AUTARQUIA DE LISBOA 'ARRUMA' ESPAÇO VERDE APÓS REPORTAGEM DO PÁGINA UM

Limpeza camarária não resolve decadência social do Jardim da Cerca da Graça

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Elisabete Tavares|14/08/2025

No dia 25 de Julho, o PÁGINA UM publicou uma reportagem sobre o estado de degradação em que se encontrava o Jardim da Cerca da Graça, em pleno centro da capital. Na última semana, uma equipa de limpeza esteve a executar uma acção de limpeza do espaço, mas também numa colina próxima do Jardim, junto à Calçada do Monte. A acção durou vários dias e resultou em dezenas de sacos de lixo que acabaram por ser retirados da zona

O PÁGINA UM regressou esta quinta-feira ao local e comparou o que vimos na reportagem anterior com a situação presente.

Durante vários dias, uma equipa esteve a fazer uma acção de limpeza no Jardim da Cerca da Graça e na Calçada do Monte. Na foto, é visível uma carrinha com vários sacos de lixo e um funcionário a subir a escadaria da entrada principal do Jardim carregando sacos.

Encontrámos um jardim significativamente mais limpo. Também as tendas de sem-abrigo que se encontravam no parque infantil já não estavam lá. E também não vimos nenhuma seringa, nem cartões bancários e carteiras roubadas, ao contrário do que aconteceu na primeira reportagem.

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Contudo, apesar dos esforços da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para melhorar e limpar o espaço, já começam a ser visíveis focos de lixo e latas espalhadas pelo chão. No parque dos cães, mantêm-se cobertores e edredons pendurados. Numa das “ruas” do parque, onde se encontravam tendas, estão agora alguns pertences de sem-abrigo que se voltaram a instalar no mesmo local.

Por outro lado, apesar de a CML ter efectuado uma limpeza no parque infantil, o mesmo não parece estar em condições para ser frequentado por crianças. No escorrega dos mais pequenos, encontrámos um pedaço de papel absorvente sujo e sinais de que o espaço é usado por adultos. Ao lado do escorrega, era visível uma base de cartão no chão.

Na zona do parque infantil já não há tendas de sem-abrigo.
No parque dos cães, permanecem cobertores e edredons, num abrigo improvisado que serve da “casa” a sem-abrigo que se instalaram naquele Jardim.
No escorrega dos mais pequenos, encontrámos um pedaço de papel absorvente sujo, havendo sinais de que o pequeno abrigo de madeira é usado por adultos. Ao lado, um pedaço de cartão jazia no chão.

No escorrega das crianças mais crescidas, o “abrigo” de madeira com escadas que dão acesso ao escorrega já não tinha seringas nem cartões bancários ou carteiras roubadas. Mas encontrava-se com algum lixo, incluindo muitas beatas.

Na zona reservada a brincadeiras com “areia”, o que resta de uma porta de correr jazia no chão, onde também eram visíveis beatas e outros lixos.

As colinas mais acessíveis do jardim também foram limpas na recente acção de limpeza. Mas a colina de mais difícil acesso — cuja entrada era a que dava acesso ao antigo parque de estacionamento da EMEL — tem ainda mais lixo, incluindo malas de viagem velhas e sujas. O tipo de objectos que se encontram no local aparentam ser de tendas de sem-abrigo que residiam na parte de cima do parque e que terão sido retiradas recentemente.

Quando os turistas descem a Calçada do Monte, é esta a primeira imagem do Jardim da Cerca da Graça que levam consigo: uma colina cheia de lixo. Perto, também vislumbram sem-abrigo a dormir rodeados de caixas de cartão.

As escadas por onde as crianças sobrem para andar no escorrega maior ainda apresentam lixo variado. Mas já não havia lá seringas nem carteiras roubadas.
Nesta nossa segunda visita ao Jardim, observámos que uma antiga porta de correr ocupava uma parte do chão do parque destinado a brincadeiras com areia. Havia beatas espalhadas pelo recinto dedicado aos mais novos.
A primeira imagem que os turistas encontram do Jardim da Cerca da Graça é esta: lixo diverso, incluindo malas de viagem sujas, “descem” colina abaixo e já fazem parte da paisagem, ao lado de figueiras e outras árvores e arbustos.

