EM 2022, MODELO FINANCIADO PELA FUNDAÇÃO BILL GATES APONTAVA PARA MAIS DE 14 MILHÕES DE MORTES EVITADAS EM APENAS UM ANO

Estudo do maior epidemiologista mundial faz desaparecer 12 milhões de ‘vidas salvas’ pela vacina da covid-19

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Pedro Almeida Vieira|10/08/2025

Em 2022, a Lancet Infectious Diseases publicava, com pompa e circunstância, um artigo científico assinado por um grupo internacional de modeladores liderados por Oliver Watson, que concluía — sem hesitar e com inequívoco encómio — que as vacinas contra a covid-19 tinham “salvado” pelo menos 14 milhões de pessoas no primeiro ano do programa de vacinação global.

O trabalho, financiado por diversas entidades, entre as quais a Fundação Bill & Melinda Gates, alimentou a narrativa dominante: um triunfo inequívoco da ciência, traduzido numa cifra de vidas poupadas que era, ao mesmo tempo, argumento político e capital simbólico para justificar a vacinação massiva, transversal a todas as idades e contextos.

John Ioannidis, professor e investigador da Universidade de Stanford.

Mas estamos em 2025, e o véu dessa narrativa hegemónica começa a desfazer-se. E fá-lo com estrondo — e, mais importante, com consistência científica. Um artigo agora publicado na JAMA Health Forum, e ontem revelado por um centro de investigação da Universidade de Stanford, e tendo como autor principal John Ioannidis, considerado o epidemiologista mais reputado do mundo, vem colocar números muito mais modestos — e, sobretudo, muito mais granulares — sobre a mesa.

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A estimativa central de Ioannidis e três investigadores italianos é de que as vacinas terão evitado cerca de 2,5 milhões de mortes em todo o mundo, entre o final de 2020 e o ano de 2024, com uma margem de sensibilidade que varia entre 1,4 e4,0 milhões. A diferença é brutal: cerca de doze milhões de vidas “salvas” evaporaram-se, não por um capricho político, mas porque o novo trabalho aplica parâmetros de risco e eficácia mais realistas, separados por idade, período e contexto epidemiológico.

O ponto mais demolidor da análise encontra-se no gradiente etário e extrapola-se daí ter sido um erro colossal, sem vantagens, a vacinação massiva e, pior ainda, as políticas coercivas, recorrendo a tácticas éticas deploráveis, incluindo discriminação para quem optava por não se vacinar, mesmo após uma infecção prévia.

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Com efeito, ao contrário da narrativa que sugeria benefícios significativos em toda a população, os dados mostram que quase 90% das vidas salvas ocorreram em pessoas com 60 ou mais anos. As crianças e adolescentes (0–19 anos) contribuíram com meros 0,01% do total, e os jovens adultos (20–29 anos) com 0,07%. Esse reduzido contributo deveu-se às taxas de letalidade por infecção (IFR) antes da variante Ómicron serem já bastante baixos em jovens e adultos de meia idade.

Nos menores de 20 anos, a letalidade da covid-19 sem vacina era afinal de 0,000003 — isto é, três óbitos por cada milhão de infecções —, o que contrasta com uma letalidade de 12% (120 mil mortes por milhão infecções) nos maiores de 70 anos que vivessem em lares. Aliás, o mesmo grupo etário em melhores condições de saúde (vivendo na comunidade) apresentou taxas de letalidade de apenas 1,8%, enquanto por exemplo no grupo etário dos 50 aos 59 anos era de 0,12%, o que confirma que esta foi uma doença particularmente grave apenas em lares.

Note-se, contudo, que o estudo de Ioannidis assume ainda que não só a imunidade natural (por prévia infecção) era eficaz como destaca que, durante o período Ómicron, a letalidade caiu para cerca de um terço da registada com a variante Alfa. Ou seja, o ‘game changer’ da pandemia foi a mudança de prevalência da Omicron, mais transmissível mas muitíssimo menos letal por ‘atacar’ sobretudo as vias respiratórias superiores.

Distribuição da população mundial por grupos etários, indicando para cada estrato a proporção vacinada antes da infecção no período pré-Ómicron (com intervalo de sensibilidade) e a taxa de letalidade por infecção (IFR) no mesmo período, também com intervalo de sensibilidade. Inclui ainda a separação dos indivíduos com ≥70 anos em residentes na comunidade e em lares, evidenciando as diferenças marcadas de risco. Fonte: Ioannidis et al. (2025).

A eficácia vacinal para prevenir a morte foi também tratada com rigor neste novo estudo, e mostra que esteve muito longe das promessas iniciais de eficácia absoluta. Quando surgiram foram apontadas eficácia acima de 90% e ainda actualmente em sites da Comissão Europeia se aponta para valores acima de 80%. Porém, o estudo mostra que foram de 75% no período pré-Ómicron (com um intervalo de 40% a 85%) e de 50% no período Ómicron (30% a 70%).

