PÁGINA UM INVESTIGA DESEMPENHO FINANCEIRO DA TECMACAL

Mas afinal a empresa do pai de Pedro Nuno Santos vive mesmo à sombra do Estado?

Author avatar
Pedro Almeida Vieira|19/04/2025

No meio das sucessivas dúvidas e polémicas envolvendo o actual secretário-geral do Partido Socialista e candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, a empresa do seu pai acaba sempre por surgir. Ainda esta semana, o jornal Nascer do Sol revelou que uma das denúncias em investigação pelo Ministério Público envolveria a Tecmacal, a empresa familiar criada há mais de quatro décadas por Américo Augusto dos Santos, e os contratos que foi estabelecendo com o Estado. E, desta forma, o PÁGINA UM foi esmiuçar a situação financeira da empresa e os seus contratos e apoios públicos, também para responder à questão: a família de Pedro Nuno Santos é desafogada e vive à sombra dos dinheiros públicos?

Antes de mais, a Tecmacal é, na verdade, uma sociedade anónima, embora de accionistas individuais conhecidos, que pertencem a duas famílias. Com efeito, as participações distribuem-se, de forma similar, entre a família de Pedro Nuno Santos e a família de Fernandes Pires Laranjeiro, sendo estes os accionistas de referência que constam no Registo Central do Beneficiário Efectivo: Américo Augusto dos Santos conta com 44,53% das acções, porque recebeu os 0,5% detidos pelo seu filho Pedro Nuno Santos em 2019, havendo ainda pequenas participações da irmã e da mãe do antigo ministro das Infraestruturas do Governo Costa. Do lado da família Laranjeiro, o patriarca Fernando – actual presidente do Rotary Club de São João da Madeira – detém 44,03%, estando a restante parte (até 50%) nas mãos de familiares directos.

Pai de Pedro Nuno Santos (ao centro) preside ao Conselho de Administração da Tecmacal, uma sociedade anónima que integra outra família (Laranjeira). Foto: DR

Sediada em São João da Madeira e com filiais na Benedita e em Felgueiras, desenvolvendo actividades sobretudo em maquinaria para a indústria do calçado, uma das ‘acusações’ contra a Tecmacal é a de acumular contratos públicos. De acordo com o Portal Base, somam-se, desde 2007, um total de 26 contratos, envolvendo 894.680 euros. Deste montante, cerca de 554 mil euros (62%) dizem respeito a contratos no período dos Governos socialistas de António Costa, cerca de oito anos, o que dá uma média inferior a 70 mil euros por ano. Destes, dos dois maiores foram por concurso público, celebrados em 2016 com o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (cerca de 129 mil euros) e no ano seguinte com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (cerca de 189 mil euros).

De facto, os contratos públicos de maior montante que beneficiaram a Tecmacal referem-se a adjudicações por concurso público e, com excepção de um ajuste directo para a venda de material informático em 2012 – para a autarquia de Ponte de Sor, no valor de 50.743 euros – estão relacionados com maquinaria no sector do calçado destinada sobretudo a instituições de ensino e formação profissional financiadas pelo Estado.

O maior contrato que surge referido no Portal Base foi com o Instituto Politécnico da Guarda, no montante de 362.377,20 euros, em 2014. Porém, este foi um valor global de diversos contratos relativos a oito lotes. Na verdade, à Tecmacal só coube um contrato de 18 mil euros. Deste modo, valor global atribuído no Portal Base em contratos da Tecmacal está ‘inflacionado’ em mais de 344 mil euros. Na verdade, o maior contrato foi celebrado em Outubro de 2017 com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, no valor de 188.800 euros, após um concurso público em que participaram três empresas.

Em termos globais, os principais clientes públicos da Tecmacal desde 2009 foram o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (222.660,00 euros) e o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (243.740,00 euros). A lista inclui ainda o Instituto Politécnico de Castelo Branco (53.725,00 €), o Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro (78.580,00 €), o Centro de Formação da Indústria da Cortiça (64.500,00 €), o CEFPI – Centro de Educação e Formação Profissional Integrada (5.737,05 €), o Instituto Politécnico da Guarda (18.000,00 €) e a Associação para a Formação Profissional do Montijo (12.345,00 €). Entre as restantes entidades contratantes constam a Guarda Nacional Republicana (95.800,00 €), o Município de Ponte de Sor (50.743,30 €), o PCI – Parque de Ciência e Inovação, S.A. (35.000,00 €) e a NOVA.ID.FCT – Associação para a Inovação e Desenvolvimento da FCT (13.850,00 €).

Apesar de serem montantes aparentemente relevantes, não se pode dizer, pelo contrário, que a Tecmacal seja uma empresa que necessita do Estado para sobreviver, mesmo tendo beneficiado de diversos apoios nos últimos anos, nomeadamente quase 600 mil euros do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e de um montante um pouco superior em subsídios à exploração entre 2010 e 2023, de acordo com as análises do PÁGINA UM aos relatórios da Informação Empresarial Simplificada.

