomentar uma espécie de luta de classes, mais a mais feita sem classe”. E considera que o debate deve ser feito “sem ataques pessoais, sem desrespeito pelos colegas e pelas suas opiniões”.

Alguns dos visados peça actual bastonário também têm reagido ao longo dos últimos dias através de comentários no LinkedIn. É o caso de Paulo Saragoça da Matta, mandatário de José Costa Pinto, que acusa Fernanda de Almeida Pinheiro de andar “com e-mails e publicações de insulto e mentira nas redes de diversão que usa para granjear apoios ao engano”. Para este advogado, “a Sra. Bastonária não só transformou a Ordem num Circo”, colocando o emoji de uma tenda, “como  está de cabeça perdida pois vai perder a ten[ç]a gulosa”, terminado por a acusar de transformar a campanha eleitoral numa “latrina”. E prognostica: “Vai enterrar-se tanto que nem de andas sai da valeta que escava…”.

Os dois principais visados – José Costa Pinto e João Massano, agora apoiado pelo primeiro – mantêm silêncio sobre a agressiva missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro. Na passada sexta-feira, já depois do polémico e-mail da bastonária, José Costa Pinto apelou ao voto em João Massano, considerando que “num momento crítico para a Advocacia, não há lugar a neutralidades, a conveniências pessoais ou estados de alma: a escolha deve ser informada pelo compromisso firme de servir a Classe e de proteger a Instituição que a representa”.

Quanto a João Massano – que assegurará a eleição se conseguir juntar os ‘seus votos’ aos de José Costa Pinto –, tem passado os últimos dias a divulgar apenas uma lista de apoios, incluindo com gravações, nas redes sociais, sobretudo no LinkedIn. Até porque tem sido sobretudo aí, nesta rede social, que muito desta campanha eleitoral se tem desenrolado com maior ou menor fel.

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