TEM DIAS

A conferência dada não se olha ao dente

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Sílvia Quinteiro|07/12/2025

Passou à porta do hotel. Do — não de um hotel — porque era o mesmo diante do qual passava diariamente a caminho de casa. Naquele dia, porém, algo lhe prendeu o olhar: um enorme cartaz anunciava que ali decorria a X Conferência Internacional de Paremiologia. Logo abaixo, em letras menores: Bem-vindo seja quem vier por bem.

Paremiologia. A palavra intrigou-a. Soava a doença rara. Só podia ser. E, pelo nome, parecia coisa séria. Fatal, possivelmente. Decidiu aceitar o convite e ir descobrir do que se tratava.

Uma rececionista afável perguntou se vinha para a conferência.

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— Vim, sim. Sabe que o seguro morreu de velho — confirmou.

— É esse o espírito da coisa. No primeiro andar, à esquerda. Vá atrás do doutor que candeia que vai à frente alumia duas vezes — respondeu a rececionista, apontando.

Seguir o doutor? Confirmavam-se os receios. Era moléstia. Queriam lá ver que vinha aí pandemia.

À entrada do salão, uma senhora acolhia os participantes. Vendo a sala quase vazia, mas com alguns lugares marcados, perguntou onde se podia sentar.

Quem adiante chega, adiante se avia.

Depreendeu desta resposta que poderia sentar-se onde bem entendesse. E nem tentou obter mais esclarecimentos, antecipando um inevitável para bom entendedor, meia palavra basta.

Cansada da ausência de respostas diretas — e a sentir que a paciência lhe começava a faltar — sentou-se. Abriu a mala e procurou o telemóvel, resolvida a perceber o que era afinal a paremiologia: causas, sintomas, tratamentos. Queria saber tudo, mas o telemóvel estava descarregado.

Levantou-se à procura de uma tomada. Aproximou-se de outra senhora e pediu-lhe ajuda.

— Devia ter poupado a bateria… no poupar é que está o ganho. Ora, deixe-me lá ver. Eu sei que há uma por aqui … e já sabe que quem procura sempre encontra.

A gargalhada e a piscadela cúmplice foram a gota de água.

Abandonou a sala. Compreendeu que a paremiologia grassava sem piedade. Estavam todos irremediavelmente infetados.

À saída, a rececionista perguntou:

— Já vai?

— Isto não é para mim. – respondeu.

— Ah, está bem. Pois, isto é cada cabeça, sua sentença enão se pode agradar a gregos e a ...

Cobriu rapidamente a boca e o nariz com a écharpe. Apressou-se em direção à luz do dia. Já no exterior, baixou o lenço, esperou alguns segundos e respirou fundo. Resistira à tentação de terminar a frase. Estava a salvo!

Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve

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