UMA CAPITAL EM ESPIRAL DE DECADÊNCIA E INSEGURANÇA

Para onde vais, Lisboa?

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Elisabete Tavares|31/07/2025

Tirana. Capital da Albânia. Passeando na rua, à noite, bancas de frutas tapadas com lonas permanecem à porta de alguns minimercados e mercearias, sem supervisão. Em alguns cafés, móveis das esplanadas ficam na rua toda a noite, sem correntes nem cadeados.

Existe criminalidade em Tirana? Sim, como em todas as principais cidades. Mas alguns cenários em Tirana são já impensáveis em Lisboa, onde a real insegurança testemunhada diariamente pelos residentes e turistas contrasta com a quase invisibilidade do patrulhamento policial.

Na madrugada desta terça-feira, a zona da Graça viveu mais uma noite de assaltos. Este bar na Travessa do Monte teve ‘sorte’. A janela estava fechada no trinco e os ladrões não conseguiram entrar. Mas os prejuízos pelos vidros partidos e cadeados estragados acumulam-se. Na Rua da Graça, a ‘casa dos crepes’ não teve a mesma sorte e foi mesmo assaltada. / Foto: D.R.

Um exemplo. Na segunda-feira, o PÁGINA UM publicou a sua segunda reportagem sobre os ‘males’ que afligem a capital. Esta reportagem debruçou-se nos casos dos assaltos a casas no centro de Lisboa, perto da Graça, durante a noite, com as famílias a dormir.

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Na madrugada de terça-feira, a zona da Graça acordou e deparou-se com nova ronda de assaltos. A ‘casa dos crepes’, como é conhecida, viu a porta ser arrombada. Os ladrões conseguiram entrar. A manhã de anteontem foi de limpezas e com o proprietário a fazer contas aos estragos.

Ali perto, na Travessa do Monte, um bar ficou com um vidro partido. Os ladrões não conseguiram entrar porque a janela estava fechada no ‘trinco’. Foi o que valeu. Os agentes da polícia estiveram no local a recolher provas. Mas ninguém tem esperanças de que os ladrões venham a ser apanhados e que tenham de pagar os estragos que deixaram para trás em mais uma noite de roubos na zona.

Na Rua da Graça, os donos de lojas e cafés na zona já perderam a conta ao número de assaltos ocorridos na zona durante a noite. Além disso, há prejuízos causados por roubos feitos durante o dia.
/ Foto: PÁGINA UM

“Pensámos que estava melhor, mas não. Os assaltos voltaram”, disse um dos proprietários de um dos estabelecimentos na Rua da Graça. Nem os quiosques de jornais escapam aos roubos. Um deles foi assaltado duas vezes só este ano. Na primeira vez, os ladrões foram bem sucedidos e conseguiram entrar e concretizar o assalto. Da segunda vez, deixaram o cadeado danificado. Para o dono do quiosque, foi mais um prejuízo, a juntar aos anteriores.

Na movimentada farmácia, no Largo da Graça, junto ao quartel dos bombeiros, foi necessário contratar um segurança privado que agora previne roubos diurnos. Mas, mesmo assim, as funcionárias encontram alarmes no chão frequentemente. Um sinal de que alguns dos produtos expostos nas prateleiras já tinham ‘voado’.

A esta onda de roubos durante o dia não será alheio o facto, de nas redondezas, se ter normalizado a instalação de tendas de sem-abrigo e toxicodependentes. O caso da degradação do Jardim da Cerca da Graça é testemunha disso.

Tirana, Albânia. / Foto: PÁGINA UM

Mas não são apenas os assaltos a casas, estabelecimentos comerciais e pessoas que sinalizam a tendência decadente da capital. Os montes de lixo espalhados por cada esquina e junto a ecopontos multiplicam-se pela cidade. A impunidade instalou-se. Além de lixo doméstico e de lojas e restaurantes, vêem-se sofás, móveis velhos, electrodomésticos, colchões, … Em algumas ruas, há vários ‘montes’ de lixos visíveis. E há a somar os sacos de obras e empreitadas na construção de empreendimentos de luxo e casas para vender a turistas a peso de ouro.

Testemunhei situações em que funcionários da autarquia passaram para retirar lixos e entulhos a seguir ao almoço e, ao final da tarde, já lá estava mais lixo e entulho nos mesmos locais.

Mas o maior problema é o tráfico de droga que prospera no centro de Lisboa. Se há tantos toxicodependentes é que por que há droga. Se há tantos consumidores, é porque há vendedores, traficantes. Não é preciso ser polícia para ver o consumo e o tráfico. É feito em plena luz do dia em alguns locais.

Foto: PÁGINA UM

Veja-se a tão falada Rua do Benformoso. Não se vê nenhum imigrante hindustânico entre os que estão sentados na escada do costume com cara de poucos amigos. A confusão e os distúrbios ali são diários. Não há vez que lá passe que não assista a confusão. Mas depois vemos o aproveitamento que existe para se atacar imigrantes hindustânicos.

