TEM DIAS
O país das esmolinhas

Era uma vez um pequeno país. Era uma vez o povo desse país. E era uma vez a fina flor do entulho que o governava.
Queixava-se o povo de viver mal, de ganhar pouco, de ter um mau serviço de saúde, uma educação pública débil… lamentavam-se em casa, nos cafés, no trabalho… Lamúrias, lamúrias e mais lamúrias.

Uma gente exasperante, que parecia não entender que podia ser muito pior. Uma multidão de pobrezinhos, incapazes de apreciar a sorte que tinham: o céu eternamente azul, o clima deliciosamente temperado, sucessivos governos constituídos por uma elite de empreendedores abastados e generosos. Com o dinheiro alheio, é verdade, mas magnânimos.
Se dúvidas houvesse, bastaria ouvir atentamente os discursos destes beneméritos: “demos”, “aumentámos”, “oferecemos”, “proporcionámos”, “construímos”, “garantimos”, “reforçámos”, “promovemos” … E tudo, tudinho a muito custo. Com incalculável sacrifício pessoal. Mas ao povo pouco interessava quantas vezes tinham tido de trocar lagosta por rosbife, só para que uma série de pelintras, de utilidade discutível, pudesse continuar a receber mensalmente somas generosas, prontamente convertidas em latas de salsichas e demais indulgências pouco recomendáveis. Andavam de mãos dadas a ingratidão e a inconsciência que entupia indiferentemente as artérias e as salas urgências.
Abnegadas, altruístas, as elites deste povo chegavam mesmo ao ponto de abandonar repetidas vezes o conforto dos seus palacetes para se irem sentar nas incómodas cadeiras de ministérios repletos de funcionários públicos acomodados e mal-agradecidos. Gabinetes e corredores cheios de uma gente sem discernimento, que exigia tudo, que queria esbanjar o orçamento da nação como se fosse Natal todos os dias.

Neste país, os pobrezinhos eram uma enorme turba, a que não se via o fim. Dava-se, dava-se, dava-se. E eles ali, com a mão estendida. Sempre insatisfeitos. Mal-agradecidos. Nem um simples “obrigado”. Um beija-mão à passagem de Suas Excelências. Uma proposta de canonização. Cheios de direitos. Cheios de reivindicações. A tresandar a ordenado mínimo. Um pesadelo!
A bem dizer, o País das Esmolinhas não era propriamente um país. Era uma sopa dos pobres: morna, requentada, azeda. Servida com caridade, mas de avental, máscara e luvas calçadas para evitar o contágio.
Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve
N.D. As ilustrações foram produzidas com recurso a inteligência artificial.