ANÁLISE DETALHADA DE ELISABETE TAVARES
Impresa e Novo Banco: não há aqui corrupção?

Foi hoje divulgado pelo Correio da Manhã que o Ministério Público decidiu que não encontrou indícios de crime em negócios feitos desde 2018 entre a Impresa e o Novo Banco. O anúncio da decisão de arquivamento do inquérito foi tornado público na página no Departamento Central de Investigação e Acção Penal de Lisboa no passado dia 26 de Maio, mas só hoje saltou para o palco mediático. Segundo o comunicado, a investigação partiu de uma denúncia anónima que levantava suspeitas sobre a legalidade dos negócios feitos entre o Grupo de Pinto Balsemão e o Novo Banco, sucedâneo do BES.
No centro das suspeitas estão dois negócios em concreto: a venda e posterior compra do edifício-sede da Impresa; a venda de um portólio tóxico de publicações à Trust in News (TIN), uma empresa unipessoal criada, à medida do negócio, por Luís Delgado, e que está em processo de insolvência.

O comunicado é omisso quanto à data em que foi feita a denúncia anónima, mas o inquérito tem o Número Único de Identificação do Processo Criminal (NUIPC) 44/25.0TELSB, como consta do comunicado do DCIAP, indicando que terá sido aberto já este ano.
Estes negócios entre a Impresa e o Novo Banco, que foram alvo de inquérito pelo Ministério Público, já tinham sido investigados e noticiados pelo PÁGINA UM, que encontrou sobretudo uma cortina de opacidade em torno daquelas operações. A estranheza prendeu-se, sobretudo, com o facto de estar envolvido um banco que, à época dos negócios, estava a receber injecções estatais, através do Fundo de Resolução.
Recorde-se que os negócios remontam a 2018. A Impresa tinha falhado, meses antes, uma emissão de obrigações e estava numa situação financeira difícil. Por outro lado, o seu banco ‘amigo’ de longa data, o BPI, tinha sido comprado pelo espanhol Caixabank e já não estava disponível para novos financiamentos à Impresa. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) estava a receber injecções estatais e estava ‘fora de jogo’. Foi aí que entrou em cena o Novo Banco, quando era liderado por António Ramalho, actual presidente da Lusoponte. Foi sob a liderança de Ramalho que foram permitidos os dois negócios que foram feitos graças a dinheiro que saiu dos cofres do banco.

O primeiro negócio, em Janeiro de 2018, foi a oficialização da venda de um portfólio tóxico de publicações da Impresa, incluindo a revista Visão e a Exame, a uma empresa unipessoal criada à medida por Luís Delgado — a Trust in News. Esta empresa, que tem capital social de apenas 10.000 euros, está hoje em situação de insolvência, tendo as principais marcas, como a Visão, penhoradas desde 2020, como o PÁGINA UM noticiou.
O negócio foi anunciado com pompa e circunstância no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e indicava um valor de venda de 10,2 milhões de euros, sem mencionar como seria feito o pagamento. O Novo Banco emprestou 4.000.000 euros a Delgado e as restantes verbas foram pagas de várias formas, incluindo através de créditos que a TIN tinha na MEO e no jornal Público.
Hoje, o Novo Banco é um dos principais credores da Trust in News e arrisca perder mais de 3,5 milhões de euros. Nos documentos internos do banco referentes aos empréstimos, as garantias que se encontram são uma mão-cheia de quase nada, designadamente uma livrança em branco avalizada por Delgado. Agora, foi aprovado um plano de recuperação da TIN, que envolve a promessa de Delgado de injectar 1,5 milhões na sua empresa unipessoal, sem ser claro de onde virá o dinheiro para essa injecção.
Ora, quantas empresas com um capital social de apenas 10.000 euros, e a operar num sector de actividade em crise, teriam acesso a um empréstimo bancário de milhões de euros, dando como principal garantia uma livrança em branco avalizada pelo gerente?

O Novo Banco ainda tentou penhorar os principais títulos de publicações da TIN, mas já foi tarde e teve de se pôr na fila, pois já estavam penhorados pela Segurança Social e a Autoridade Tributária desde 2020 por dívidas ao Estado.
O Novo Banco ainda fez um levantamento de património de Delgado para eventual execução, mas só encontrou um pequeno apartamento num prédio em Alcântara, o qual já estava sob hipoteca e… penhora.
Ao financiar a TIN, que transferiu assim dinheiro para a Impresa, o Novo Banco fez algo que não era aconselhável a nenhum banco, sobretudo a um que estava a receber injecções estatais: financiar um negócio de risco elevado e emprestar dinheiro a uma empresa que acabara de comprar um portfólio de publicações num sector em queda livre.