Tomar um café no Martim Moniz é uma dor de alma. Dá pena até pelos turistas que se acotovelam na longa fila para o eléctrico 28, sob o sol tórrido de Julho. Em 20 minutos, assisti a várias altercações violentas envolvendo pessoas claramente dependentes (drogas, álcool). Os funcionários dos cafés e lojas da zona mereciam uma medalha. Nem imagino o que passam ali, todos os dias.

Foto: PÁGINA UM

Jovens lisboetas apontam aquela zona como zona de passagem proibida à noite. E mesmo durante o dia, há ali ruas em que não entram, porque os assaltos são certos.

Caminhando pela baixa lisboeta, o que ouço é o mesmo: muitos assaltos, muitos roubos. Muitos toxicodependentes. (E crimes violentos. Veja-se o crime hediondo noticiado ontem, sobre o corpo decapitado de um homem que foi encontrado perto do Rossio.)

Isto são apenas exemplos. Chegam-nos testemunhos ao PÁGINA UM de lisboetas que vivem em diferentes pontos da cidade que relatam os mesmos problemas: assaltos; lixo e sujidade; toxicodependentes a viver nas ruas.

No Jardim da Cerca da Graça são visíveis seringas em várias zonas do espaço. / Foto: PÁGINA UM

Não é possível pensar que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e as juntas de freguesia conseguem resolver, por si só, sem apoio de outras entidades, os graves problemas que afligem a capital.

É urgente um plano para salvar a cidade da crescente degradação. Não pode ser um plano que envolva apenas a autarquia e as juntas de freguesia. Há que envolver as autoridades policiais e outras entidades. Combater o tráfico de droga com mão-pesada. Multar de forma agressiva os que forem apanhados a entupir as ruas de lixo e monos.

Não é possível que Portugal aceite ter esta Lisboa como cartão de visita para os turistas. E muito menos é aceitável que o país aceite ter esta Lisboa, neste estado decadente, para os seus residentes, imigrantes incluídos.

Carlos Moedas enfrenta uma cidade com problemas complexos e que incluem evidentes focos de tráfico de droga e criminalidade generalizada. Mas o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não vai certamente conseguir resolver este tipo de problemas sozinho. / Foto: D.R.

Olhando para o estado de algumas zonas da cidade, faz-me lembrar a Lisboa dos anos 80 e 90. E não falo das saudosas salas de cinemas e das maravilhosas piscinas públicas, que tantas alegrias traziam no Verão. Falo dos assaltos nas ruas, falo do Intendente da droga e da prostituição, de zonas como o Casal Ventoso, os bairros de barracas e casas pré-fabricadas. Em alguns aspectos, assistimos hoje a uma espécie de ‘déjà vu‘.

Ver Lisboa assim causa tristeza. Afinal, o que aconteceu à cidade? Como chegou aqui? O mais fácil será atirar culpas para Carlos Moedas, mas é injusto e redutor. O mesmo vale para os vários presidentes das juntas. Porque quem coloca os monos e os lixos tem responsabilidade. Quem falha no controlo e na prevenção do tráfico de droga e da criminalidade tem responsabilidade. Quem aprovou políticas irresponsáveis que deixaram entrar imigrantes com perigosos e cadastro. Quem aprovou políticas desumanas que atiraram mais portugueses para a pobreza ou para o sobre-endividamento tem responsabilidades. Ou quem criou políticas desastrosas que aumentaram ainda mais a desigualdade.

E todos nós temos responsabilidade pela cidade em que vivemos. Fazemos parte dela. Esperar que “os outros” resolvam tudo é um absurdo. Despejar os desgostos nas redes sociais pode ser bom, mas só é útil se envolver algum tipo de envolvimento cívico concreto para a resolução dos problemas.

Os lisboetas não podem estar à espera que a autarquia e as juntas de freguesia resolvam todos os problemas que afligem a cidade. O lixo e ‘monos’ que entopem as esquinas de muitas ruas da capital não aparecem lá sozinhos. / Foto: D.R.

O que temo é que Lisboa seja, neste momento, apenas um reflexo do país. Um sintoma de uma doença mais vasta que se alimenta, em parte, de políticas irresponsáveis, da falta de escrutínio e fiscalização mas também do conformismo e da falta de cultura cívica de muitos portugueses.

Em 2025, Lisboa tem tiques de uma cidade dividida. De um lado os hotéis de luxo, os restaurantes ‘gourmet‘, os condomínios novos com vista e piscina. Do outro, o lixo, a insegurança, o tráfico de droga, as tendas dos sem-abrigo nos jardins. Uma cidade de primeiro mundo em que a desigualdade dispara a olhos vistos.

Esta Lisboa desigual, insegura, decadente e suja normalizou-se. E, sinceramente, não penso que isso seja normal. Pois Lisboa não precisa ser como Tirana e passar a ter as bancas de fruta na rua durante a noite, ou ter os móveis das esplanadas sem correntes e cadeados. Mas isso não seria o ideal? Actualmente, a realidade é bem diferente. Se uma rua da capital não acordar com uma montra partida, já é bom. E isto não é normal.

Elisabete Tavares é jornalista

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