AICEP NÃO DIVULGA QUANTO CUSTOU OPERAÇÃO MEDIÁTICA DO DIA DE PORTUGAL

Expo 2025 Osaka: institutos públicos pagam para ter cobertura noticiosa… e Cristina Ferreira no Japão

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Pedro Almeida Vieira|16/06/2025

A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) recusa divulgar quanto custaram os convites a jornalistas e a “figuras públicas” — entre as quais a apresentadora Cristina Ferreira — para participarem na cobertura do Dia de Portugal na Expo 2025, que decorre na cidade japonesa de Osaka. Questionada pelo PÁGINA UM, a agência estatal liderada por Ricardo Arroja escusou-se ainda a responder, escudando-se num silêncio institucional pouco compatível com o dever de transparência na gestão de dinheiros públicos.

Até ao momento, apenas dois órgão de comunicação social — o Expresso e Lusa— assumiu publicamente que a cobertura noticiosa do pavilhão português no passado dia 10 de Junho foi patrocinada por verbas públicas. Na peça assinada por Christiana Martins, com fotografia de Ana Baião, lê-se de forma explícita: “O Expresso viajou a convite da AICEP”. A jornalista do Expresso ainda aproveitou para entrevistar a comissária do pavilhão português, Joana Gomes Cardoso, nomeada pela AICEP, a entidade que pagou a viagem.

A comissária teve, numa entrevista ao Expresso sob patrocínio da AICEP, com perguntas ‘fofas’, a oportunidade de relativizar a notícia do PÁGINA UM sobre a subserviência da língua portuguesa em parte da exposição, dizendo ter dificuldade de “responder ao absurdo”. E também pôde lamentar-se das exigências da contratação pública, apesar do Orçamento do Estado já ter permitido um regime de excepção à AICEP que, por exemplo, possibilitou a contratação por ajuste directo no valor de 220 mil euros de uma agência de comunicação sueca que tem, como um dos objectivos, conseguir que Joana Gomes Cardoso seja entrevistada por um jornal nipónico.

No caso da Agência Lusa, detida pelo Estado, e que divulga os seus trabalhos para outros órgãos de comunicação social, também se diz que “os jornalistas viajaram a convite da AICEP“. Porém, os restantes órgãos, em número desconhecido, preferiram o manto do eufemismo ou a mais absoluta omissão.

A RTP, por exemplo, apresentou os seus repórteres como “enviados especiais”, sem qualquer menção a custos ou convites. Na TVI, onde a jornalista Andreia Vale demonstrou evidente cumplicidade com a comissária do pavilhão, Joana Gomes Cardoso, chega-se ao ponto de lhe entregar o microfone para, em desafino colectivo, se cantar o hino nacional num coro improvisado. Tudo isto sem uma única referência sobre quem suportou os encargos da deslocação da equipa da estação de Queluz de Baixo ao Japão.

O recurso a convites pagos para cobertura jornalística tornou-se prática rotineira — embora eticamente questionável — no relacionamento com empresas privadas. Mas começa agora a ser adoptado também por organismos públicos, o que representa uma preocupante erosão da independência editorial e do princípio de isenção informativa que deve nortear o jornalismo.

Quando jornalistas aceitam viagens, estadias ou outros benefícios não por sua iniciativa, mas a convite de entidades públicas, estabelece-se uma relação de conivência susceptível de enviesar a cobertura, transformando o repórter num promotor institucional. Esta prática, já de si censurável no sector privado por poder configurar publicidade disfarçada de reportagem, torna-se ainda mais grave quando envolve recursos públicos. Cria-se um potencial conflito entre o dever de escrutínio do poder e a comodidade de uma cobertura favorecida. O desvio ético daí resultante afecta não só a qualidade da informação prestada, como também mina a confiança dos cidadãos nos órgãos de comunicação social, ao tornar mais difusa a linha que separa o interesse público do interesse promovido.

