INCIDENTE INÉDITO COM POUCAS EXPLICAÇÕES OFICIAIS
35 horas: centrais nucleares de Espanha estão inactivas desde o apagão

Às 22h30 desta terça-feira, hora de Lisboa, trinta e cinco horas após o colapso eléctrico que mergulhou grande parte da Península Ibérica na escuridão, as centrais nucleares espanholas continuam sem produzir energia.
O cenário, confirmado pela análise do PÁGINA UM dos despachos da Red Eléctrica de España, é inédito: as cinco centrais nucleares operacionais permanecem desligadas, deixando os seus sete reactores fora da rede.

Embora fosse de aguardar uma maior lentidão no restabelecimento complexo de uma central nuclear ‘desligada’ num contextio de ‘blackout’, não é normal um tão longo período de inactividade absoluta e escasseiam as explicações do Conselho de Segurança Nuclear (CSN) de Espanha. A última comunicação desta entidade espanhola surgiu na na madrugada desta terça-feira, às 3h15 (hora local), informando que fora levantado o estado de pré-alerta de emergência em todas as centrais nucleares do país, após o restabelecimento estável do fornecimento de electricidade do exterior. A central de Cofrentes, em Valência, foi a última a sair do estado de pré-alerta, depois de já o terem feito Almaraz (Cáceres) e Trillo (Guadalajara), esta última desligada para operações de reabastecimento.
Espanha conta actualmente com cinco centrais nucleares em operação: Almaraz, Ascó, Cofrentes, Vandellós II e Trillo. As centrais de Almaraz e Ascó têm unidades gémeas, o que eleva o total de reactores em funcionamento para sete. Existe ainda uma sexta central, Santa María de Garoña, actualmente desactivada. Estas sete unidades de produção de energia utilizam dois tipos diferentes de tecnologia: água leve pressurizada (PWR) e água leve fervente (BWR). No grupo PWR, a lista inclui Almaraz, com duas unidades (1980 e 1983), Ascó também com duas unidades (1982 e 1985), Vandellós II (1987) e Trillo (1987), a mais recente do parque nuclear espanhol.
Durante o apagão de grandes dimensões que afectou Espanha nesta segunda-feira, o CSN garantiu que os sistemas de segurança das instalações nucleares funcionaram como previsto, e em nenhum momento esteve em causa a segurança de trabalhadores, da população ou do ambiente. A Organização de Resposta a Emergências (ORE) do CSN esteve activa em modo de monitorização. Com o fim do pré-alerta, a ORE foi desactivada e o organismo regulador regressou ao seu funcionamento normal, mas certo é que não havia ‘sinais de vida’, isto é, de início de produção até à hora de publicação da notícia do PÁGINA UM, pelas 22h30 desta terça-feira, dia 29 de Abril.
Geralmente, os tempos de reposição demoram menos de 24 horas, excepto se a causa sistémica ainda não esteja plenamente resolvida, ou decorram procedimentos de verificação. Apenas se não for restabelcida a produção ao fim de 72 horas se poderá desconfiar de o apagão ter causado danos relevantes.

No momento do apagão, ocorrido às 12h35 de segunda-feira, hora local de Espanha, as centrais nucleares espanholas estavam a produzir cerca de 3.387 MW, um contributo de apenas 10% no total naquele momento, mas essencial para a estabilidade do sistema. A súbita interrupção desta produção revela a gravidade do incidente e sugere a ocorrência de falhas sistémicas graves na rede eléctrica espanhola.
Uma das questões mais intrigantes — e decisivas — para compreender o evento de ontem é saber se a paragem abrupta das centrais nucleares foi a causa do apagão, ou se foi uma instabilidade prévia do sistema que forçou a sua paragem. À luz da análise detalhada dos dados reais, registados a cada cinco minutos, a resposta é inequívoca: a activação dos sistemas de emergência dos reactores — o chamado SCRAM — foi uma consequência da instabilidade da rede, e não a causa inicial do colapso.
O SCRAM é um mecanismo automático de protecção que desliga instantaneamente a reacção nuclear através da inserção súbita de barras de controlo no núcleo do reactor. Não é uma falha técnica: é um sistema rígido, extremamente sensível a perturbações externas, como variações bruscas da frequência (normalmente abaixo dos 49,5 Hz), quedas de tensão significativas ou perda de sincronismo com a rede.

No caso espanhol, o facto de todos os reactores se terem desligado em simultâneo reforça a tese de que se tratou de uma reacção defensiva perante uma instabilidade já em curso.
Apesar de Pedro Sánchez, primeiro-ministro espanhol, ter criticado as centrais nucleares pelo facto de não permitirem “uma recuperação tão rápida” do sistema, e de que alguns reactores estavam desligados porque as empresas dizem que “não são competitivas, comparadas com as renováveis”, os dados técnicos mostram que as centrais foram vítimas, e não culpadas, de um colapso eléctrico generalizado.
Os dados, confirmados técnicos contactados pelo PÁGINA UM, mostram que o apagão teve um carácter transversal, afectando de forma sincronizada outras fontes de geração — solar, eólica, hidroeléctrica e cogeração —, o que aponta para causas sistémicas, como um erro grave de despacho, um colapso de tensão de grande escala ou uma falha de controlo algorítmico na gestão do equilíbrio produção-consumo, num sistema cada vez mais dependente de energias renováveis voláteis.

A análise do comportamento das interligações internacionais reforça esta conclusão. No momento da falha, as exportações espanholas para Portugal caíram abruptamente de 2.652 MW para apenas 7 MW, e depois para 1 MW às 12h40, provocando um blackout quase instantâneo em território português. As ligações para França e Marrocos registaram igualmente quedas súbitas para zero. Esta quebra massiva de fluxos agravou a perda de estabilidade do sistema espanhol, desencadeando os mecanismos automáticos de defesa que culminaram no SCRAM nuclear.
Em suma, todos os elementos técnicos e cronológicos disponíveis indicam que o desligamento das centrais nucleares espanholas foi uma reacção defensiva perante uma grave falha sistémica da rede eléctrica. O apagão de 28 de Abril de 2025 deverá, assim, servir de lição para os decisores e operadores da Península Ibérica sobre os riscos de sistemas excessivamente dependentes de fontes renováveis intermitentes e da necessidade de garantir reservas de estabilidade robustas para evitar futuras catástrofes eléctricas.