ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE TINHA MULTAS DIÁRIAS PROMETIDAS PELO TRIBUNAL

38.486.636 registos de internamentos hospitalares: o PÁGINA UM tem finalmente a base de dados que três Governos quiseram esconder

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Pedro Almeida Vieira|18/11/2025

Ao fim de mais de três anos de litígio persistente, marcado por uma sentença e dois acórdãos não cumpridos, e que só terminou com a ameaça de uma multa diária de 70 euros aplicada directamente aos quatro membros do Conselho Directivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o PÁGINA UM obteve finalmente acesso integral à mais completa base de dados de internamentos hospitalares alguma vez disponibilizada em Portugal.

São exactamente 38.486.636 registos, correspondentes a todos os internamentos hospitalares realizados entre 2000 e 2024, cobrindo um período de 25 anos que coincide com algumas das maiores transformações do Serviço Nacional de Saúde, desde a consolidação dos hospitais-empresa até às crises de capacidade hospitalar das últimas décadas, passando mesmo pela crise pandémica de 2020-2022.

Pedido a base de dados recusado nos tempos de Marta Temido…

A evolução destes registos conta, por si só, de uma forma muito breve, a história da pressão crescente sobre o sistema de saúde: no início dos anos 2000, o número anual de internamentos rondava ainda valores moderados, mas à medida que o país envelhecia, que novas tecnologias médicas se tornavam disponíveis e que várias patologias crónicas se expandiam silenciosamente, o volume anual de episódios nos hospitais públicos aumentou, estabilizou, voltou a subir e revelou oscilações significativas associadas a períodos de crise sanitária, reorganizações hospitalares e mudanças de financiamento.

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Esta trajectória, até agora apenas perceptível através de relatórios opacos e estatísticas simplificadas, pode finalmente ser analisada em profundidade porque, pela primeira vez, estão acessíveis os microdados originais que sustentam — ou desmentem — as narrativas oficiais.

Cada um destes mais de 38 milhões de registos contém dezenas de variáveis clínicas e administrativas, num total de cerca de oito dezenas: o hospital de internamento, o sexo e idade do doente, o distrito e concelho de residência, a data de entrada e saída, o número total de dias de internamento, a passagem por diferentes serviços, as transferências entre unidades, o tipo de admissão, o motivo de transferência, a tipologia neonatal quando aplicável, a informação sobre cirurgia, bem como os códigos diagnósticos principais e secundários que compõem o coração dos Grupos de Diagnóstico Homogéneo (GDH), neste casos com largas subvariáveis.

… manteve-se com Manuel Pizarro…

São exactamente estes detalhes que tornam esta base de dados num instrumento único para avaliar, com rigor objectivo, o desempenho de cada hospital – e que constitui um dos maiores tabus do Serviço Nacional de Saúde, porque vai possibilitar saber se a probabilidade de sobrevivência depende da unidade de saúde –, a prevalência real das doenças por geografia, as desigualdades regionais e os padrões estruturais que a administração pública nunca permitiu escrutinar.

Durante anos, a ACSS recusou a entrega destes dados, alegando confidencialidade e complexidade técnica. Contudo, os tribunais foram categóricos: a informação é pública, e a sua divulgação, com anonimização assegurada, é não apenas legítima como indispensável à transparência.

O comportamento do organismo, arrastando durante três anos o cumprimento de uma decisão judicial, acabou por revelar o que sempre se suspeitou: os dados existem, mas o Estado não pretende que os cidadãos conheçam o detalhe da actividade hospitalar, porque quem controla os dados controla também a narrativa sobre o desempenho do sistema de saúde. O PÁGINA UM tem, aliás, conhecimento que esta base de dados não era sequer disponibilizada a investigadores académicos.

…e continuou com Ana Paula Martins. Só com ameaça de coimas diárias ao Conselho Directivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) foi disponibilizada ao fim de quase 40 meses.

Agora, porém, essa opacidade caiu. E a dimensão da base de dados permitirá estudos e investigações sem precedentes: comparar taxas de letalidade ajustadas por idade e tipo de patologia; identificar hospitais com desempenhos anómalos; mapear o crescimento ou declínio de doenças em cada região; avaliar o impacto real das políticas públicas e das crises sanitárias; medir a evolução da capacidade hospitalar; reconhecer padrões de internamento em populações vulneráveis; e detectar variações inexplicáveis que apenas o acesso ao detalhe pode revelar. Pela primeira vez, será possível articular internamentos, mortalidade, capacidade instalada e respostas administrativas sem depender de relatórios sintetizados que ocultam mais do que esclarecem.

Dada a magnitude, relevância científica e inegável interesse jornalístico desta informação, o PÁGINA UM tentará criar uma equipa multidisciplinar, integrando jornalismo de investigação, estatística, saúde pública e análise de dados, para explorar todas as valências desta base de dados. O objectivo será produzir conhecimento público rigoroso, independente e verificável; identificar falhas estruturais; expor incoerências nas narrativas oficiais; e contribuir para um debate informado sobre o verdadeiro estado da saúde em Portugal.

Tendo consciência da complexidade da tarefa de analise desta base de dados, o PÁGINA UM candidatara-se em Agosto passado a um financiamento europeu dinamizado pelo Journalism Science Alliance, um programa liderado pela Universidade Nova de Lisboa e pelo European Journalism Centre, mas o projecto – em articulação com um investigador na área da Estatística da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – não foi aprovado. E nem sequer houve uma grelha de classificação dos projectos, sabendo-se apenas que quatro foram portugueses. Sabe-se apenas que um dos júris é o português Miguel Castanho, bastante dinâmico na defesa da narrativa alarmista oficial da pandemia.

Ficheiros foram finalmente disponibilizados pela ACSS.

Destaque-se, aliás, que curiosamente, de acordo com a base de dados agora na posse do PÁGINA UM, o ano de 2020 – o primeiro da pandemia – foi aquele que registou o menor número de internamentos desde 2007, negando assim a tese de colapso hospitalar propalado naquele período. De facto, a base de dados contabiliza para 2020 um total de 1.457.906 registos, que confronta com 1.675.186 registos em 2019 e 1.633.912 registos em 2021. No ano passado (2024), a base de dados contem 1.817.078 registos, o valor mais elevado da série.

Esta base de dados, obtida apenas graças à insistência judicial e à recusa em aceitar o silêncio administrativo como resposta, será trabalhada até ao seu limite analítico. O país tem o direito de saber como funcionam os seus hospitais, que doenças o afectam, onde estão as fragilidades estruturais e como evoluiu o sistema ao longo de mais de duas décadas. O PÁGINA UM assumirá essa missão com a mesma determinação que permitiu, contra todas as barreiras do Estado, romper o muro de opacidade que escondia o maior repositório sanitário alguma vez conhecido em Portugal.

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