Por outro lado, considerando a especial responsabilidade de isenção e de tratamento equitativo que se exige a instituições públicas, importa escrutinar os critérios de selecção dos media e das personalidades convidadas, bem como as contrapartidas esperadas. Saliente-se que não existe, actualmente, qualquer obrigação legal que imponha aos jornalistas ou órgãos de comunicação social a declaração dos montantes envolvidos, mesmo quando se tratam de viagens a destinos distantes como o Japão, cujo custo por participante poderá ascender a vários milhares de euros.

Ricardo Arroja, presidente da AICEP: se a imprensa não vai à montanha, então pague-se à imprensa para ir à montanha… com dinheiros públicos.

Situação paralela verifica-se com o pagamento a “figuras públicas” por parte de organismos do Estado — uma prática já vulgarizada no sector privado, onde se insere na lógica do marketing. Mas em instituições públicas, a promoção de marca suscita questões adicionais: faz sentido que entidades financiadas por dinheiros públicos invistam em notoriedade pessoal ou institucional, quando a sua missão não é competir no mercado, mas servir o interesse colectivo com transparência, rigor e parcimónia?

A utilização de celebridades para reforçar a imagem de entidades públicas pode facilmente descambar para o culto da personalidade, a personalização de políticas ou a simples tentativa de conquistar simpatias populares sem substância efectiva. Acresce ainda o problema da selecção dessas figuras: com base em que critérios são escolhidas? Qual o impacto real da sua presença? E, sobretudo, quem retira verdadeiro benefício dessa associação — o cidadão ou a própria figura contratada, promovida à custa do erário público? Mais do que uma questão de comunicação, trata-se, pois, de um dilema ético e político: onde termina a informação institucional e começa a propaganda financiada pelos contribuintes?

Entretanto, na chamada “imprensa cor-de-rosa”, multiplicam-se referências à presença de Cristina Ferreira na cerimónia do Dia de Portugal, apontando que terá sido convidada pelo Turismo de Portugal. A apresentadora da TVI, de resto, confirma esse convite na sua página no Instagram, prolongou a sua estadia em solo nipónico para férias — um luxo, ao que tudo indica, pelo menos parcialmente patrocinado com dinheiros públicos.

Cristina Ferreira foi convidada especial para Osaka…e aproveitou a boleia para fazer férias no Japão.

O PÁGINA UM questionou formalmente o Turismo de Portugal sobre quem convidou, quanto custou e se houve cachets envolvidos. Aguarda-se resposta. No Portal Base, contudo, não constam quaisquer contratos celebrados com agências de viagens ou despesas associadas a este tipo de deslocações. O mesmo se verifica relativamente à AICEP.

Enquanto isso, a cobertura dos media portugueses tem omitido factos alarmantes sobre a própria Expo 2025 Osaka. Desde a semana passada, os níveis bacterianos de Legionella — bactéria que pode causar uma forma grave de pneumonia — situam-se 53 vezes acima do limite de segurança. Desde 28 de Maio, zonas como o Forest of Tranquility e a Water Plaza — palco de espectáculos aquáticos — foram encerradas para desinfecção, após confirmação da contaminação. A exposição, inaugurada a 13 de Abril, já enfrentara outros incidentes, incluindo ameaças de bomba, sobrevoos por drones não autorizados, falhas no metropolitano e mesmo receios de explosões de metano, dado situar-se sobre um antigo aterro sanitário.

Segundo o Mainichi Broadcasting System, os primeiros testes positivos à presença de Legionella ocorreram em Maio, mas as autoridades só vieram a público semanas depois. A desinfecção inicial revelou-se ineficaz, e novos testes realizados a 7 de Junho voltaram a detectar concentrações 53 vezes acima do limite legal. Apesar do risco elevado para a saúde pública, nem a AICEP nem qualquer órgão de comunicação social português fizeram menção ao problema.

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