74.887 HECTARES: CIFRA DESTE ANO JÁ SUPERA MÉDIA DE 2018-2024

Incêndios: Quatro municípios são responsáveis por mais de metade da área ardida

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Pedro Almeida Vieira|13/08/2025

A área ardida por incêndios rurais em 2025 já ultrapassou a média registada entre 2018 e 2024, mas o dado mais revelador – e menos explorado no debate público – é que bastaram quatro concelhos para concentrar mais de metade da destruição. A geografia do fogo, como em tantas outras décadas em Portugal, mantém-se desigual e profundamente localizada.

Segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a que o PÁGINA UM teve acesso, até à tarde desta quarta-feira tinham ardido 74.887 hectares. Este valor, embora ainda inferior aos de 2022 e 2023, já supera a média do período 2018-2024 (66.522 hectares). Convém recordar que 2017 foi um ano negro: arderam 540.654 hectares, equivalentes a 6,1% de todo o território continental.

people walking near fire

O padrão repete-se: a atenção mediática às chamas contrasta com a realidade de que estas incidem quase sempre nas mesmas regiões. Este Verão não é excepção. Mais de 71% da área ardida localiza-se a norte do Mondego, distribuída sobretudo pelos distritos da Guarda (16.770 hectares), Viana do Castelo (10.658), Vila Real (10.597), Viseu (8.873) e Aveiro (6.343).

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Já a sul, o impacto tem sido residual: três distritos – Lisboa, Leiria e Faro – apresentam valores inferiores a 100 hectares. No caso de Leiria, trata-se de uma situação atípica, recordando-se que em 2017 o Pinhal de Leiria foi severamente afectado por incêndios fora da época estival, em Outubro.

A análise detalhada dos dados do ICNF revela o que está por detrás das estatísticas globais: não é o número de ignições que explica a devastação, mas sim a ocorrência de grandes incêndios concentrados em áreas específicas. Em 2025, quatro concelhos são responsáveis por 54,1% da área ardida nacional. Trancoso, no distrito da Guarda, lidera com 15.559 hectares queimados – quase 43% do seu território – apesar de ter registado apenas nove ignições.

Trancoso: 46% do seu território ardeu este ano.

O maior incêndio neste concelho ainda não foi completamente debelado, tendo atingido já concelhos vizinhos, como Celoirico da Beira e Fornos de Algodres. Segue-se Ponte da Barca (Viana do Castelo), com 7.478 hectares (41% do concelho), Vila Real, com 7.133 hectares, e Arouca (Aveiro), com 6.201 hectares.

A lista alarga-se com outros cinco concelhos acima da marca dos 2.000 hectares: Sátão (Viseu), com 3.737 hectares; Arganil (Coimbra), com 3.072; Penamacor (Castelo Branco), com 2.893; Cinfães (Viseu), com 2.126; e Alandroal (Évora), com 2.025 hectares. Somando estes nove municípios, obtém-se uma destruição equivalente a 78% da área total ardida. E se se juntarem mais nove concelhos – Moimenta da Beira, Penafiel, Arcos de Valdevez, Celorico de Basto, Montalegre, Aljustrel, Nisa, Ponte de Lima e Ribeira de Pena –, conclui-se que apenas 18 concelhos são responsáveis por 93% de toda a superfície ardida no país.

O reverso desta concentração é igualmente revelador: mais de metade dos municípios portugueses praticamente não foi afectada pelas chamas. Este ano, 146 concelhos (53% do total) não registaram mais de cinco hectares queimados. E há 51 que não chegam sequer a um hectare, ficando os fogos reduzidos a pequenos focos ou falsos alarmes. É o caso, por exemplo, de Espinho – terra natal do primeiro-ministro Luís Montenegro – que contabilizou apenas uma ignição e quatro falsos alarmes, com área ardida de zero hectares.

Luís Montenegro: o seu ‘concelho’, Espinho, é um dos 51 onde nem um hectare ardeu este ano.

O contraste entre territórios devastados e outros intactos levanta questões sobre a narrativa nacional dos incêndios. A “época de fogos” é tratada como um fenómeno homogéneo, mas a realidade é uma sucessão de dramas locais que dificilmente se reflectem de forma proporcional na percepção pública. Enquanto alguns concelhos enfrentam incêndios que consomem quase metade do seu território, outros assistem ao drama à distância, através dos noticiários.

Esta disparidade não é apenas geográfica, é também estrutural: as políticas de prevenção e combate tendem a seguir uma lógica de reacção mediática, mais do que de gestão preventiva adaptada às vulnerabilidades específicas de cada região. O facto de quatro concelhos concentrarem metade da área ardida deveria servir de alerta para uma abordagem mais inteligente e localizada, que privilegie o reforço dos meios e da vigilância onde o risco real se materializa.

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