Estes valores, bastante inferiores aos sugeridos em discursos políticos e comunicações oficiais em 2021 e 2022, foram cruzados na análise de Ioannidis com a proporção de vacinados antes da infecção a nível mundial: apenas 10% no grupo dos 0–19 anos, 20% nos 20–29 anos e cerca de 46% nos adultos com mais de 30 anos.

Em termos de retrato final, as conclusões só podem ter implicações práticas e políticas — e até mediáticas, pelo papel que a imprensa generalista teve para se impor uma narrativa. O chamado número necessário para tratar (NNT) — ou seja, o número de doses necessárias para evitar uma morte — foi, globalmente, de cerca de 5.400 doses. E para ‘conceder’ um ano de vida foram necessárias 900 doses.

Estudo de John Ioannidis, Angelo Maria Pezzullo, Antonio Cristiano e Stefania Boccia é um importante marco para a escrita da verdade científica da pandemia.

Estes valores são globais e ‘degradam-se’ substancialmente nos grupos de baixo risco: em jovens até 29 anos, um cenário ilustrativo mostra que terão sido precisas cerca de 100 mil doses para evitar uma única morte, tornando o benefício por dose administrada quase irrisório. E até do ponto de vista económico: se consideramos um preço de 15 euros por dose, para se salvar uma vida de um menor de 30 anos gastou-se 1,5 milhões de euros. Ora, com esse dinheiro consegue-se salvar mais do que isso para tratar ou prevenir a letalidade de outras doenças.

E é também neste aspecto que o estudo de Ioannidis e dos investigadores italianos introduz uma questão sensível e raramente abordada na narrativa oficial: a possibilidade de que, em certos subgrupos jovens, o balanço entre benefícios e riscos possa ter sido negativo, ou seja, que a vacina tenha prejudicado mais do que trazido benefícios.

No capítulo mais sensível, os autores admitem não terem separado as mortes evitadas pela eficácia vacinal das mortes provocadas por danos associados à vacinação. Sublinhando que “os eventos adversos das vacinas contra a COVID-19 continuam a ser um tema controverso”, Ioannidis e os seus colegas recordam que os dados provenientes de ensaios clínicos aleatorizados são muito limitados e que as estimativas de risco obtidas a partir de registos observacionais comportam elevada incerteza.

Estimativa de vidas salvas pela vacinação contra a COVID-19, segmentada por grupo etário, período (antes de Ómicron e durante Ómicron) e estado de infecção prévia no momento da vacinação. Inclui o total de vidas salvas por estrato etário e a percentagem correspondente do total global de 2 532 869 vidas salvas. Os dados mostram que a grande maioria dos benefícios concentrou-se em pessoas com 60 ou mais anos, especialmente idosos residentes na comunidade. Fonte: Ioannidis et al. (2025).

Apesar de concluírem que o número de óbitos atribuíveis a eventos adversos amplamente reconhecidos — como trombose, miocardite ou mortes em residentes de lares altamente debilitados — será provavelmente “cerca de duas ordens de grandeza inferior ao benefício global”, alertam que “estes danos são importantes para ponderar face aos benefícios em subpopulações específicas onde apresentam maior frequência [jovens] e onde o balanço risco-benefício possa alterar-se ou até inverter-se”.

Este novo estudo está longe de ser uma contestação ao valor das vacinas enquanto ferramenta de saúde pública — Ioannidis tem vindo a reconhecer o seu papel relevante na redução da mortalidade em grupos de alto risco.

Mas é sobretudo um apelo, sustentado por dados, a políticas mais racionais e dirigidas: priorizar a protecção dos mais vulneráveis, em vez de insistir em programas indiscriminados que pouco acrescentam nos mais jovens. E é, sobretudo, um lembrete de que as “verdades” proclamadas no calor de uma crise sanitária podem, e devem, ser revistas à luz de dados mais sólidos.

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A diferença entre os 14 milhões “salvos” proclamados pela Lancet em 2022 e os 2,5 milhões agora estimados por Ioannidis não é apenas um ajuste estatístico: é um retrato do modo como a ciência, quando se liberta das pressões políticas e mediáticas, pode revelar um cenário mais complexo — e, inevitavelmente, mais incómodo — do que aquele que serviu para justificar medidas globais de saúde pública.

Mas isso, infelizmente, é lição que dificilmente será aprendida, e apreendida, pelos políticos portugueses e, hélas, até pela Ordem dos Médicos, entidade da qual ainda se aguarda um pedido de desculpas para a forma como se comportou durante a pandemia, tendo até escondido um parecer do seu Colégio de Pediatria que não recomendava a vacinação a adolescentes saudáveis.

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