CANDIDATO PRESIDENCIAL TEVE AVENÇA MENSAL DE 5.000 EUROS DE GRANDE CONSTRUTORA CIVIL
Marques Mendes ‘eliminou’ empresa familiar menos de um ano após meter os três filhos como sócios
A LS2MM, a empresa familiar de Luís Marques Mendes, candidato à Presidência da República, foi dissolvida em 20 de Novembro passado, com encerramento da sociedade, de acordo com registos oficiais consultados pelo PÁGINA UM. A dissolução ocorreu poucos meses depois de uma alteração ao contrato de sociedade, que sugeriria uma passagem de testemunho, e não propriamente o fim imediato da estrutura empresarial.
Isto porque a empresa criada pelo antigo líder do PSD em 2014, com a sua mulher Rosa Sofia, teve uma alteração societária em 27 de Dezembro do ano passado, quando, através de um aumento de capital, entraram na sociedade os três filhos do casal — Ana Sofia, João Pedro e João Miguel. Deste modo, Luís Marques Mendes passou a deter uma quota de 35%, tal como a sua mulher, perfazendo 70% do capital social nas mãos do casal. Cada um dos três filhos ficou com uma quota correspondente a 10% do capital social.

Com cerca de uma década de existência, a actividade da LS2MM sempre foi discreta — não tem sequer um site —, mas para uma empresa que contava apenas com um trabalhador (eventualmente o próprio Luís Marques Mendes), em funções de consultadoria, permitiu ainda assim constituir um significativo pé-de-meia. O PÁGINA UM consultou as demonstrações financeiras da empresa a partir de 2020, contabilizando prestações de serviços no valor total de 600.500 euros. ↓
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Em 2025, último ano de actividade antes da dissolução, a facturação registou apenas 28 mil euros, evidenciando uma quebra abrupta da actividade, coincidente com a candidatura de Marques Mendes à Presidência da República. Ainda assim, em 2024, a prestação de serviços rendeu 157.500 euros. Nos restantes anos, as receitas foram de 106 mil euros em 2023, de 121 mil euros em 2022, de 96.500 euros em 2021 e de 91.500 euros em 2020. A estes valores acresciam os ganhos, bastante superiores, que terá auferido enquanto consultor da Abreu Advogados. Só em 2023, nesta sociedade de advogados, que integra vários ex-governantes, Marques Mendes auferiu 440 mil euros.
Durante a sua existência, a LS2MM nunca registou avultados lucros, por apresentar despesas significativas — o que é compatível com uma microempresa familiar que serve também para enquadrar despesas do quotidiano —, mas, ainda assim, com a dissolução, a família Marques Mendes irá distribuir entre os sócios um total de 289.997,56 euros. Aplicando-se, em princípio, uma taxa autónoma de 28%, e não considerando regimes especiais, tal implicará o pagamento de um imposto próximo dos 80 mil euros, ficando o valor líquido a distribuir pelos sócios em cerca de 210 mil euros.

Luís Marques Mendes, com 35%, receberá cerca de 73.500 euros, tanto quanto a sua mulher, enquanto cada um dos filhos amealhará cerca de 21 mil euros, apesar de terem entrado como sócios há menos de um ano.
Continua sem se conhecer publicamente quem foram os clientes de Luís Marques Mendes ao longo de uma década, numa empresa que começou com um capital social de apenas 200 euros e com um objecto social particularmente amplo, abrangendo a “consultoria e assessoria geral, designadamente nas áreas da comunicação social, da informação, da publicidade, administrativa, industrial, económica, de formação e de gestão, incluindo, nomeadamente, a recolha e tratamento de informação, a preparação, organização e realização de palestras, cursos, seminários, congressos, discursos, comentários, artigos de revista e de jornal, simpósios e outros, o planeamento e desenvolvimento estratégico e de negócio”.
Apesar de Luís Marques Mendes não ter respondido às questões e pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, a empresa terá sido usada para o recebimento das suas participações na SIC, bem como para outros serviços de consultadoria. No âmbito desta investigação, o PÁGINA UM teve acesso à cópia de dois contratos celebrados entre a LS2MM e a Alberto Couto Alves, S.A., empresa de construção civil com sede em Vila Nova de Famalicão.

Nesses contratos foi estabelecida uma avença mensal de 5.000 euros, não respeitante a serviços jurídicos — actividade que a LS2MM não poderia, de resto, exercer sob esta forma societária. Não foi possível apurar quando terminou esta relação comercial, mas, segundo apurou o PÁGINA UM, foi a empresa de construção que não quis a continuidade da parceria por estar insatisfeita com os resultados.
A Alberto Couto Alves, S.A. é uma empresa com forte presença na contratação pública. De acordo com dados oficiais do Portal Base, surge como adjudicatária em 247 contratos públicos, maioritariamente em consórcio com outras empresas, num valor global acumulado de cerca de 742 milhões de euros em contratos com entidades do Estado.
Entre as maiores adjudicações destaca-se a empreitada da Linha Circular do Metro do Porto, incluindo o troço Casa da Música–Praça da Liberdade, adjudicada em 2021 a um consórcio com a Ferrovial Construcciones, com um preço contratual de 189 milhões de euros. No mesmo ano, o mesmo consórcio venceu a empreitada da Linha Amarela do Metro do Porto, entre Santo Ovídio e Vila d’Este, incluindo o parque de material e oficinas.

Em 2024, este mesmo consórcio foi adjudicatário da construção das infra-estruturas primárias e regularização de caudais do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato, incluindo a Barragem Hidroeléctrica do Pisão, num contrato de 65 milhões de euros. Em 2020, o mesmo consórcio tinha já vencido a empreitada do troço da Estrada Nacional 326, no valor de 30 milhões de euros.
Constam ainda adjudicações relevantes como a concepção e construção da Linha de Metro Bus Rápido Boavista–Império, para o Metro do Porto, no valor de cerca de 25 milhões de euros, em consórcio com a Alves Ribeiro, e o restauro e modernização do Mercado do Bolhão, adjudicado em 2017 por 22,4 milhões de euros, em consórcio com a Lúcio da Silva Azevedo & Filhos.
Entre as adjudicações vencidas individualmente pela Alberto Couto Alves, destaca-se a construção da nova travessia do Rio Lima, no concelho de Viana do Castelo, adjudicada em 2024 por cerca de 19,5 milhões de euros, e, já em 2025, a remodelação do Museu Nacional de Arqueologia, adjudicada pela Associação Turismo de Lisboa, no valor de 15,4 milhões de euros.

O PÁGINA UM colocou igualmente questões à administração da Alberto Couto Alves, mas não obteve, até ao momento, qualquer resposta.
A dissolução da LS2MM ocorre num momento em que Luís Marques Mendes se apresenta como candidato à Presidência da República, depois de uma longa carreira política e mediática, e levanta questões sobre a actividade desenvolvida pela sua empresa familiar, a sua estrutura societária nos meses que antecederam o encerramento e as relações contratuais mantidas com empresas fortemente dependentes da contratação pública.
