CONSULTORA TEM DE METER TRÊS NOTÍCIAS POR MÊS NA IMPRENSA
Agência Nacional de Inovação está a dar os últimos suspiros, mas administração ainda quer almoços com directores de jornais

A Agência Nacional de Inovação — cuja polémica fusão com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) foi já aprovada em Conselho de Ministros — contratou esta semana uma consultora de comunicação para, entre outros serviços, promover e organizar almoços com directores de órgãos de comunicação social e também com outros jornalistas. Objectivo: dar boa imagem desta entidade e, claro, dos seus administradores com vista a uma eventual condução para a liderança da nova estrutura: a Agência para a Investigação e Inovação (AI2).
O contrato, que tem um custo de 70.110 euros para os contribuintes, foi assinado na passada segunda-feira e adjudicado à empresa Llorente & Cuenca Portugal, tendo um prazo de duração de 12 meses.

Isto apesar de a ANI estar prestes a ser extinta para se fundir com a FCT, conforme já estabelecido pelo Governo em Conselho de Ministros do passado dia 5, que aprovou o diploma que cria a nova agência, apesar da forte contestação de investigadores. Actualmente, uma petição dinamizada por diversos investigadores conta já com mais de 1.500 assinaturas. ↓
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Ainda assim, três dias depois, a ANI assinou o contrato com a consultora num procedimento que foi feito sem a realização de concurso, tendo sido antes efectuada uma consulta prévia. A ANI justificou a opção por esta modalidade de contratação com o facto de o Código dos Contratos Públicos permitir que seja feita apenas uma “consulta prévia, com convite a pelo menos três entidades, quando o valor do contrato seja inferior a 75.000 euros”.
O objecto do contrato é, formalmente, a “aquisição de serviços de consultoria para assessoria de comunicação; serviços de consultoria em matéria de relações públicas”. E a ANI justificou a contratação da consultora de comunicação com o facto de ter diferentes projectos em curso e ter a “necessidade de apoio especializado” na assessoria de comunicação.

Apesar de a ANI estar à beira da extinção, segundo o caderno de encargos consultado pelo PÁGINA UM tudo aparenta que a entidade está para durar. Entre os serviços a prestar pela consultora, está a “apresentação de uma estratégia global de comunicação, com enfoque na estratégia junto dos meios de comunicação social, gestão de crise com meios de comunicação e stakeholders, nomeadamente, Governo, tutelas e entidades congéneres, estratégia de produção de conteúdos para o site institucional e redes sociais”.
Mas a ANI também quer ter reuniões privadas com jornalistas. Assim, exige aos consultores, a quem pagará mais de 70 mil euros ao longo de 12 meses, a “organização de encontros ‘one to one‘ [privados] com jornalistas, através, por exemplo, da promoção e organização de almoços entre o conselho de administração ou a responsável de comunicação com a direção dos órgãos de comunicação social e/ou jornalistas”.
Sendo habitual a prática de empresas e organismos públicos reunirem em privado com jornalistas para melhor ‘venderem o seu peixe’ e encontrar aliados nas redacções, cabe salientar que, no caso de almoços promovidos por entidades do Estado, a factura será sempre paga pelos contribuintes. Além disso, mostra-se polémico que seja uma consultora a fazer ‘lobby’ com dinheiros públicos para que administradores de uma entidade pública apareçam na imprensa.

Além dos almoços, a ANI exige ainda no caderno de encargos que a consultora de comunicação consiga que sejam publicadas três notícias por mês sobre a agência ou os seus projectos nos maiores órgãos de comunicação social a nível nacional, designadamente na SIC, na RTP, no Expresso e no Público. Curiosamente, exclui todos os órgãos de comunicação social da Medialivre, como o Correio da Manhã, a CMTV e a Now. Em todo o caso, a ANI deixa em aberto a possibilidade de a consultora de comunicação conseguir publicar notícias sobre a ANI em outros media de referência. O PÁGINA UM assumirá, desde já, que não publica notícias favoráveis a uma entidade intermediada por uma agência de comunicação.
A Llorente & Cuenca Portugal foi também contratada para fazer a “gestão da reputação da entidade adjudicante, assim como dos membros que compõem o conselho de administração”, o qual é composto pelo presidente da ANI, António Grilo, Alexandra Vilela e Sílvia Garcia, como vogais executivas, bem como Madalena Alves, presidente da FCT, e Luís Guerreiro, presidente do IAPMEI, como vogais não executivos.

Mesmo assim, a ANI pode argumentar que o contrato com esta consultora de comunicação foi uma “pechincha” já que ficou abaixo do preço máximo fixado de 74.500 euros.
Recorde-se que a ANI, que agora será integrada num novo organismo que juntará a FCT, levou a cabo há poucos meses uma sui generis acção de ‘team building‘. O evento, que teve lugar no dia 28 de Maio, custou 22.890 euros e envolveu a contratação de um touro mecânico. Os quadros da ANI foram ainda brindados com uma tábua de queijos, bar aberto com DJ e uma prova de vinhos.