CERCA DE 105 MIL DESCENDENTES DE JUDEUS SEFARDITAS COM PASSAPORTE LUSITANO

Em cinco anos, quase 250 mil estrangeiros receberam nacionalidade portuguesa, mas 54% vivem no estrangeiro

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Pedro Almeida Vieira|16/11/2025

Nos últimos cinco anos, Portugal atribuiu nacionalidade a 248.816 estrangeiros, mas quase metade destes novos portugueses nem sequer reside no país. Com efeito, apenas 46,3% (115.116 pessoas) viviam efectivamente em território nacional no momento da naturalização.

A explicação para esta discrepância está sobretudo numa única via: a lei dos descendentes de judeus sefarditas, responsável por 104.802 naturalizações nos últimos cinco anos, o que representa 42,1% de todas as aquisições de nacionalidade no período analisado pelo PÁGINA UM com base nos dados anuais do INE. Esta via, criada em 2015, permitia que descendentes das antigas comunidades judaicas expulsas de Portugal no final do século XV readquirissem a nacionalidade portuguesa sem necessidade de residência.

Os sefarditas — judeus originários da Península Ibérica (Sefarad, em hebraico) expulsos em 1496 e dispersos por regiões como o Mediterrâneo Oriental, o Norte de África ou as Américas — encontraram nesta lei uma porta jurídica directa para a cidadania portuguesa. E, de facto, 96% dos naturalizados por esta via — 100.558 pessoas — vivem hoje fora de Portugal, revelando a natureza extraterritorial do regime.

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Esta via será agora extinta com a entrada em vigor da nova Lei da Nacionalidade, aprovada no final de Outubro com 157 votos dos deputados do PSD, Chega, Iniciativa Liberal, CDS e JPP. O Partido Socialista, Livre, PCP, Bloco de Esquerda e PAN votaram contra, somando apenas 64 votos.

Excluindo a via sefardita, a naturalização por residência em Portugal durante pelo menos seis anos — que corresponde quase na totalidade a estrangeiros efectivamente residentes no país — somou 76.631 novos portugueses entre 2020 e 2024, representando 30% do total. Em 2024, foram atribuídas 15.267 nacionalidades por residência, o valor mais elevado desde 2021, mas ainda distante dos números pré-pandemia: 22.663 em 2020, 15.937 em 2019, 16.612 em 2013 e 17.299 em 2009.

Holding two portuguese passports with a tower.

Por outro lado, nos últimos cinco anos, um total de 17.232 menores obtiveram nacionalidade portuguesa por serem filhos de pessoas entretanto obtiveram nacionalidade. Destes, 9.198 viviam em Portugal e 8.034 residiam no estrangeiro, o que revela uma tendência semelhante à das naturalizações por via sefardita.

Também a obtenção da nacionalidade por via do casamento ou por união de facto há mais de três anos com cidadãos portugueses registou números expressivos no total acumulado do período — 37.154 naturalizações, das quais 16.940 relativas a residentes e 20.214 a estrangeiros a viver no exterior. No entanto, esta via evidencia uma recente queda acentuada: em 2024, apenas 2.633 pessoas receberam nacionalidade por casamento ou união de facto, o valor mais baixo desde 2008, ano em que começam os registos comparáveis.

A distribuição etária revela um padrão particularmente consistente ao longo dos últimos cinco anos: a esmagadora maioria das nacionalizações ocorre entre os 20 e os 49 anos de idade, que somam 33.224 pessoas em 2024 — mais de 70% do total anual. O segmento dos 30-39 anos, isoladamente, é responsável por 9.533 nacionalizações, sendo o grupo mais representado desde 2020.

A man walking down a street past a building

A concentração nesta faixa etária demonstra que o processo de naturalização portuguesa actua sobretudo sobre indivíduos em plena idade económica, reforçando a presença de adultos jovens e de meia-idade na estrutura demográfica do país.

Por contraste, os mais idosos têm expressão residual. Em 2024, apenas 1.669 pessoas tinham mais de 65 anos, abrangendo todas as subfaixas até aos 85 anos ou mais — cerca de 3,5% do total. Mesmo somando os grupos dos 60-64 anos e 65-69 anos, não se ultrapassam as 2.600 naturalizações. Esta tendência mantém-se inalterada desde 2020 e confirma que os processos de aquisição da nacionalidade estão fortemente associados a percursos prolongados de residência, integração laboral e vínculos familiares, factores que afectam muito menos as populações mais velhas.

Nos mais jovens, observa-se um número relativamente estável de naturalizações: 4.001 menores de 15 anos em 2024, um valor praticamente idêntico a 2022 (4.189) e significativamente abaixo de 2020 (4.931). Esta redução é coerente com a diminuição global de naturalizações desde o pico pandémico e reflecte também a estabilização dos fluxos familiares ao abrigo do reagrupamento. Ainda assim, estes menores representam quase 10% das novas nacionalizações, o que indica que a renovação geracional associada à imigração continua activa e com impacto demográfico mensurável.

a flag is flying on top of a building

Em síntese, o retrato etário das naturalizações portuguesas revela um fenómeno estrutural: Portugal está a integrar sobretudo adultos em idade laboral, com reduzida incorporação de seniores e com uma base juvenil estável mas não expansiva.

Esta composição etária tem efeitos directos na demografia futura, na sustentabilidade da Segurança Social, na força de trabalho e na pressão sobre serviços públicos — factores que, apesar de raramente discutidos no debate político, são evidentes nos próprios dados do INE.

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