Com efeito, no quinquénio em causa, a Tecmacal facturou um total de 34,4 milhões de euros, com resultados líquidos sempre positivos – o que, no contexto português, já é por si notável –, acumulando assim 1.510.351,96 euros de lucro em cinco anos. A facturação tem-se mantido razoavemente estável em redor dos seis a sete milhões de euros por ano, significando que as adjudicações pelo Estado são bastante residuais. Por exemplo, em 2023 só houve uma facturação de 40 mil euros através de contratos públicos, reprsentando assim menos de 0,7% do total das receitas. Nos cinco anos analisados pelo PÁGINA UM, A Tecmacal celebrou apenas três contratos públicos no valor total de 64.110 euros, o que, atendendo à facturação (34,4 milhões de euros), representa somente 0,19% do total.

Os resultados operacionais foram positivos em todos os exercícios do último quinquénio com contas aprovadcas, oscilando entre um máximo de 689 mil euros em 2022 e um mínimo de 153 mil euros em 2020, demonstrando uma capacidade sustentada. Por outro lado, entre 2019 e 2023, a Tecmacal pagou um total acumulado de cerca de 348 mil euros em impostos sobre o rendimento (IRC), com especial destaque para o ano de 2022, em que o valor atingiu os 118 mil euros. Se se considerar também os encargos sobre remunerações, especialmente pagamentos à Segurança Social, a Tecmacal fez entrar nos cofres do Estado quase 1,3 milhões de euros pelo trabalho dos seus cerca de seis dezenas de trabalhadores.

Fotografia de ‘família’ dos funcionárioa da Tecmacal em 2022. Foto: DR

Considerando as flutuações de mercado, e também a crise pandémica, com especial incidência no triénio 2020-2022, a Tecmacal tem mantido uma estrutura financeira forte. Em 2023, o capital próprio ultrapassava os 9,8 milhões de euros – próximo do dobro do registado em 2011 –, representando 76% do activo total, o que traduz uma autonomia financeira muito acima da média do sector industrial, onde os rácios rondam, em geral, os 40% a 60%. Ao longo dos cinco anos analisados, a autonomia nunca desceu dos 63%, e o passivo total caiu, entre 2022 e 2023, de 5,4 para apenas 3,08 milhões de euros. Nessa medida, os encargos financeiros são residuais: em 2023, os juros suportados totalizaram apenas 52 mil euros.

Ao nível da liquidez, a empresa demonstra igualmente conforto. Com 1,4 milhões de euros em caixa e depósitos bancários no final de 2023, e um passivo corrente inferior a três milhões, o rácio de liquidez corrente supera os 3,4, muito acima do mínimo aceitável. E mesmo no pico das tensões pandémicas, em 2020, a empresa atingiu um rácio de 4,46. Esta folga de tesouraria permite à empresa operar sem dependência de linhas de crédito rotativo nem de financiamentos de curto prazo.

Mas se a solidez é evidente, também se destaca alguma prudência da gestão. Entre 2019 e 2023, a empresa nunca distribuiu qualquer dividendo aos seus accionistas. Em vez disso, reteve cerca de 820 mil euros dos lucros, que se reflectem no crescimento das reservas e na recuperação dos resultados transitados que, em 2019, estavam negativos.

Outro aspecto revelador da prudência e discrição da gestão familiar da Tecmacal é a política de remuneração dos seus órgãos sociais. Apesar de integrar seis membros no Conselho de Administração, presidido pelo pai de Pedro Nuno Santos, os relatórios identificam uma remuneração anual bastante baixa e estável, entre os 124 mil e os 127 mil euros. Significa, assim, uma remuneração mensal média de menos de nove mil euros para todos os administradores. Não há menções a prémios, gratificações, participações nos lucros ou outros benefícios extraordinários nos relatórios dos cinco anos. Trata-se, pois, de uma estrutura de compensação moderada e compatível com os padrões de PME familiar.

Pedro Nuno Santos em campanha eleitoral. Foto: DR.

Finalmente, importa referir que a Tecmacal tem investido de forma contida, mas contínua, nos seus activos. O activo fixo tangível mantinha-se, em 2023, em torno dos 380 mil euros, e as participações financeiras, que são uma parte substancial do activo não corrente, ultrapassam os 2,2 milhões de euros. A empresa não divulga, no IES, os nomes das entidades participadas, mas trata-se claramente de um portefólio significativo, e que contribui também para os resultados anuais – em 2022, os ganhos com subsidiárias atingiram os 173 mil euros.

Em conclusão, a Tecmacal apresenta-se como uma empresa de sucesso discreto, sustentada em princípios de gestão conservadora, capitalização interna, baixos níveis de dívida e estabilidade de operação. Os lucros foram constantes, os apoios do Estado razoáveis e bem aproveitados – mas também ‘retribuiu’ para a Segurança Social – e a estrutura está financeira robusta. Mas não terá sido directamente através da Tecmacal que a vida financeira de Pedro Nuno Santos melhorou, porque a empresa familiar não distribuiu lucros no último quinquénio nem as remunerações dos administradores serão assim tão colossais.

Partilhe esta notícia nas redes sociais.