NEGÓCIO MILIONÁRIO CONTESTADO POR EMPRESA ISRAELITA

Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

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Elisabete Tavares|11/04/2025

São já mais de 16 anos de ‘ligações fortes’, mas um processo em tribunal ameaça quebrar um vínculo negocial aparentemente perpétuo. Em Portugal, todos os arguidos e condenados em prisão domiciliária ou sob vigilância electrónica têm algo em comum: usam pulseiras electrónicas fornecidas pela SVEP – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas. A empresa portuguesa, com sede em Lisboa, tem sido a escolhida pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde pelo menos 2009, sobretudo através de ajustes directos, para fornecer instrumentos de controlo, monitorização e vigilância de quem, por ordem judicial, não pode sair de casa. E já recebeu 57,6 milhões de euros pelos serviços.

O domínio da SVEP nos contratos de vigilância com pulseira electrónica está agora em causa porque uma empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça, travando o início da execução do contrato valioso entregue pela DGRSP à SVEP, válido até 2029. A consequência deste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 9 de Dezembro, não teve, para já efeitos no negócio da SVEP. A empresa portuguesa obteve entretanto três ajustes directos e já arrecadou perto de dois milhões de euros.

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Foto: D.R.

A SPEV — uma antiga empresa do Grupo Efacec, agora controlada por uma empresa familiar denominada JKGC Ventures, com uma pequena participação da israelita Elmotech — tem vencido os concursos públicos lançados desde 2009, que constam no Portal Base. Mas em 16 anos só houve três concursos públicos: em 2017, em 2021 e em 2024. Mas a empresa foi beneficiando também de sucessivas adjudicações por ajuste directo. Segundo os dados disponíveis no Portal Base contam-se 20.

No concurso público mais recente, a empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça para contestar o contrato ganho pela SPEV. Convém referir que a SuperCom não consta da lista do Portal Base onde surgem as empresas que se candidataram ao procedimento concursal, que inclui, além da SPEV, a portuguesa Contactus, a polaca Enigma Systemy Informacji e a brasileira Synergye Tecnologia da Informação.

Independentemente do processo em tribunal, os serviços prisionais decidiram celebrar o contrato com a SPEV no passado dia 28 de Fevereiro , prevendo-se o fornecimento anual de serviços de vigilância electrónica até 2029. Se for renovado todos os anos, a empresa receberá quase 20,6 milhões de euros, com IVA incluído, ao longo de cinco anos.

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Foto: D.R.

Este valor está abaixo do máximo previsto no concurso, que era de 24.319.737 euros, acrescido de IVA. Num anterior concurso, a SPEV também foi a escolhida para ficar com aquele negócio chorudo entre 2021 e 2025. E em meados de 2017 também ganhou um outro concurso para prestar serviços por dois anos e meio.

Com o concurso mais recente a ir parar aos tribunais, a SVEP acabou por beneficiar de três contratos por ajuste directo, no valor global próximo dos dois milhões de euros, para garantir o funcionamento das pulseiras electrónicas por cinco meses, sempre com a fundamentação de que se tratava de uma “urgência imperiosa”.

O primeiro ajuste directo, no valor de 582.171 euros (com IVA) foi assinado no passado dia 27 de Dezembro para a “aquisição de serviços de vigilância eletrónica, para execução de decisões judiciais, para o período de 01 de janeiro de 2025 a 14 de fevereiro de 2025”.

Seguiu-se novo ajuste directo de igual valor, que foi assinado a 14 de Fevereiro, para abranger o período até 31 de Março. Mais recentemente, a 28 de Março, foi adjudicado novo contrato por ajuste directo, no valor 789.165 euros, para serviços a prestar até 31 de Maio.

O serviço de pulseiras electrónicas prevê a monitorização de 1.100 indivíduos, vigiados por radiofrequência, e ainda 1.900 pessoas monitorizadas por geo-localização.

Contactada pelo PÁGINA UM, os serviços de relações externas da DGRSP justifica os recentes ajustes directos por “o motivo de ‘urgência imperiosa’ [que] decorreu, e tem decorrido, da necessidade de assegurar a continuidade do serviço/fornecimento sem interrupções” em virtude da acção de “contencioso pré-contratual intentada após a realização de um concurso público com publicidade internacional”. A mesma fonte diz ainda que “as vicissitudes decorrentes da impugnação judicial impuseram a adopção de outros procedimentos, sem recurso à concorrência”, ou seja, o ajuste directo, mesmo se por valores bastante elevados.

Segundo a DGRSP, “o motivo da escolha da SVEP para prestar este serviço prendeu-se com o facto de ser o actual fornecedor e, por esse motivo, o único habilitado a prestar o serviço de forma ininterrupta, ou seja, sem colocar em causa a missão da DGRSP”. Esta entidade destacou ainda a necessidade de manter o serviço em funcionamento, “em especial na parte que diz respeito às medidas de proibição de contactos resultante da violência doméstica, que representa mais de 60% da atividade relativa à vigilância eletrónica”.

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O PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos da empresa israelita SuperCom, a qual esteve envolvida em alguma polémica, por questões de respeito de privacidade, uma vez que durante a pandemia de covid-19 reconverteu os seus equipamentos e tecnologias para vender serviços de vigilância de pessoas em quarentena.

Seja como for, até estar resolvido o conflito em torno do concurso público, a SPEV deverá continuar a facturar com os contribuintes, através de ajustes directos assinados de dois em dois meses.

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