NOS BASTIDORES DO NOS ALIVE
Políticos, marcas e negócios: a música segue amanhã

O relógio já marcava as dez da manhã e o sol de Oeiras – e talvez de boa parte de Portugal – resistia a libertar-se das nuvens. E eu, como umas boas dezenas de jornalistas, fotógrafos e repórteres de imagem, lá estava no Passeio Marítimo de Algés. Não foi a promessa de um croissant e de um sumo de hotel – nem mesmo os dois cafés que pedi – que me puxou da cama, por mais que a organização do NOS Alive tenha tido a gentileza de incluir pequeno-almoço no convite.

Também não se tratava de qualquer contrapartida: nestas coisas de cobertura de espectáculos comerciais, bem sei que os promotores têm, legitimamente, a esperança – e alguns o desejo explícito – de que a imprensa se preste a servir interesses de marketing. Mas a vida, como deveria ser, exige separações claras: uma coisa é jornalismo, outra coisa é publicidade.
E, portanto, não sendo os festivais a ‘praia’ do PÁGINA UM, se tivesse de indicar a razão que me moveu a atravessar Lisboa de lés a lés – aproveitando, já agora, um sempre aprazível passeio de bicicleta eléctrica pela zona ribeirinha –, foi a curiosidade: a de ver os últimos retoques na montagem de um festival de música, e a de confirmar que, por detrás da música e do entretenimento, vive um aparato logístico, político e empresarial de precisão quase militar.
À porta do recinto, ainda fechado ao público, a azáfama era total: carros, carrinhas, camiões, empilhadores, técnicos de som, electricistas. Decoradores ultimavam stands e lojinhas; afinavam-se ângulos, tensões e estruturas. Porque o NOS Alive não é apenas música – apesar dos seus sete palcos e da promessa de mais de uma centena e meia de artistas.





O cartaz é, dizem-me, robusto – como um catálogo de tendências musicais em três actos. Am,anhã, já esgotado, a estrela é Olivia Rodrigo, acompanhada por nomes como Noah Kahan, Barry Can’t Swim, Benson Boone, Glass Animals e Parov Stelar. Mas há também sotaque português, com Johnny Sequeira, Mão Cabeça, Motherflutters, Nuno Cabral, Gisela Mabel e até a Orquestra Chiuinha Gonzaga.
No dia 11, a batuta cabe a Justice, The Wombats, Girl in Red, Finneas, St. Vincent e Sammy Virji. Será, dizem, o dia mais inclinado ao indie e à electrónica, mas com espaço para projectos nacionais como Capicua, Alta Avenue, Herlander, Carlos Contente ou Sérgio Onze.
A fechar, a 12 de Julho, o cartaz carrega peso e decibéis: Muse, Nine Inch Nails, Future Islands, Foster the People e os sempre eléctricos Amyl and the Sniffers. E há mais: Dead Poet Society, Bright Eyes, Cmat, Erol Alkan, Bombazine, Luís Severo, João Maria – e muitos outros para melómanos exploradores.





Confesso, desde já, que não conheço metade – e não pagaria para ver grande parte da outra metade. Mea culpa: não sou crítico musical, apenas curioso. Mas aproveitarei, seguramente, um ou outro dia para ouvir o que ainda não ouvi. E, garantido, estarei no dia 12 para ver os Muse – que, para mim, substituíram em boa hora os King of Leon. As derivas mais comerciais do grupo de Matthew Bellamy pouco me agradam, mas quem os conheceu, como eu, com Showbiz (1999) e Origin of Symmetry (2001), perdoa quase tudo.
Mas voltemos aos bastidores – foi para os ver que aceitei o convite. É aí que pulsa o nervo óptico do evento, e onde se alinham os três elos fundamentais deste festival: Álvaro Covões, director da promotora Everything is New, que conduz a orquestra com ar de maestro em ensaio geral; Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, o anfitrião político omnipresente; e Miguel Almeida, CEO da NOS, o patrocinador-mor.
Este trio – que conduziu a imprensa com o à-vontade de quem sabe o peso das câmaras – não se limita ao cerimonial: constitui o verdadeiro triângulo de poder que sustenta o evento. Entre as três breves actuações musicais (incluindo Iolanda, que canta muitíssimo bem e que merecia melhor palco do que a palermice do eurofestival), houve tempo para paragem no stand oficial do Gov.pt, logo à entrada. Houve discurso institucional. Terá sido um piscar de olho ao Governo? Talvez. Mas se o festival serve também de montra política, que seja: ali vão circular milhões de euros – e recolher-se, presume-se, bastantes impostos.





Até amanhã ainda haverá muito que afinar: estruturas, cabos, fibra óptica, microfones, luzes. Haverá bares a abastecer, carrinhos eléctricos a ziguezaguear como formigas entre bastidores, zonas de imprensa a preparar entrevistas.
Tudo isto faz parte da engrenagem. Porque isto é muito mais do que um festival de música: é uma feira corporativa de alto gabarito, onde o capital se mistura com os decibéis, e onde as marcas não querem apenas vender – querem associar-se à emoção, ao ritmo, à energia e à juventude.
Na verdade, como em muitas outras coisas, a música é um pretexto: para encontros, emoções e recordações. Mas o NOS Alive parece ser mais do que isso: uma alegoria contemporânea do entretenimento enquanto mercado, da política enquanto espectáculo e do jornalismo enquanto convidado de honra – com sumo natural e croissant de manteiga.

Esta quinta-feira, quando se abrirem os portões e os primeiros acordes ecoarem no palco principal, poucos pensarão na logística que ali foi investida. Mas sem esta maquinaria invisível – feita de técnicos, operacionais, políticos, patrocinadores e comunicadores – a música não teria esta pujança.
E talvez seja por isso que o NOS Alive seja mais do que um festival. É um palco onde todos querem actuar – mesmo que sem microfone. E até eu lá fui…