VISTO DE FORA

Os dilemas do André

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Tiago Franco|05/04/2025

Não raras vezes, o Chega tem sido acusado de ser um partido de um homem só. É uma teoria com a qual concordo, e sobre ela já me debrucei algumas vezes. A azáfama do André para concorrer a tudo, desde Presidente da República a Primeiro-Ministro, passando por vogal do condomínio e secretário na junta de freguesia, é meritória, mas deixa a descoberto a dificuldade de arranjar quadros para o partido.

Não é um problema exclusivo do Chega, entenda-se. É pouquíssimo apelativo enveredar pela carreira política em Portugal neste momento. Os salários são baixos, a exposição à comunicação social é enorme, o risco de devassa na vida privada é uma constante.

(Foto: D.R./Chega)

Quem é que, no seu perfeito juízo, quer sair do sector privado, de carreiras bem remuneradas, para entrar no circo em que se tornou o trabalho parlamentar? Dois tipos de pessoas: aqueles a quem seduz a projecção mediática ou, pior, os que não encontram melhor alternativa de trabalho. O salário de deputado pode não ser muito alto, mas, convenhamos, para um incompetente é uma fortuna.

Quase todos os partidos passam por estas dificuldades. No caso do Chega, um partido que gira em torno de uma pessoa e sem grandes teorias ou ideologias, a busca por quadros minimamente apresentáveis é ainda mais difícil. Não é qualquer pessoa que se sujeita aos gritos racistas e xenófobos a troco de um salário.

Não é, por isso, de estranhar que André Ventura ande sempre aos caixotes entre os desiludidos dos outros partidos. Imagino que o Sérgio Sousa Pinto seja o próximo convidado para jantar.

Rita Matias, deputada do Chega.

Quando o grupo parlamentar aumentou para os actuais cinquenta membros, foi preciso abrir a porta sem grande controlo e rezar pelo silêncio dos novos recrutas. Os meses passaram, e os escândalos foram-se sucedendo. Casos e mais casos com os deputados, crimes menores e maiores, 20% da bancada debaixo de investigação.

André tentou conter os primeiros casos e, sempre que possível, apontar aos alegados crimes do PS e do PSD. Mas chegou a um ponto em que as notícias eram tão catastróficas, com escândalos semanais, que o líder do Chega mudou de estratégia. Era altura de começar a atirar gente para debaixo do comboio.

Entre pedófilos, agressores, corruptos e ladrões de malas, Ventura optou por se antecipar à crítica e tratou de afirmar que o Chega era um partido diferente. Não daria cobertura aos crimes dos seus, embora, recentemente, Ventura se tenha referido a “crimes menores” para marcar as diferenças face ao PS e ao PSD. O que diria o André de 2023, que gritava por castração química para pedófilos, deste de 2025, que vê a coisa de uma forma mais leve?

(Foto: D.R./Chega)

O Chega escolheu duas linhas perfeitamente definidas: a imigração e a corrupção. Se, no primeiro tema, o trabalho de populismo está a ser feito com algum sucesso, já no tema da corrupção os quadros do partido não estão a ajudar. Ana Caldeira, a mais recente descoberta nas virtuosidades da extrema-direita, está acusada de burla qualificada e, de imediato, posta a andar por Ventura. Nem Marine Le Pen, condenada por roubar fundos europeus, foi poupada por Ventura, nestes dias difíceis para a extrema-direita europeia.

Chegámos a um ponto de habituação tal que, a verdadeira notícia, é termos uma semana sem mais um membro do Chega ser apanhado com a boca na botija. De tantas cabeças a cortar, o pobre André está rapidamente a tornar o partido de um homem só, algo mais literal.
Aguardo, com alguma ansiedade, por conhecer as listas do Chega para as próximas legislativas. Devem estar recheadas de futuros criminosos de baixo quilate.

Esta também é uma parte importante. O Chega trouxe para a política o incompetente desqualificado que, até a roubar, é razoavelmente burro. Miguel Arruda, à falta de melhor, é um bom exemplo do que é o Chega para lá de Ventura. Um incapaz que não consegue articular duas ideias. Um racista primário que apoia movimentos de nazis. Um idiota encartado que rouba na sala do país com mais câmaras por metro quadrado e que, para complemento, ainda envia o produto do saque pela agência dos correios do Parlamento, para poupar uns cobres em selos. Agora imaginem um intelecto destes a votar em leis.

(Foto: D.R./Chega)

O que estes sucessivos casos do Chega nos dizem é, no fundo, aquilo que já todos sabíamos. O Chega não é anti-sistema, não é anti-corrupção e, muito menos, tem uma ideia para o país. Limita-se a cavalgar os temas que dividem e que, mais depressa, os poderão levar a cargos de poder. E, se há coisa que o crescimento da extrema-direita na Europa nos ensinou, é que o ódio a emigrantes e o populismo moralista são as formas mais rápidas de converter frustração popular em votos.

O projecto de poder pessoal de André Ventura não é gritar porque outros, em lugares de decisão, roubam. O que o incomoda verdadeiramente, desde o dia em que saiu do PSD, é não lhe darem um lugar onde ele, e alguns dos seus fiéis, possam também meter a mão na coisa pública.

Parece que ainda não será desta. O Rocha foi mais esperto.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)

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