PÁGINAS CIVILIZADAS DE MARCO GALINHA DETÉM 46% DA DONA DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Principal accionista da Global Notícias usa truques contabilísticos ilegais para esconder falência técnica

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Pedro Almeida Vieira|18/09/2025

As contas de 2024 da Páginas Civilizadas, principal accionista da Global Notícias controlada pelo empresário Marco Galinha – dona do Diário de Notícias e com participação na sociedade que detém o Jornal de Notícias e a TSF –, apresentam gravíssimas irregularidades e artifícios contabilísticos, transformando uma evidente falência técnica numa aparente robustez financeira.

De acordo com a análise contabilística e financeira do PÁGINA UM à empresa liderada por Marco Galinha – que controla directa e indirectamente 45,87% da Global Notícias e detém ainda por via indirecta 13,8% da Notícias Ilimitadas (dona do JN e da TSF, entre outros títulos) –, a Páginas Civilizadas reportou lucros de cerca de 190 mil euros e capitais próprios superiores a 4,7 milhões de euros nas demonstrações financeiras do ano passado. Contudo, estes resultados só foram possíveis graças a expedientes contabilísticos dificilmente aceitáveis numa empresa com esta dimensão e relevância.

Marco Galinha (à direita), accionista de referência da Global Notícias e gerente da Páginas Civilizadas, com a direcção do Diário de Notícias – Filipe Alves, Valentina Marcelino e Nuno Vinha – numa fotografia publicada pelo próprio director no Facebook, a assinalar o primeiro ano da actual liderança do jornal. Foto: D. R.

Recorde-se que a Páginas Civilizadas foi o ‘veículo’ usado pelo enigmático fundo das Bahamas (World Opportunity Fund) para controlar, durante alguns meses de 2023 e 2024, a Global Notícias sob a égide de José Paulo Fafe, num episódio que gerou forte polémica e instabilidade e motivou mesmo a intervenção da ERC. No início de 2024, Marco Galinha retomou o controlo financeiro da Páginas Civilizadas – surgindo no registo de beneficiário efectivo com uma quota de 59,75% – antes de proceder à separação do Jornal de Notícias e da TSF (entre outros títulos) da Global Notícias, num negócio ainda envolto em falta de clareza.

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Um dos pontos mais polémicos nas contas de 2024 da Páginas Civilizadas está na rubrica “Investimentos financeiros”, onde inscreveu mais de 2,8 milhões de euros, correspondentes à participação na Global Notícias, mas sem aplicar o método da equivalência patrimonial que seria exigido pela dimensão da posição e pela influência exercida na gestão do grupo de media cujo principal activo é ainda o Diário de Notícias.

Na própria Informação Empresarial Simplificada (IES), entregue na Base de Dados das Contas Anuais, a Páginas Civilizadas declara que os investimentos em subsidiárias, empresas conjuntamente controladas e associadas são registados pelo método da equivalência patrimonial.

Demonstração de resultados de 2024 da Páginas Civilizadas ignoram a participação relevante (45,87% por via directa e indirecta) na Global Notícias, escondendo assim um descalabro financeiro.

Ora, mas se tivesse aplicado essa regra, teria de reconhecer no seu balanço a parte proporcional dos resultados catastróficos da Global Notícias em 2024, divulgados no Portal da Transparência dos Media, mas ainda não enviados para a Base de Dados das Contas Anuais. O atraso atingirá amanhã os 55 dias.

Como detém directamente 41,5% do capital da Global Notícias, a Páginas Civilizadas teria de assumir nas suas contas pelo menos cerca de 11 milhões de euros de perdas, correspondentes a uma parcela dos capitais próprios negativos de 19,3 milhões e dos prejuízos líquidos de 26,4 milhões registados em 2024. Assim, em vez de um activo de 2,86 milhões contabilizado como se fosse sólido, a empresa liderada por Marco Galinha através de três empresas (Páginas de Prestígio, Norma Erudita e Grupo Bel) teria de registar um valor líquido nulo ou praticamente nulo, entrando assim em falência técnica.

O expediente da Páginas Civilizadas – que tem Marco Galinha como gerente – foi, pura e simplesmente, ignorar a participação relevante na Global Notícias. Esta opção não é um detalhe técnico nem é legalmente aceitável, porque não se trata de uma posição minoritária irrelevante. Aparentemente, a empresa ‘encosta-se’ ao regime das pequenas entidades (NCRF-PE), que permite o uso de rubricas simplificadas.

Extracto do anexo à Informação Empresarial Simplificada (IES) da Páginas Civilizadas relativa a 2024, onde a empresa declara aplicar o método da equivalência patrimonial às suas participações em subsidiárias e associadas. Contudo, no balanço, a participação de 41,5% na Global Notícias surge registada como “investimentos financeiros” ao custo, sem reconhecimento da quota-parte nos prejuízos e capitais próprios negativos da dona do Diário de Notícias.

Porém, mesmo neste regime, vigora o princípio fundamental do Código das Sociedades Comerciais: as contas devem dar uma imagem verdadeira e apropriada da realidade económica. Ao não reflectir os capitais próprios negativos e os prejuízos avultados da Global Notícias, a Páginas Civilizadas fabrica uma saúde financeira fictícia. Na verdade, em vez de lucros de 190 mil euros, deveria apresentar prejuízos de 10,8 milhões; e em vez de capitais próprios positivos de 4,7 milhões, deveria revelar capitais negativos de 6,3 milhões. Ou seja, falência técnica.

Nesta linha, o expediente da Páginas Civilizadas é materialmente irregular e contrário ao espírito da lei. Mais do que uma interpretação contabilística, trata-se de uma manipulação para contornar um maior controlo financeiro, pois a aplicação da equivalência patrimonial obrigaria à nomeação de um Revisor Oficial de Contas (ROC), que nunca aceitaria semelhante manobra.

Mas mesmo admitindo, por hipótese académica, que a Páginas Civilizadas pudesse registar a sua participação na Global Notícias ao custo, teria então de constituir em 2024 uma imparidade ou, pelo menos, uma provisão que reflectisse a perda quase total de valor económico desse investimento. Só assim o balanço daria uma imagem verdadeira, uma vez que a participação na Global Notícias (em falência técnica) já não representa um activo sólido, mas sim um encargo de elevado risco.

O Código das Sociedades Comerciais é igualmente claro ao exigir que sociedades com participações relevantes em empresas com capitais próprios negativos reflictam tais factos nos seus balanços. Ao subvalorizar os rendimentos e inflacionar o valor do investimento na Global Notícias, Marco Galinha garante que a Páginas Civilizadas se mantém, no papel, saudável e sem necessidade de auditor externo – quando, na realidade, está numa situação de extrema fragilidade, perante a indiferença da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

Há cerca de duas semanas, o PÁGINA UM colocou diversas questões a Marco Galinha sobre a situação da Global Notícias, mas o empresário escusou-se a fazer declarações em ‘on’. E o PÁGINA UM não aceitou declarações em ‘off’.

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