SÓ EM SETE DIAS ARDERAM NOVE 'LISBOAS'

Com 142.234 hectares, 2025 entra no mapa negro: já é o pior ano desde 2017

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Pedro Almeida Vieira|16/08/2025

A catástrofe confirma-se: 2025 já será garantidamente o pior ano desde o fatídico ano de 2017, quando arderam cerca de 540 mil hectares e morreram 114 pessoas. Na primeira quinzena de Agosto já arderam mais de 105 mil hectares, sendo que quase tudo (91 mil hectares) se concentrou na última semana, numa sequência de fogos sobretudo nos distritos de Viana do Castelo, Vila Real, Coimbra, Viseu, Guarda e Castelo Branco que permitiram suplantar os já preocupantes números do ano passado.

De acordo com os dados estatísticos ainda provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), até ontem terão ardido 142.234 hectares, colocando 2025, de forma irreversível, na lista dos anos negros que pontuam a história dos incêndios rurais em Portugal. E ainda existem grandes incêndios por debelar e uma meteorologia (mediterrânica) que não dá tréguas a anos de incúria na gestão dos espaços rurais.

E como em tantos outros anos, a geografia da catástrofe não se espalhou por igual. Os dados mostram que bastaram alguns concelhos para concentrar uma fatia substancial da destruição. À cabeça surge Trancoso, onde o fogo terá consumido quase na íntegra este concelho do distrito da Guarda, que tem três vezes e meia a dimensão de Lisboa.

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Os dados provisórios do ICNF até indicam ainda uma impossibilidade: uma área ardida superio à superfície do municípios. Em todo o caso, garantidamente que Trancoso terá superado os 30 mil hectares, a que se junta a área consumida nos concelhos de Arganil (16.787 hectares) e Sátão (13.737 hectares), confirmando a tendência histórica de reincidência dos mesmos territórios no mapa do fogo.

Entre os dez concelhos mais atingidos encontram-se ainda Ponte da Barca (7.478 hectares), Vila Real (7.133 hectares), Arouca (6.201 hectares), Guarda (4.918 hectares), Sabrosa (3.449 hectares) e Penamacor (2.893 hectares), deixando claro que os distritos do interior centro e norte continuam a carregar o fardo das chamas.

Área ardida desde 2021 por ano, incluindo 2025 com dados provisórios até 15 de Agosto. Fonte: ICNF.

O padrão é conhecido: em Portugal, os incêndios raramente são uma calamidade homogénea. Concentrando-se em determinados concelhos, deixam atrás de si um retrato de devastação localizada mas profunda.

Este comportamento está longe de ser mero acaso. Resulta, em grande medida, de um ciclo perverso que tem acompanhado o país há décadas: anos de destruição em larga escala sucedem-se a períodos de relativa calma, não porque a prevenção funcione, mas porque os territórios já queimados funcionam como tampão, impedindo que novos fogos encontrem combustível fácil. Assim foi em 2003, 2005 e 2017, anos de catástrofe, e assim se repete agora em 2025. As condições meteorológicas e o caos prevêem que venham a ser ultrapassados os 200 mil hectares.

A cada novo grande incêndio, repete-se, a par de acusaçoes de incendiarismo, o diagnóstico estrutural de décadas: a falta de uma política integrada de gestão florestal, a excessiva fragmentação institucional, a sobrecarga de responsabilidades em corpos de bombeiros voluntários, muitas vezes pouco articulados e sem meios técnicos adequados, e a ausência de uma estratégia de prevenção sustentada. O resultado é uma dependência quase exclusiva de operações de combate, onde o heroísmo individual de bombeiros e populações substitui o que deveria ser uma resposta coordenada, profissionalizada e eficaz.

Área ardida por dia desde 1 de Julho de 2025 contabilizada em função da data da ignição. Fonte: ICNF.

Num país onde a política de ordenamento florestal permanece refém de interesses contraditórios – entre o peso do eucalipto, a falta de rentabilidade do minifúndio e a fragilidade das estruturas públicas de gestão –, o fogo continua a ser a última e mais brutal forma de reconfiguração da paisagem. E aquilo que não é retirado pelas políticas é devorado pelas chamas.

A sucessão de anos catastróficos e anos de “trégua” aparente alimenta a ilusão de que os problemas estão resolvidos. Mas a estatística desmente essa ilusão: em pouco mais de duas décadas, Portugal acumulou dezenas de milhares de hectares ardidos em picos devastadores, seguidos de descidas abruptas apenas explicáveis pela ausência de combustível imediato. Não há gestão, apenas o acaso do calendário ecológico.

Enquanto isso, os números deste ano voltam a colocar Portugal no centro do mapa europeu dos incêndios. A dimensão da tragédia de 2025 já ultrapassa em larga escala a média registada entre 2018 e 2024, aproximando-se a passos largos dos cenários mais negros da história recente. As consequências sociais, económicas e ambientais são devastadoras: aldeias evacuadas, habitações destruídas, investimentos florestais reduzidos a cinzas e ecossistemas inteiros condenados a décadas de recuperação.

Um país vergado aos incêndios. Foto: Pedro Nasper / mediotejo.net

Apesar de tudo, mantém-se o discurso oficial da eficácia. Fala-se em meios aéreos contratados, em planos operacionais sofisticados, em novas tecnologias de monitorização. Mas a realidade, demonstrada em concelhos como Trancoso, Arganil ou Sátão, mostra que nada disso substitui uma política estrutural de prevenção, que só poderá nascer de uma reforma profunda do modelo assente na dispersão de competências e no voluntarismo heroico mas insuficiente.

Os fogos de 2025 não são apenas a repetição de um fenómeno natural. É o espelho da incapacidade política de gerir um problema conhecido, estudado e anunciado. É também a confirmação de que Portugal continua preso num ciclo em que as chamas ditam a agenda e a memória colectiva, até à próxima vez que o acaso da meteorologia e da geografia voltar a alinhar-se contra a ineficácia de um país que se verga à sua própria incompetência.

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