CONCURSO PÚBLICO SEM PREÇO MAS INVESTIMENTO PODE ULTRAPASSAR OS 6 MILHÕES DE EUROS

Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

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Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares|27/05/2025

Depois do apagão de 28 de Abril, que mergulhou o território nacional numa escuridão simultaneamente literal e simbólica, as vulnerabilidades estruturais ficaram bem patentes no abastecimento de edifícios e infra-estruturas estratégicas. Desde o caso dos jerricãs que o Governo queria enviar para a Maternidade Alfredo da Costa, através dos motoristas dos ministros, até às falhas na rede de comunicações, incluindo o SIRESP, foram os sinais mais evidentes de um país que continua a confiar no improviso como política de resiliência.

O episódio, que transformou Portugal num caos ao longo de cerca de dez horas, revelou não apenas a fragilidade dos sistemas críticos, mas também a ausência de planeamento integrado para situações de emergência. A dependência de soluções ad hoc ilustra um modelo de governação mais próximo do remendo do que da prevenção.

closeup photo of lighted bulb

No caso do SIRESP, que deveria assegurar comunicações robustas entre forças de socorro, a sua falência parcial confirmou a persistência de erros que já tinham sido denunciados nos incêndios de 2017. O apagão de Abril funcionou, assim, como um teste involuntário à robustez do Estado – um teste que, mais uma vez, o país reprovou com estrondo.

Não por acaso, a E-Redes – a subsidiária do Grupo EDP, anteriormente conhecida por EDP Distribuição e responsável pelo transporte em média tensão e para os consumidores residenciais – tem vindo a ser pressionada para encontrar soluções que permitam, caso haja novos apagões, a garantia do abastecimento ininterrupto em pontos estratégicos, como hospitais, centros de controlo operacional, quartéis de bombeiros ou infra-estruturas de comunicações.

Exemplo claro desta mudança foi o lançamento, esta semana, de um concurso público protagonizado pela E-Redes para a aquisição de um total de 36 centrais móveis de produção de energia eléctrica. De acordo com os documentos aos quais o PÁGINA UM teve acesso, a medida visa reforçar a capacidade de resposta em situações de emergência, evitando cenas dignas de um país em vias de subdesenvolvimento.

Maternidade Alfredo da Costa esteve em risco de não ter electricidade durante o apagão de 28 de Abril.

Embora não se tenha ainda conseguido saber, junto de fonte oficial da E-Redes, se estão previstas mais aquisições nem apurada a distribuição, para já está prevista a compra de uma central móvel de 1250 kVA (kilovolt-ampere), equipada para operar em média tensão (10, 15 e 30 kV), com capacidade de sincronismo com a rede e de alimentar infra-estruturas críticas de grande dimensão. A par disso, prevê-se ainda o fornecimento de oito geradores móveis de 630 kVA e mais 27 de 250 kVA, todos desenhados para actuar em modo de socorro em postos de transformação ou directamente junto a edifícios estratégicos.

Com uma potência de 1250 kVA, é possível assegurar o funcionamento contínuo de grandes infra-estruturas críticas, como hospitais centrais com blocos operatórios em actividade plena, centros de dados de média dimensão, aeroportos regionais com terminal e torre de controlo, ou ainda grandes centros comerciais e unidades industriais com maquinaria pesada. Já potências na ordem dos 630 kVA são compatíveis com hospitais distritais ou maternidades, escolas secundárias com sistemas integrados de climatização, edifícios governamentais com centros de dados, estações ferroviárias urbanas ou instalações fabris de menor escala.

Por fim, equipamentos com capacidade para 250 kVA garantem o abastecimento de infra-estruturas mais compactas, como centros de saúde, quartéis de bombeiros, esquadras, supermercados de média dimensão, pequenos hotéis ou centros locais de comunicações, como retransmissores do SIRESP.

photo of truss towers

As especificações técnicas previstas no caderno de encargos são robustas, incluindo a existência de chassis com reboque apto para circulação em todo o território. E, claro, motores a diesel – porque, quando a electricidade falha, ainda são os combustíveis fósseis a dar uma ajuda.

Embora o concurso público não indique um custo mínimo nem máximo, porque se estará numa fase de qualificação de concorrentes para depois se passar a um procedimento de negociação, o PÁGINA UM sabe que, considerando os preços de mercado de geradores desta natureza, mostra-se previsível que o investimento oscile entre 5,0 e 6,5 milhões de euros. Um valor significativo, mas irrisório se considerarmos que a EDP contabilizou um lucro de 801 milhões de euros no ano passado e que os serviços da E-Redes são uma concessão do Estado, que exige padrões de qualidade no abastecimento.

Independentemente disto, estas compras da E-Redes não eliminam o risco de novas falhas na rede – sobretudo enquanto Portugal continuar estruturalmente dependente da energia importada de Espanha –, mas mitigam os efeitos mais visíveis e embaraçosos. Estas centrais móveis funcionam, na prática, como extintores sobre rodas: não impedem o incêndio, mas evitam que chegue com maior impacte à opinião pública.

white electric power generator

E significa também que a E-Redes já não confia tanto na REN, depois do apagão de 28 de Abril, que, um mês depois, continua sem uma explicação formal. Aliás, ao longo das últimas semanas, a REN tem procurado desresponsabilizar-se do processo. Esta semana, a associação Frente Cívica, liderada por Paulo de Morais, pediu ao Governo que exigisse uma indemnização no valor de 780,5 milhões de euros, valor estimado dos prejuízos em diversos sectores, incluindo mesmo das empresas de distribuição eléctrica.

Na carta enviada ao primeiro-ministro, a Frente Cívica diz mesmo que “na eventualidade de não conseguir indemnizar, a REN poderá sempre entregar a concessão de volta ao Estado português, legítimo representante dos cidadãos ludibriados pela sua incúria.”

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