RICARDO ARAÚJO PEREIRA, JOSÉ DIOGO QUINTELA E MIGUEL GÓIS QUERIAM REGISTO USANDO EXPRESSÃO BANAL

Assim vão ter de arranjar outro nome: INPI dá nega ao podcast dos Gato Fedorento

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Pedro Almeida Vieira|22/09/2025

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) recusou aceitar a protecção da denominação do podcast do jornal Expresso da autoria de Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela, três dos quatro membros do Gato Fedorento. “Assim vamos ter de falar de outra maneira”, lançado em Março deste ano, não conseguiu que a entidade responsável pelo registo de marcas aceitasse a expressão escolhida pelos três humoristas, alegando “falta de capacidade distintiva”.

De acordo com um documento explicativo das causas de recusa, o INPI considera que a falta de capacidade distintiva “engloba tanto os sinais descritivos como todos aqueles que, não sendo totalmente descritivos, não atingem o patamar mínimo da distintividade”, dando como exemplo a denominação “polvo assado no forno com arroz do mesmo“. O despacho definitivo foi publicado em meados de Agosto e tornar-se-á definitivo no próximo mês de Novembro, caso não haja recurso.

Podcast do Expresso começou em Março deste ano, mas não tem protecção jurídica para a marca.

Requerida em 11 de Fevereiro, a denominação escolhida pelos três humoristas pretendia protecção para a classe 41 da Classificação de Nice – que cobre serviços de educação, entretenimento, publicação e eventos culturais – e chegou a ser publicada provisoriamente no boletim do INPI. Contudo, em Junho surgiu a recusa provisória, invocando o artigo 23.º do Código da Propriedade Industrial, que impede o registo de expressões banais ou demasiado descritivas ou genéricas.

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A consequência desta decisão não implica que Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela deixem de usar a denominação no podcast do Expresso, mas ficam sem protecção legal exclusiva. Assim, em teoria, qualquer outra entidade ou pessoa pode lançar um programa com designação idêntica ou muito semelhante sem incorrer em infracção de marca. A única salvaguarda possível dos três Gato Fedorento reside nos direitos de autor sobre os conteúdos originais, mas não sobre o nome do programa.

Este episódio evidencia a importância do registo de marca no sector mediático, onde a diferenciação não se joga apenas no conteúdo, mas também no título. E Ricardo Araújo Pereira esteve indirectamente envolvido num processo que mostra essa importância. Com efeito, o humorista integrou desde 2008, com Pedro Mexia e João Miguel Tavares, e com moderação de Carlos Vaz Marques, a equipa do programa satírico Governo Sombra, inicialmente apenas na TSF.

Ricardo Araújo Pereira, Miguel Góis e José Diogo Quintela, três dos quatro membros dos Gato Fedorento.

À época, os quatro autores do programa não registaram a marca em seu nome próprio, mas, no mesmo mês em que foi inaugurado, em Outubro de 2008, houve um particular (Ricardo Manuel das Neves Campos) que solicitou o registo. O INPI deferiu o pedido poucos meses mais tarde, mas aparentemente nunca houve conflitos entre o titular da marca e os autores do programa radiofónico, que foi consolidando a sua notoriedade, primeiro na rádio e depois na TVI24, antecessora da CNN Portugal.

“No primeiro ano de programa recebemos queixas de uma banda rap da Margem Sul, dizendo que lhes tínhamos roubado o nome”, relembrou Carlos Vaz Marques ao PÁGINA UM. “Não ligámos, por duas razões: porque uma banda rap (ainda para mais desconhecida) e um programa de televisão são produtos totalmente distintos. Também nunca ninguém confundiu o grupo GNR com a Guarda Nacional Republicana”, acrescenta. Em todo o caso, mesmo que chegasse a litígio, não haveria qualquer problema porque os registos de marcas aceita denominações comuns desde que para actividades distintas.

Em todo o caso, os autores do ‘Governo Sombra’ não se preocuparam com o registo e em 2012 aceitaram o convite da TVI para que o programa passasse a ter também transmissão televisiva, “com a anuência da TSF”, conforme salienta Carlos Vaz Marques. Mas essa anuência, em 2012, não incluía o uso da marca, porque a empresa da TSF ainda não a detinha.

black and silver headphones on black and silver microphone

Só quando o detentor da marca (Ricardo Manuel das Neves Campos) registada em 2008 não a renovou é que a Rádio Notícias, sociedade gestora da TSF (hoje nas mãos da empresa Notícias Ilimitadas) se aproveitou e solicitou a caducidade do registo. E em Setembro de 2017, a Rádio Notícias obteve despacho favorável e passou a deter o registo do título Governo Sombra.

