AUTARQUIA DE LISBOA 'ARRUMA' ESPAÇO VERDE APÓS REPORTAGEM DO PÁGINA UM
Limpeza camarária não resolve decadência social do Jardim da Cerca da Graça

No dia 25 de Julho, o PÁGINA UM publicou uma reportagem sobre o estado de degradação em que se encontrava o Jardim da Cerca da Graça, em pleno centro da capital. Na última semana, uma equipa de limpeza esteve a executar uma acção de limpeza do espaço, mas também numa colina próxima do Jardim, junto à Calçada do Monte. A acção durou vários dias e resultou em dezenas de sacos de lixo que acabaram por ser retirados da zona
O PÁGINA UM regressou esta quinta-feira ao local e comparou o que vimos na reportagem anterior com a situação presente.

Encontrámos um jardim significativamente mais limpo. Também as tendas de sem-abrigo que se encontravam no parque infantil já não estavam lá. E também não vimos nenhuma seringa, nem cartões bancários e carteiras roubadas, ao contrário do que aconteceu na primeira reportagem. ↓
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Contudo, apesar dos esforços da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para melhorar e limpar o espaço, já começam a ser visíveis focos de lixo e latas espalhadas pelo chão. No parque dos cães, mantêm-se cobertores e edredons pendurados. Numa das “ruas” do parque, onde se encontravam tendas, estão agora alguns pertences de sem-abrigo que se voltaram a instalar no mesmo local.
Por outro lado, apesar de a CML ter efectuado uma limpeza no parque infantil, o mesmo não parece estar em condições para ser frequentado por crianças. No escorrega dos mais pequenos, encontrámos um pedaço de papel absorvente sujo e sinais de que o espaço é usado por adultos. Ao lado do escorrega, era visível uma base de cartão no chão.



No escorrega das crianças mais crescidas, o “abrigo” de madeira com escadas que dão acesso ao escorrega já não tinha seringas nem cartões bancários ou carteiras roubadas. Mas encontrava-se com algum lixo, incluindo muitas beatas.
Na zona reservada a brincadeiras com “areia”, o que resta de uma porta de correr jazia no chão, onde também eram visíveis beatas e outros lixos.
As colinas mais acessíveis do jardim também foram limpas na recente acção de limpeza. Mas a colina de mais difícil acesso — cuja entrada era a que dava acesso ao antigo parque de estacionamento da EMEL — tem ainda mais lixo, incluindo malas de viagem velhas e sujas. O tipo de objectos que se encontram no local aparentam ser de tendas de sem-abrigo que residiam na parte de cima do parque e que terão sido retiradas recentemente.
Quando os turistas descem a Calçada do Monte, é esta a primeira imagem do Jardim da Cerca da Graça que levam consigo: uma colina cheia de lixo. Perto, também vislumbram sem-abrigo a dormir rodeados de caixas de cartão.



Ao descer a Calçada, continuam no mesmo sítio as garrafas e latas colocadas nos diversos orifícios que se encontram no muro que desce aquela via. E são visíveis, no chão, vidros de viaturas, que terão sido assaltadas recentemente.
O que se torna evidente, é que todo o esforço da CML em limpar a zona esbarra num problema: a toxicodependência e os sem-abrigo que ali buscam o ‘produto’ e lá acabam por ficar a residir. Acresce a pressão turística e o número elevado de pessoas que se deslocam àquela zona, e por ali ficam a consumir bebidas, a ver a vista da cidade.
As tendas foram retiradas do Jardim da Cerca. Mas os sem-abrigo e os toxicodependentes permanecem por ali. Bem como o risco de roubos e assaltos.
Logo em frente à entrada principal do Jardim da Cerca, do outro lado da estrada, uma “tenda” improvisada com cartão ocupou o espaço onde até hoje existiam abrigos para uma colónia de gatos. São visíveis malas de viagem e outros objectos no local. As tigelas de comida e água dos gatos, aparentemente, desapareceram. Mas os gatos continuam a deambular pela Calçada, agora que perderam a sua “casa”.



O que observámos levanta a questão sobre a viabilidade de a CML conseguir resolver sozinha o problema da degradação da zona. A conclusão é que não.
Por mais equipas que a CML desloque para o local, para efectuar acções de limpeza, rapidamente, o lixo começa a aparecer. As tendas são substituídas por abrigos improvisados pela zona.
Há seres humanos ali, a consumir droga, a viver uma vida sem dignidade. E se estão ali é porque há ali quem venda droga. Sem resolver o problema da venda e consumo de droga e álcool no local, não será possível travar a espiral de degradação da zona, que tem sido afectada por criminalidade contra pessoas e estabelecimentos.
Esperar que a CML resolva isto sozinha é ingénuo. O Jardim da Cerca da Graça e a colina junto à Calçada do Monte estão agora mais limpos. Mas até quando?
Lisboa merece um tratamento melhor. Os lisboeta merecem melhor. E, sobretudo, aqueles seres-humanos que ali estão a viver sem dignidade e condições, merecem melhor. E o problema de fundo, da toxicodependência que leva à criminalidade e gera sem-abrigo, não se resolve sem que haja uma intervenção concertada e eficaz.
Sem isso, resta à CML ir enviando equipas de limpeza para, temporariamente, melhorar o aspecto e salubridade da zona.


Pelo menos hoje, já se sentia um ambiente melhor no Jardim. Mais leve. Ouvia-se música. Um cão corria pelo relvado destinado a lazer e piqueniques. O quiosque estava vazio, mas o calor também era intenso.
Resta esperar para ver qual o caminho que, daqui em diante, aquele espaço central da capital vai seguir. Se vai voltar a ser um Jardim com festas de aniversário de crianças e brincadeiras entre família e amigos. Ou se vai manter-se na espiral de tráfico e consumo de droga e álcool, crime e decadência. Esperemos que siga pelo primeiro.