BIBLIOTECA DO PÁGINA UM
Paulo Moreiras

Na vigésima sétima sessão da BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a escritor (e amigo de longa data) Paulo Moreiras.
Há escritores que impressionam pela vastidão do seu vocabulário ou pela erudição das suas referências. Outros, mais raros, conquistam os leitores pela autenticidade com que erguem uma obra onde forma e substância se entrelaçam como os aromas de um prato bem apurado. Paulo Moreiras pertence a este segundo grupo, mas bebe também no primeiro: é um escritor de corpo inteiro, daqueles que escrevem como vivem – com intensidade, com gosto, com ironia e com apurada consciência da língua como território de criação e de prazer.
Mas Paulo Moreiras tem outras particularidades: não separa a literatura da vida, nem a vida da mesa – porque em ambas há uma celebração do humano. E é talvez por isso que o seu percurso literário, embora diverso nos géneros, revela uma coerência que só os verdadeiros artesãos da palavra conseguem manter. A sua escrita, depurada mas sensorial, combina a sofisticação estilística com um olhar agudo sobre a História e a natureza humana, frequentemente cruzando o riso e o desalento com uma elegância pouco comum no nosso panorama literário.

Entre as suas obras mais emblemáticas, O Ouro dos Corcundas, Os Dias de Saturno e sobretudo A Demanda de D. Fuas Bragatela – talvez o mais exemplar da sua veia picaresca – são testemunhos de um autor que sabe percorrer os meandros da alma portuguesa com irreverência e ternura, evocando, por vezes, o espírito de Quevedo ou de Camilo, mas com uma voz inconfundivelmente própria. O pícaro de Paulo Moreiras – que atinge um apogeu (mas não o Apogeu) com A Vida Airada de Dom Perdigote, publicado em 2023, não é apenas o malandro que engana o mundo: é também o homem que, ao tropeçar na sua própria condição, revela os vícios e virtudes de todos nós.
A escrita de Paulo Moreiras cheira a terra molhada, a tascas escuras, a pergaminhos esquecidos, e talvez meta peixe grelhado e ironia bem temperada. Esse mesmo requinte surge na construção das suas personagens e enredos, onde está à mesa a gastronomia, onde se revela igualmente exímio. Não é de espantar que seja presença regular no PÁGIINA UM, onde colabora com recensões que se movem entre a história dos alimentos, a crítica culinária e a memória gustativa — textos onde a erudição se mistura com o prazer do paladar, numa escrita que dá vontade de ler com os olhos e com o estômago.

Paulo Moreiras não é apenas um autor: é um contador de histórias, um desenhador de sabores, um filósofo das pequenas coisas. E é com esse espírito — culto, mordaz, mas também afável e generoso — que chega hoje à BIBLIOTECA DO PÁGINA UM. A conversa com Pedro Almeida Vieira não é uma entrevista nem uma conferência: é um reencontro de amigos que cultivam alíngua que falamos e honram pão que comemos.
Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Paulo Moreiras recomenda os romances ‘Eurico, o Presbítero’ (1844), de Alexandre Herculano; ‘Vida e Obras de Dom Gibão’, de João Palma-Ferreira (1987); ‘As Viúvas de Dom Rufia’ (2016), de Carlos Campaniço; e ‘O Feitiço da Índia’ (2012), de Miguel Real.