O segundo negócio envolvendo o Novo Banco, que também beneficiou a Impresa em 2018, foi o da venda do edifício-sede do Grupo de Balsemão. O anúncio da venda também foi feito com grande destaque e direito a divulgação no site da CMVM. A Impresa encaixou 24,2 milhões de euros e ficou com direito a arrendar o imóvel durante 10 anos, numa operação denominada ‘sale and leaseback‘.
Neste negócio, o Novo Banco fez o que não era recomendado a nenhum banco naquele momento, muito menos a um banco a receber injecções de capital estatais: investir em imobiliário. Certo é que, com a saída de Ramalho do Novo Banco, o banco desfez-se do imóvel, vendendo-o de novo à Impresa antes dos 10 anos chegarem ao fim. E fê-lo a um valor inferior ao da venda, supostamente tendo sido descontadas rendas pagas. O empréstimo foi celebrado com uma taxa de juro anual de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades, o que revela o risco que a Impresa representa para a banca. Assim, o banco não se livrou do risco, já que vendeu o edifício à Impresa mas com um empréstimo… do Novo Banco.
Recentemente, houve novos desenvolvimentos: a Impresa anunciou que vai vender o edifício-sede, de novo. O Novo Banco irá, assim, em definitivo, livrar-se do empréstimo e de risco de eventual incumprimento por parte da Impresa. Mas nada se sabe publicamente sobre: se a Impresa pagou todas as rendas ao Novo Banco; se a Impresa tem em dia as prestações do empréstimo ou se tem havido reestruturação do crédito.

Observando todos os factos, várias discrepâncias saltam à vista, quando confrontadas com as conclusões do Ministério Público sobre o inquérito a estes negócios.
O Ministério Público sugere que o Novo Banco não foi prejudicado nestes negócios. No negócio de financiamento da TIN, fundamenta a sua conclusão com o facto de o Novo Banco ter apenas financiado 33% da operação e de ter tido garantias.
Acontece que, na prática, não foram de imediato pagos os 10,2 milhões de euros à Impresa, porque o acordo entre Balsemão e Delgado previa o pagamento do valor global em duas tranches, uma inicial e outra remanescente, a qual seria paga em prestações mensais, segundo documentos da Impresa consultados pelo PÁGINA UM. Acresce que, foram ainda ‘descontados’ aos 10,2 milhões de euros um valor referente a stock de papel, o valor de renovação das marcas e uma dívida da Impresa.
Depois, após meia dúzia de alterações ao acordo de venda, por conta de aditamentos ao contrato, a factura da TIN acabou ainda por ser paga, em parte, através da MEO e do jornal Público, do grupo Sonae. Como? Através de créditos futuros detidos pela TIN junto daquelas duas empresas.
Assim, dizer que o Novo Banco apenas financiou 33% do negócio, sendo parcialmente correcto, omite um facto: foi o único banco que financiou as tranches a pagar pela TIN à Impresa. Mais concretamente, o Novo Banco emprestou 4,0 milhões de euros a Delgado em 23 de Setembro de 2019 para “liquidação de responsabilidades futuras”. O contrato de financiamento foi alterado… sete vezes, a última em 24 de Novembro de 2023.

Outra fundamentação do Ministério Público que cai por terra, como um castelo de areia, é o facto de alegar que o financiamento de 4,0 milhões de euros à TIN foi feito mediante “garantias e cláusulas usuais no comércio bancário”. Sendo a afirmação correcta, omite vários factos de relevo. As garantias aceites pelo Novo Banco foram: uma livrança em branco subscrita pela TIN e avalizada por Delgado; o penhor das quotas equivalentes aos 10.000 euros do capital social da TIN; uma conta de depósito a prazo de valor mínimo de 45.000 euros; penhor em primeiro grau das marcas Jornal de Letras, Exame Informática e mais cinco marcas de menor valor da TIN. O banco tinha ainda como garantia o penhor em segundo grau das marcas mais valiosas da empresa.
Sobre o negócio envolvendo o edifício-sede da Impresa, presume-se que o Ministério Público pediu para consultar informação interna do Novo Banco, que provam o pagamento das rendas, quando o edifício pertencia ao banco, e que demonstram o regular pagamento das prestações do empréstimo concedido pelo banco para que o imóvel deixasse a sua carteira de passasse para as mãos da Impresa, sem reestruturações de crédito pelo meio. É que a conclusão do Ministério Público, também neste caso, é que o Novo Banco não foi prejudicado. Mas o Ministério Público falha um ponto essencial: o Novo Banco nunca se poderia ter envolvido num negócio imobiliário do género, para começar. Muito menos em 2018. Se fosse outra empresa, António Ramalho teria dado o ‘sim’ a uma operação do género?

