CÁ SE FAZEM

Da morte (e da eternidade de Clara Pinto Correia)

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Tiago Salazar|10/12/2025

DA MORTE I É (e não é) espantoso observar a natureza humana, sobretudo na hora da morte. A Clara, a mestra Clara, a Dra. Clara, cujo trabalho viverá nas bibliotecas e teses de doutoramento, no legado dos seus pupilos, de repente é amada por todos, todos a leram, todos a aclamaram, incluindo o Presidente farricoco Marcelo.

O ardiloso Soares, ao menos, pagava a renda ao Luiz Pacheco. Mais triste é ver como por cá se tratam os génios. A opção estóica é uma coisa, a depauperação é outra. É como as tropas rasas do Ultramar e as pensões miseráveis.

A Clara estava doente e decerto a irmandade sabia. Penso quem saberá se estou doente, se tenho o suficiente para o básico. O Estado está-se nas tintas, a não ser para arrebanhar o premiar os que dele se amamentam.

A Clara foi Grande em todos os aspectos, do vigor da escrita e da oratória, do raciocínio ao sentimento. Amar demais o que se faz e mostrar Trabalho acarreta inimigos. A Clara escrevia no PÁGINA UM, imagino que pro bono (como eu), porque simpatizava com o projecto, dos poucos que não tem medo do Sistema. Não ter medo é coisa rara e não falo de fanfarronice de escrita, de mandar petardos na retaguarda. Falo de dizer tudo com todas as letras, incluindo chamar hipócritas aos bajuladores ou mandar para a gávea os invejosos e cínicos.

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A morte é a morte. O problema é o que se diz e faz na vida. A Clara disse e fez.

Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)

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