Somente quando, em 2021, o moderador Carlos Vaz Marques saiu em litígio da TSF e quis levar o programa com Ricardo Araújo Pereira, Pedro Mexia e João Miguel Tavares para a SIC Notícias é que foram confrontados com a nova realidade. “Por ingenuidade nunca registámos o título”, lamenta o moderador do programa e editor da Zigurate, afirmando que “foi para nós uma surpresa e um choque quando percebemos que a TSF tinha registado a marca à nossa revelia”. Ainda mais surpreendente porque, como diz o moderador do ex-Governo Sombra, a TSF “nunca mais pagou um cêntimo” a Ricardo Araújo Pereira, João Miguel Tavares e Pedro Mexia depois de o programa passar a ser transmitido pela TVI, a partir de 2012.

Certo é que, por causa do registo da marca no INPI, o quarteto ficou impedido de usar a denominação Governo Sombra, apesar da notoriedade do formato estar a eles associada. E daí nasceu o Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer – uma ironia explícita à perda do título anterior, mas que curiosamente ficou registado no INPI não em nome dos autores, mas da SIC Notícias.

Por razões de registo de marca, o ‘Governo Sombra’ – criado por Ricardo Araújo Pereira, Carlos Vaz Marques, Pedro Mexia e João Miguel Tavares – foi obrigado a mudar a sua denominação.

Ou seja, se um dia o programa sair do Grupo Impresa, provavelmente os autores terão de registar uma denominação do estilo Programa cujo nome estamos pela segunda vez legalmente impedidos de dizer, o que pode parecer anedótico, mas é juridicamente incontornável.

Até à presente recusa, todos os pedidos de marca ligados a Ricardo Araújo Pereira, mesmo com as denominações mais estapafúrdias, tinham sido bem-sucedidos. O INPI concedeu-lhe, em exclusivo, o uso das marcas para programas televisivos e podcasts como Isto é gozar com quem trabalha, Gente que não sabe estar e Coisa que não edifica nem destrói.

Também o nome Gato Fedorento está protegido como marca desde 2006, e pelo menos até 2027, mas neste caso o registo está em nome do quarteto original: Ricardo Araújo Pereira, José Diogo Quintela, Miguel Góis e o ‘renegado’ Tiago Dores. Nestes casos, o INPI reconheceu carácter distintivo suficiente, permitindo que as expressões funcionassem como sinais identificadores de origem.

Registo da recusa da denominação da marca ‘Assim vamos ter de falar de outra maneira’.

No entanto, no caso do podcast do Expresso, a decisão foi diferente. Para o INPI, a expressão “Assim vamos ter de falar de outra maneira” aproxima-se demasiado de um slogan comum ou de uma frase de uso corrente, sem a originalidade necessária para funcionar como marca. A entidade que regista marcas e patentes tem sido consistente: slogans são aceitáveis como marcas apenas quando adquirem singularidade ou fantasia capaz de individualizar serviços ou produtos. Expressões genéricas, mesmo que criativas, devem permanecer de uso livre.

Em todo o caso, este desfecho acaba por ser irónico: os três humoristas que construíram a carreira com engenho linguístico e capacidade de manipular a língua portuguesa de forma criativa viram-se barrados precisamente pelo carácter “banal” da frase escolhida, segundo o burocrático INPI. Se o título pretendia ser um comentário metalinguístico, a lei exige originalidade suficiente para o registo. Assim vão ter de arranjar outro nome…

N.D. (20h08 de 27/9/2025) – O PÁGINA UM recebeu o seguinte esclarecimento do Departamento de Relações Externas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que comenta no final:

Na sequência do artigo publicado na edição do jornal digital Página Um de 22 de setembro de 2025, com o título “Assim vão ter de arranjar outro nome: INPI dá nega ao podcast dos Gato Fedorento”, gostaríamos de esclarecer alguns aspetos essenciais, de forma a clarificar o verdadeiro motivo da recusa da marca em questão.

Ao contrário do que é referido na peça jornalística, o indeferimento não se deveu à utilização de “expressões banais ou demasiado descritivas ou genéricas”, mas sim à ausência de elementos obrigatórios no pedido, designadamente:

  • A indicação do número de identificação fiscal dos três requerentes da marca;
  • O envio de documento que comprovasse a legitimidade da signatária do requerimento para apresentar e assinar o pedido de registo em nome dos requerentes (declaração ou procuração).

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial envidou todos os esforços para que a irregularidade fosse suprida, emitindo sucessivas notificações para o efeito. Contudo, a correspondência foi devolvida ou não obteve resposta. Perante esta situação, a decisão de recusa provisória foi convertida em definitiva, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º do Código da Propriedade Industrial.

Estamos naturalmente ao dispor para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais. Sempre que surjam dúvidas relacionadas com este ou outros processos, não hesite em contactar-nos.

Com os melhores cumprimentos,

O PÁGINA UM indica na notícia que o INPI destaca, na fundamentação da recusa, a alínea c) do artigo 23.º do CPI, que se refere à “inobservância de formalidades ou procedimentos imprescindíveis para a concessão do direito”. Se a causa da recusa foi o não envio dos números de contribuintes e a legitimidade de quem solicitou a marcam então deveria ser invocada a alínea b), ou seja, “a não apresentação dos elementos necessários para uma completa instrução do processo”. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos subsequentes sobre esta matéria ao INPI, mas ainda não chegaram.

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