Além destes dois negócios, a Impresa tentou ainda convencer o Município de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente ao do edifício-sede. Mas quem iria pagar e ficar dono do terreno seria o… Novo Banco. Ou seja, o presidente-executivo da Impresa tentou fazer um negócio servindo como intermediário do Novo Banco, em nome do banco.
Há ainda a notar, em 2018, o patrocínio do Novo Banco a eventos do grupo Impresa, nos quais António Ramalho surgia como protagonista. No mesmo ano, em Novembro, António Ramalho, foi apontado como um dos escolhidos por Francisco Balsemão para integrar o restrito grupo de fundadores de um novo clube, apelidado como a versão portuguesa do secreto grupo Bilderberg, segundo noticiou o Público.
Posto isto, reunindo todos os factos, será que ficam dissipadas todas as dúvidas sobre os motivos que levaram um banco que estava a receber injecções estatais a meter-se em negócios de elevado risco? Certamente que não. Será que Ramalho teria dado a mão a outra empresa em Portugal, em negócios similares? Não saberemos. Mas isto significa que houve corrupção e tráfico de influências nestes negócios entre a Impresa, a TIN e o Novo Banco? Cabe ao Ministério Público dizê-lo, após uma investigação profunda e reunindo todas as provas. Para já, entendeu que não.

Será que a Impresa foi beneficiada em 2018 com estes negócios? Claramente que sim. E o Novo Banco, saiu beneficiado? Claramente que não no caso da TIN, onde arrisca perder 3,5 milhões de euros. E nos negócios com o edifício-sede da Impresa? Não sabemos a resposta sem ter acesso a provas que demonstrem o regular pagamento das rendas e, posteriormente, das prestações do empréstimo, sem reestruturações do crédito.
Quanto a António Ramalho, nem foi beliscado. Em 2018, o gestor viu o seu salário aumentar 16% para 382,4 mil euros. Já o Novo Banco fechou o exercício de 2018 com um prejuízo de 1.412 milhões de euros. No ano anterior, o banco tinha registado perdas colossais de 2,3 mil milhões de euros. Quanto ao Fundo de Resolução, liderado por Luís Máximo dos Santos, encerrou o ano de 2018 com um ‘buraco’ de 6,1 mil milhões de euros nos seus recursos próprios devido às injecções no Novo Banco.
O que sobra é um cenário em que a Impresa encaixou milhões de euros que vieram directamente dos cofres do Novo Banco, num dos casos, passando pela TIN. Isto quando o banco estava a cobrar ao Estado injecções para cobrir perdas, designadamente com créditos tóxicos.
O que sobra é a exposição do Novo Banco a um crédito tóxico – à TIN – e a um empréstimo a um grupo que está em situação financeira difícil – a Impresa.
Por que motivo mais nenhum outro banco ‘privado’ deu a mão a Balsemão em 2018? Na banca, há algo que sabemos: se o negócio for bom, todos os bancos o querem.
Mas, uma insolvência depois, para o Ministério Público, os negócios com a Impresa eram bons. Pelo menos, para o Novo Banco…
Pois, segundo a nota do Ministério Público, “da investigação efetuada, concluiu-se, assim, que as operações em causa se enquadraram nas práticas comerciais e financeiras usuais do setor, não evidenciando indícios da concessão de vantagens indevidas pelo Novo Banco ao Grupo Impresa ou da instrumentalização daquele Banco em benefício deste Grupo, com violação de deveres funcionais por parte dos intervenientes”.

Seja como for, desde 2018, nunca mais se viu uma linha de informação sobre estes dois negócios no site da CMVM e o polícia da Bolsa nunca obrigou a Impresa a actualizar a informação de forma clara e transparente aos seus investidores.
Para os investidores em acções da Impresa, o cenário tem sido dantesco: as acções do grupo desceram ao mínimo histórico em Abril passado, para 0,085 euros por acção. Entretanto, a cotação recuperou, com ordens de compra com volume considerável, ‘milagrosas’, e ainda de origem desconhecida, que tiraram a cotação do mínimo de sempre, mas ‘estacionou’ na casa dos 0,13 euros. A subida ocorreu depois de ter sido divulgado que a família Soares dos Santos se prepara para investir no grupo supostamente para ajudar a Impresa a reembolsar uma emissão de obrigações que vence em breve. Mas este último dado é incorrecto, pois a Impresa não tem nenhuma emissão a vencer em breve.
Isto depois de a Impresa ter sido foi forçada a contabilizar, nas suas contas de 2024, uma reavaliação dos seus activos, o que gerou um prejuízo recorde de 66,2 milhões de euros.

Assim perante rumores de novo investidor, a expectativa recai também sobre a entidade financeira que vai aceitar comprar, de novo, o edifício-sede da Impresa, eventualmente em troca de rendas. Sem Ramalho, o Novo Banco deverá ficar de fora deste negócio. Mas a estatal CGD está ‘livre’ para ‘dar a mão’ a Balsemão, o que a acontecer não será bem visto por muitos contribuintes.
Seja como for, a decisão anunciada pelo Ministério Público servirá como uma espécie de ‘salvo-conduto’ e ‘garantia’ de que a revenda do edifício-sede da Impresa será um ‘bom negócio’. Pelo menos para Balsemão.