Ao descer a Calçada, continuam no mesmo sítio as garrafas e latas colocadas nos diversos orifícios que se encontram no muro que desce aquela via. E são visíveis, no chão, vidros de viaturas, que terão sido assaltadas recentemente.

O que se torna evidente, é que todo o esforço da CML em limpar a zona esbarra num problema: a toxicodependência e os sem-abrigo que ali buscam o ‘produto’ e lá acabam por ficar a residir. Acresce a pressão turística e o número elevado de pessoas que se deslocam àquela zona, e por ali ficam a consumir bebidas, a ver a vista da cidade.

As tendas foram retiradas do Jardim da Cerca. Mas os sem-abrigo e os toxicodependentes permanecem por ali. Bem como o risco de roubos e assaltos.

Logo em frente à entrada principal do Jardim da Cerca, do outro lado da estrada, uma “tenda” improvisada com cartão ocupou o espaço onde até hoje existiam abrigos para uma colónia de gatos. São visíveis malas de viagem e outros objectos no local. As tigelas de comida e água dos gatos, aparentemente, desapareceram. Mas os gatos continuam a deambular pela Calçada, agora que perderam a sua “casa”.

Na Calçada do Monte, havia vestígios de assaltos recentes a viaturas que estiveram estacionadas naquela via que é abrangida pela EMEL.
Alguns sem-abrigo transferiram-se do Jardim da Cerca para o outro lado da estrada, na Calçada do Monte. Ocupam agora o espaço que até agora era o local onde estavam os abrigos da colónia de gatos residente no local.
Na colina da Calçada do Monte, a CML levou a cabo uma grande acção de limpeza há poucos dias. Mas já são visíveis garrafas e latas. Um sem-abrigo também dormiu no local algumas noites.

O que observámos levanta a questão sobre a viabilidade de a CML conseguir resolver sozinha o problema da degradação da zona. A conclusão é que não.

Por mais equipas que a CML desloque para o local, para efectuar acções de limpeza, rapidamente, o lixo começa a aparecer. As tendas são substituídas por abrigos improvisados pela zona.

Há seres humanos ali, a consumir droga, a viver uma vida sem dignidade. E se estão ali é porque há ali quem venda droga. Sem resolver o problema da venda e consumo de droga e álcool no local, não será possível travar a espiral de degradação da zona, que tem sido afectada por criminalidade contra pessoas e estabelecimentos.

Esperar que a CML resolva isto sozinha é ingénuo. O Jardim da Cerca da Graça e a colina junto à Calçada do Monte estão agora mais limpos. Mas até quando?

Lisboa merece um tratamento melhor. Os lisboeta merecem melhor. E, sobretudo, aqueles seres-humanos que ali estão a viver sem dignidade e condições, merecem melhor. E o problema de fundo, da toxicodependência que leva à criminalidade e gera sem-abrigo, não se resolve sem que haja uma intervenção concertada e eficaz.

Sem isso, resta à CML ir enviando equipas de limpeza para, temporariamente, melhorar o aspecto e salubridade da zona.

A colina da Calçada do Monte está visivelmente mais limpa, após a acção de limpeza da CML.
Esta foi uma das zonas do Jardim da Cerca onde o PÁGINA UM encontrou seringas no chão. Hoje estava visivelmente mais limpa, sem lixos no chão nem na colina que desce para o relvado do Jardim.

Pelo menos hoje, já se sentia um ambiente melhor no Jardim. Mais leve. Ouvia-se música. Um cão corria pelo relvado destinado a lazer e piqueniques. O quiosque estava vazio, mas o calor também era intenso.

Resta esperar para ver qual o caminho que, daqui em diante, aquele espaço central da capital vai seguir. Se vai voltar a ser um Jardim com festas de aniversário de crianças e brincadeiras entre família e amigos. Ou se vai manter-se na espiral de tráfico e consumo de droga e álcool, crime e decadência. Esperemos que siga pelo primeiro.

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