SÉRVULO & ASSOCIADOS 'COLECCIONA' AJUSTES DIRECTOS

Sociedade de advogados de ex-ministro do PSD está a ter ‘anos de ouro’ em contratos públicos na era Montenegro

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Pedro Almeida Vieira|03/12/2025

É mais um sinal da teia de influências no coração do Estado. O ex-ministro social-democrata Rui Medeiros, figura cimeira da célebre sociedade de advogados Sérvulo & Associados, assinou na semana passada um novo contrato milionário — 492 mil euros, IVA incluído — com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). O contrato revela mais uma adjudicação por ajuste directo, recorrendo a uma cláusula de excepção que, na prática, tem funcionado como porta lateral para contratar firmas “amigas” sem concurso e sem escrutínio efectivo.

O contrato, publicado a 28 de Novembro, diz respeito a “serviços de apoio jurídico especializado em procedimentos de contratação pública, incluindo os que integrem matérias de inteligência artificial ou de maior complexidade técnica”. A justificação utilizada pela SPMS para recorrer ao ajuste directo é a de ser impossível estabelecer critérios para elaborar um concurso público — uma ‘válvula jurídica’ que sucessivos Governos, de diferentes cores partidárias, têm esticado de forma criativa sempre que pretendem entregar avenças chorudas a escritórios com fortes ligações ao poder político.

Rui Medeiros, sócio principal da Sérvulo & Associados

Trata-se de uma norma excepcional que deveria ser aplicada apenas quando o mercado não oferece alternativas comparáveis ou quando o tema exige competência absolutamente singular. Mas a listagem dos últimos anos demonstra outra realidade: a SPMS tornou-se praticamente cliente fixo da Sérvulo & Associados, acumulando contratos consecutivos.

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Com Luís Montenegro em São Bento, a tendência intensificou-se. Desde Abril de 2024 já foram celebrados entre a SPMS e a Sérvulo & Associados quatro contratos de prestação de serviços jurídicos, no valor total de quase 700 mil euros, com IVA. Ao mais recente — cujos honorários se fixaram nos 170 euros por hora — junta-se um celebrado em Abril do ano passado (61.070 euros, com IVA) e mais dois assinados este ano, ambos em Março (69.926 euros e 73.671 euros). Nos dois anos anteriores, a Sérvulo & Associados angariara um pouco menos de 570 mil euros, com IVA, mas distribuídos por sete contratos.

Mas é o simbolismo político que mais salta à vista. A Sérvulo & Associados, fundada por Sérvulo Correia, sempre manteve proximidade ao núcleo duro do PSD. Rui Medeiros, que é também professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa, foi membro de um dos Governos de Pedro Passos Coelho e é hoje a face mais visível dessa ponte entre aconselhamento jurídico e influência partidária. E é ele próprio quem assina, em nome da firma, o contrato dos 400 mil euros — uma coincidência que, mesmo sendo legal, é politicamente desconfortável.

black and gray stethoscope

A cláusula de “complexidade técnica”, tal como vem sendo usada, tornou-se numa arma de precisão: exclui concorrência, acelera processos e permite às entidades públicas escolher quem querem contratar sem terem de justificar verdadeiramente por que razão não abriram concurso. É uma excepção que a lei admite — mas que na prática se transformou numa regra tácita para determinados escritórios com pedigree político.

No caso concreto dos SPMS, a contradição é ainda mais evidente: estamos perante uma das entidades públicas mais robustas do Estado em termos de quadros técnicos e jurídicos. Dispõe de juristas internos, especialistas em contratação pública e equipas multidisciplinares. Se, apesar disso, precisa de gastar quase mais 500 mil euros num único contrato externo para assessoria jurídica, a pergunta impõe-se: para que serve, então, a própria estrutura dos SPMS, que tem como objectivo ser uma central de compras do Ministério da Saúde?

O tema ganha relevo adicional no momento político actual. Luís Montenegro chegou ao Governo em Março de 2024 prometendo rigor, transparência e ruptura com práticas instaladas. Mas a cronologia dos contratos diz outra coisa: o primeiro ano de governação já soma ao menos três adjudicações à Sérvulo & Associados, justamente no pelouro mais sensível — o da contratação pública na Saúde, onde se movimentam centenas de milhões e onde os erros custam caro.

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A promiscuidade entre poder político e serviços jurídicos externos não é novidade em Portugal. Mas a escala, a recorrência e a ausência de competição real nos contratos dos SPMS tornam este caso particularmente flagrante. A assinatura do ex-ministro da Modernização Administrativa, Rui Medeiros, no contrato mais recente apenas reforça a percepção de círculo fechado onde os mesmos nomes orbitam permanentemente, quer estejam no Governo, quer estejam “apenas” nas grandes sociedades de advogados que prestam serviços ao Estado.

Mas a SPMS é apenas a ponta do icebergue na crescente influência da Sérvulo & Associados. Analisando os contratos celebrados com entidades públicas, os dois últimos anos têm sido de ouro para esta sociedade de advogados, comparativamente aos anos anteriores — mesmo se já era bastante solicitada. Ainda faltando cerca de um mês para terminar o ano (e podendo existir contratos ainda não registados no Portal Base), a Sérvulo & Associados celebrou em 2024 e 2025 um total de 108 contratos públicos no valor global de 7,5 milhões de euros (IVA incluído).

Se se incluir apenas os meses de 2024 do primeiro mandato de Luís Montenegro (a partir de Abril), a Sérvulo & Associados garantiu contratos de 3,02 milhões de euros (havendo ainda 582 mil euros de contratos celebrados antes de Abril). Já este ano será, garantidamente, o melhor de sempre para a sociedade de advogados, porque já assegurou uma facturação de mais de 3,9 milhões de euros.

Governos de Montenegro ‘coincidem’ com os melhores anos da Sérvulo & Associados em contratos públicos.

O contrato da SPMS é, aliás, o segundo mais elevado de sempre, sendo apenas ultrapassado por um contrato celebrado com o Metropolitano de Lisboa em 2019 no valor de 535 mil euros (mas que, estranhamente, só foi colocado no Portal Base em Fevereiro deste ano) e outro de 800 mil euros celebrado com o Banco de Portugal em Agosto de 2011. Se juntarmos os dois últimos anos, jamais a Sérvulo & Associados conseguiu tanto dinheiro (7,5 milhões), ultrapassando largamente o melhor biénio anterior, 2018-2019, com ‘apenas’ 5,4 milhões de euros.

O caso da confiança política e dos expedientes para contornar o Código dos Contratos Públicos também se evidencia de forma marcante. Considerando todos os 500 contratos que têm a Sérvulo & Associados como adjudicatária, verifica-se que 443 (cerca de 87%) foram por ajuste directo (ou processo similar de contratos ‘de mão-beijada’), um total de 49 por consulta prévia e apenas seis tiveram de passar pelo ‘incómodo’ de concurso público.

Em termos de valor global, sendo a Sérvulo & Associados uma das mais ‘gulosas’ sociedades de advogados na mesa do Estado, os ajustes directos já atingem a impressionante soma de 23 milhões de euros, de um total de quase 28 milhões de euros. Ou seja, por cada milhão que entrou na sociedade em contratos públicos, mais de 820 mil euros não tiveram de enfrentar concorrência.

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