Após mais de três anos de litígios, João Cura Mariano, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e por inerência do Conselho Superior da Magistratura (CSM), manifestou ontem ao final da tarde a intenção de acatar a sentença proferida no passado dia 14 de Janeiro pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, que obrigou a cúpula da justiça portuguesa de disponibilizar e permitir a cópia em fotografia do inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês. Através de mensagem de correio electrónico, foi solicitado ao PÁGINA UM que indicasse “o dia em que pretende proceder à consulta requerida, nas instalações do CSM”.
O caso remonta a finais de 2021, tendo sido a primeira de uma longa lista de mais de duas dezenas de intimações já colocadas pelo PÁGINA UM nos tribunais administrativos, com o apoio financeiro dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Em causa estava então o acesso ao inquérito do CSM sobre a distribuição do processo da Operação Marquês, entregue sem sorteio ao juiz Carlos Alexandre. Este inquérito, que revelou irregularidades como a ausência de sorteio electrónico, foi mantido secreto pelo CSM, apesar de ser classificado como documento administrativo. Após uma recusa inicial e um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), o CSM continuou a negar o acesso, alegando questões de confidencialidade.
A resistência do CSM levou o PÁGINA UM a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa, onde, em Junho de 2022, uma primeira sentença favorável ordenou a entrega integral dos documentos, sem restrições. O CSM apelou da decisão, mas o Tribunal Central Administrativo do Sul confirmou, em 2023, a sentença inicial. Apesar disso, o CSM dificultou o acesso integral, impedindo que fosse fotografados os documentos, e mutilando partes consideráveis do texto em fotocópias então disponibillizadas, o que levou o PÁGINA UM a recorrer novamente ao Tribunal Administrativo. Se o CSM não acatasse agora a nova sentença deste mês, o juiz conselheiro João Cura Mariano seria pessoalmente responsável pelo pagamento de 50 euros por dia de atraso.
Este desfecho marca uma vitória histórica para o PÁGINA UM, que, desde a sua fundação, tem lutado pela transparência e pelo acesso à informação. No entanto, este caso também levanta questões cruciais sobre a responsabilização individual de altos dirigentes em situações de incumprimento de decisões judiciais e sobre o papel das instituições judiciais no respeito pelos princípios democráticos e pela liberdade de imprensa.
Recorde-se, aliás, que o PÁGINA UM tem em curso outros dois casos absurdos de incumprimento de acórdãos dos tribunais administrativos superiores. O primeiro caso refere-se à consulta da base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que inclui toda a informação dos internamentos, sem qualquer identificação de pessoas, há muito prevista nas próprias competências da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Apesar de uma ‘luta jurídica’ iniciada em Setembro de 2022, que culminou em três decisões judiciais, incluindo um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em 1 de Junho de 2023, a ACSS mutilou completamente a base de dados, eliminando ou agrupando variáveis, comprometendo toda a integridade da informação. O pedido de intervenção ao Tribunal Administrativo ainda não teve um epílogo.
O outro caso envolve a base de dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19, um processo iniciado também no final de 2021, e que teve um acórdão favorável do Tribunal Central Administrativo do Sul ao PÁGINA UM em 11 de Julho do ano passado. Esse acórdão, que alterara uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, ordenava que se facultasse o acesso aos dados pretendidos no Portal RAM. Mas o Infarmed, liderado por Rui Santos Ivo, enviou os elementos mas mutilando informação, agregando variáveis e escondendo outras variáveis, incluindo a causalidade. Embora o PÁGINA UM tenha já feito diversas insistências para que Rui Santos Ivo deixe de esconder intencionalmente essa informação, ainda não se conseguiu reverter a postura obscurantista de um funcionário público que não cumpre decisões dos tribunais administrativos.
Um outro caso pode ainda juntar-se a estes dois. O presidente do Instituto Superior Técnico, Rogério Colaço, ainda não manifestou intenção de cumprir um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul do passado dia 12 de Dezembro que ordenou a disponibilização de 51 relatórios desta instituição universitária sobre a pandemia, que alimentaram o contínio alarme social nos anos de 2021 e 2022. Recorde-se que, para tentar não mostrar ao PÁGINA UM estes trabalhos supostamente científicos, o IST chegou a referir cada relatório era afinal “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
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