XÉNON-135: ISÓTOPO RADIOACTIVO IMPEDE REACTIVAÇÃO
Apagão deverá ‘apagar’ centrais nucleares de Espanha por 72 horas

Às 14h35 desta quarta-feira, hora de Lisboa, cinquenta horas após o colapso eléctrico que mergulhou a Península Ibérica numa falha de geração sem precedentes, as centrais nucleares espanholas permanecem totalmente desligadas. A análise contínua dos dados da Red Eléctrica de España, verificada pelo PÁGINA UM, confirma que nenhum dos sete reactores nucleares operacionais retomou a produção de energia até ao momento — uma situação inédita na história do sistema energético espanhol.
O ‘silêncio operacional’ das centrais Almaraz, Ascó, Cofrentes, Vandellós II e Trillo, cujos reactores representam cerca de 7 GW de capacidade instalada, prolonga-se agora por mais de dois dias, sem que o Consejo de Seguridad Nuclear (CSN) tenha emitido qualquer explicação técnica detalhada sobre o atraso. A última comunicação oficial do CSN ocorreu às 3h15 da madrugada de terça-feira, onde apenas foi referido o fim do “pré-alerta de emergência” após restabelecimento externo do fornecimento eléctrico.

Os sistemas automáticos de paragem de emergência, designados SCRAM, servem exactamente para evitar riscos muito graves, estando previsto sobretudo em planos anti-sísmicos. A ausência de reactivação ao fim de 50 horas ainda não é suficiente para levantar questões de segurança sobre o impacte do incidente do apagão operacionais, mas se se prolongar por mais de 72 horas indiciará outro tipo de problemas.
Segundo fontes técnicas ouvidas pelo PÁGINA UM, um dos factores mais prováveis para este atraso na reactivação das centrais nucleares espanholas será o chamado “envenenamento por xenón-135”, um fenómeno bem conhecido na operação nuclear, embora raramente se manifeste de forma simultânea e prolongada em múltiplos reactores de um mesmo país.
O xenón-135 é um produto radioactivo de fissão com enorme capacidade de absorção de neutrões térmicos, que se forma tanto directamente, na fissão do urânio-235 e plutónio-239, como, sobretudo indirectamente, por decaimento radioactivo do iodo-135, que possui uma meia-vida de 6,6 horas.

Quando um reactor é abruptamente desligado por SCRAM, como ocorreu em Espanha pelas 12h35 de segunda-feira, a produção de neutrões cessa quase de imediato, mas os precursores radioactivos da cadeia de fissão continuam a decair, acumulando xenón-135. Sem neutrões disponíveis para capturá-lo e destruí-lo, a sua concentração atinge um pico entre 8 a 10 horas após a paragem, fenómeno que impede a reanimação do reactor, mesmo que todos os sistemas estejam tecnicamente operacionais.
A única forma de reduzir os níveis de xenón-135 é esperar o seu decaimento natural para césio-135, processo que exige um período até 72 horas, dependendo da potência anterior do reactor e do regime de operação. A operação de arranque prematuro poderá inclusive falhar ou danificar sistemas se for tentada antes da recuperação total da margem de reactividade.
As centrais nucleares espanholas — todas do tipo água leve pressurizada (PWR), com excepção de Cofrentes (do tipo BWR) — estão desenhadas para lidar com este fenómeno, mas a simultaneidade de sete reactores em SCRAM dificulta a gestão operacional, requerendo planeamento cuidadoso de reactivação sequencial, para garantir estabilidade na rede eléctrica e segurança reaccional.

Se se confirmar a reactivação das centrais nas próximas 24 horas, este tipo de fenómeno não representará um risco de segurança, mas sim um limite técnico de reactivação temporária reconhecido pelas normas internacionais da International Atomic Energy Agency (IAEA) e da U.S. Nuclear Regulatory Commission (NRC).
Actualmente, não há indícios de danos estruturais nos reactores, o que reforça a tese de que o apagão foi uma consequência de falha sistémica na rede, e não provocado pelas centrais. A activação do SCRAM nos sete reactores, que estavam a produzir cerca de 3.400 MW às 12h30 (hora espanhola) de segunda-feira, coincidiu com quedas abruptas de frequência e tensão, indicando um colapso no equilíbrio entre produção e consumo.
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