TEM DIAS
A conferência dada não se olha ao dente

Passou à porta do hotel. Do — não de um hotel — porque era o mesmo diante do qual passava diariamente a caminho de casa. Naquele dia, porém, algo lhe prendeu o olhar: um enorme cartaz anunciava que ali decorria a X Conferência Internacional de Paremiologia. Logo abaixo, em letras menores: Bem-vindo seja quem vier por bem.
Paremiologia. A palavra intrigou-a. Soava a doença rara. Só podia ser. E, pelo nome, parecia coisa séria. Fatal, possivelmente. Decidiu aceitar o convite e ir descobrir do que se tratava.

Uma rececionista afável perguntou se vinha para a conferência. ↓
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— Vim, sim. Sabe que o seguro morreu de velho — confirmou.
— É esse o espírito da coisa. No primeiro andar, à esquerda. Vá atrás do doutor que candeia que vai à frente alumia duas vezes — respondeu a rececionista, apontando.
Seguir o doutor? Confirmavam-se os receios. Era moléstia. Queriam lá ver que vinha aí pandemia.
À entrada do salão, uma senhora acolhia os participantes. Vendo a sala quase vazia, mas com alguns lugares marcados, perguntou onde se podia sentar.
— Quem adiante chega, adiante se avia.

Depreendeu desta resposta que poderia sentar-se onde bem entendesse. E nem tentou obter mais esclarecimentos, antecipando um inevitável para bom entendedor, meia palavra basta.
Cansada da ausência de respostas diretas — e a sentir que a paciência lhe começava a faltar — sentou-se. Abriu a mala e procurou o telemóvel, resolvida a perceber o que era afinal a paremiologia: causas, sintomas, tratamentos. Queria saber tudo, mas o telemóvel estava descarregado.
Levantou-se à procura de uma tomada. Aproximou-se de outra senhora e pediu-lhe ajuda.
— Devia ter poupado a bateria… no poupar é que está o ganho. Ora, deixe-me lá ver. Eu sei que há uma por aqui … e já sabe que quem procura sempre encontra.
A gargalhada e a piscadela cúmplice foram a gota de água.
Abandonou a sala. Compreendeu que a paremiologia grassava sem piedade. Estavam todos irremediavelmente infetados.

À saída, a rececionista perguntou:
— Já vai?
— Isto não é para mim. – respondeu.
— Ah, está bem. Pois, isto é cada cabeça, sua sentença enão se pode agradar a gregos e a ...
Cobriu rapidamente a boca e o nariz com a écharpe. Apressou-se em direção à luz do dia. Já no exterior, baixou o lenço, esperou alguns segundos e respirou fundo. Resistira à tentação de terminar a frase. Estava a salvo!
Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve