ESTÁTUA DA LIBERDADE
Javier Milei: mas, afinal, a catástrofe não chegou?

Aquando da subida ao poder do autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei, em Dezembro de 2023, mais de cem economistas — entre os quais o inevitável Thomas Piketty — assinaram uma carta aberta publicada no jornal britânico The Guardian, alertando para os perigos das propostas do argentino. Diziam que Milei levaria a Argentina à “devastação económica”. A propaganda local garantia que o caos era iminente. A Iniciativa Liberal fugia de Milei a sete pés. O horror “ultraliberal” aproximava-se!
Passados 19 meses, o silêncio é ensurdecedor. Onde está a debandada de argentinos? Onde está a catástrofe social que, juravam, resultaria da eliminação de subsídios, do despedimento massivo de funcionários públicos, da extinção de ministérios e do corte na despesa pública? Onde estão os factos que sustentam a narrativa da “devastação”?

Vamos aos números. Quando Milei subiu ao poder, a inflação mensal era de 25,5%. Sim, mensal. Isso equivalia a uma inflação anual superior a 1.400% — mais precisamente, 1.427%. Traduzido: um bem que custava 100 pesos no início do ano passaria a custar 1.526 pesos no final. Uma hiperinflação clássica, das que arrasam salários, poupanças e vidas.
Hoje, a inflação ronda os 1,5% ao mês, ou seja, cerca de 20% ao ano. É ainda alta? Claro que sim. Mas é um corte de mais de 90% em termos anuais — em menos de dois anos. Um feito. Especialmente tendo em conta que não se tratou de um ajuste gradualista à europeia, mas de uma guinada radical contra o mais perverso parasitismo estatal: a inflação.
A herança? Em Dezembro de 2023, o Estado argentino acumulava um défice fiscal e externo combinado de 17% do PIB — uma aberração económica. O PIB encontrava-se em contracção — com uma queda de 1,6% em termos anualizados no segundo trimestre de 2023 — e mais de 41% dos argentinos viviam na pobreza, dos quais 12% em pobreza extrema! O país que, no início do século XX, era mais rico do que grande parte da Europa e dos mais ricos do mundo, transformara-se num campo de ruínas socialistas.

Hoje, a economia cresce. No primeiro trimestre de 2025, o PIB cresceu 5,8% em termos anualizados. Em Abril, a actividade económica subiu 7,7% face ao mesmo mês do ano anterior e 1,9% face ao mês anterior. São números impressionantes, que colocam a Argentina entre os países com maior dinamismo económico do continente — talvez até do mundo.
Na despesa pública, a mudança foi ainda mais radical: 30% de corte nos gastos estatais. Cerca de 48 mil funcionários públicos foram despedidos, cerca de 9,8% dos assalariados estatais — menos parasitas, mais trabalhadores no sector produtivo. Estes indivíduos, outrora sustentados pelo saque legalizado do Estado, foram obrigados a procurar valor no mercado — ou seja, a oferecer bens e serviços voluntariamente adquiridos por quem os quer ou a trabalhar para quem os faz.
Em 2024, o Estado argentino registou um superavit fiscal de 0,3% do PIB. Relembremos: em apenas um ano, saiu-se de um défice de 17% para um saldo positivo! Um corte de 17 pontos percentuais aproximadamente. Quase sem paralelo na história recente de qualquer país dito “democrático”.

Quanto à pobreza? Também aí houve melhorias. A taxa caiu de 41,7% para 38% no final de 2024, e estimativas recentes sugerem nova redução para cerca de 31,7% no início de 2025. Em números absolutos: milhões de argentinos saíram da pobreza em menos de dois anos — não por programas estatais ou esmolas públicas, mas por redução da inflação, brutal corte na despesa pública e redução de legislação e regulação que asfixiava a economia.
Tudo isto foi conseguido sem recorrer à emissão de mais dívida pública, sem recorrer à chantagem moral do “direito à habitação”, do “direito ao subsídio”, ou do “direito à educação” — e, acima de tudo, sem medo de enfrentar a besta estatal.
Mas nem tudo é perfeito. Para um libertário, duas instituições são incompatíveis com a liberdade: a despesa pública — que confisca o fruto do trabalho — e o Banco Central, esse cartel criminoso com autorização legal para falsificar moeda.

Quando o governo emite dívida, o Banco Central compra-a com dinheiro criado do nada. Quem recebe este dinheiro novo primeiro — os bancos, os políticos, os plutocratas — consegue usá-lo antes que os preços subam.
Os pobres, quando finalmente recebem o novo papel, já nada conseguem comprar com ele. É um roubo legalizado. Foi isso que aconteceu em Portugal durante a putativa pandemia, com a impressão massiva do BCE e a destruição silenciosa do poder de compra dos salários e poupanças.
Milei atacou a despesa pública — e fê-lo com coragem. Mas não fechou o Banco Central, apesar de o ter prometido, que era inegociável. Enquanto o Banco Central existir, continuará a ser o instrumento por excelência de controlo, confisco e empobrecimento. Permite ao Estado evitar o controlo orçamental e garantir o financiamento das elites próximas do poder. Permite manipular taxas de juro, controlar fluxos de capitais, e condicionar toda a economia com um simples clique.

Não basta reduzir o Estado: é preciso extirpá-lo pela raiz. Não basta cortar na despesa: é preciso remover o princípio do confisco legal. O Banco Central é a espinha dorsal do sistema estatista moderno. Sem ele, não haveria guerras intermináveis, programas sociais insustentáveis, nem um exército permanente de burocratas a parasitar a população. O Banco Central é a máquina que imprime os meios com que o Estado compra a obediência. A sua existência não é apenas um erro técnico: é uma imoralidade.
A solução é clara: privatizar a produção de moeda, restabelecer o padrão-ouro (ou a concorrência entre moedas privadas) e abolir o monopólio do Banco Central. Num sistema livre, cada indivíduo escolheria em que moeda confiar, e os bancos que praticassem reservas fraccionárias sem consentimento seriam tratados como falsificadores.
Milei prometeu fechar o Banco Central. Chamou-o de “o cancro da economia argentina”. Repetiu em debates, entrevistas e comícios que isso era “não negociável”. Mas o cancro continua lá. Domesticado, talvez. Vigiado, sem dúvida. Mas vivo. Enquanto viver, será sempre um instrumento de opressão.

O verdadeiro teste a Milei será esse. Não basta despedir funcionários ou cortar subsídios. Não basta privatizar empresas ou liberalizar importações. O verdadeiro teste é desmantelar a máquina de falsificação monetária. É devolver ao povo argentino o direito de escolher a sua moeda. De proteger a sua poupança. De viver sem ser espoliado todos os meses por um imposto invisível.
Se Milei quer realmente ser recordado como o primeiro governante libertário da história moderna, terá de ir até ao fim. Terá de fazer o que nenhum outro fez: abolir o Banco Central e permitir que os argentinos seleccionem a sua moeda livremente, sem imposição estatal — ouro, prata, Bitcoin, ou qualquer outra moeda escolhida livremente pelos indivíduos.
Só assim terminará a farsa. Só assim haverá verdadeira liberdade económica. Só assim, talvez, os libertários poderão dizer: “Pela primeira vez, um de nós chegou ao poder — e não cedeu.”
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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