Comissão da Carteira de Jornalista perdeu 45% do seu património em dois anos

Author avatar
Pedro Almeida Vieira|31/03/2025

Financeiramente desastroso: o mandato de três anos de Licínia Girão deixou um rasto desolador nas contas da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), o órgão de acreditação e de disciplina da classe. À frente da entidade desde Maio de 2022, Licínia Girão – uma jornalista que trabalhou sobretudo em jornais regionais – imprimiu, ao longo do seu mandato, uma postura despesista que, agora, está reflectida nas contas: nos anos de 2023 e 2024, o prejuízo acumulado foi de quase 154 mil euros, ou seja, os fundos patrimoniais da CCPJ regrediram 45%, passando de 347.264 euros para apenas 192.511. Significa isto que mais três anos de gestão com o nível de desempenho de Licínia Girão ditariam a falência deste órgão.

Esta erosão patrimonial, inédita na história da CCPJ, até coincide com um aumento das receitas, que são quase em exclusivo provenientes dos emolumentos pagos pelos jornalistas para exercerem a sua actividade, uma vez que, apesar de ser uma entidade pública, o Estado apenas lhe concede um apoio de 50 mil euros. Com efeito, o ano passado até bateram um recorde, cifrando-se em mais de 262 mil euros, o que contrasta, por exemplo, com os cerca de 196 mil euros em 2020.

Licínia Girão desempenhou funções de presidente da CCPJ desde Maio de 2022, ainda não tendo sido encontrado substituto.

O grande ‘problema’ da CCPJ acabou por ser um aumento absurdo nos gastos gerais e, sobretudo, dos honorários por prestações de serviços e das remunerações aos órgãos sociais, isto é, aos membros do Plenário e, em especial, do Secretariado, onde Licínia Girão esteve em permanência, coadjuvada pelo seu ‘braço direito’, Jacinto Godinho, jornalista da RTP.

De facto, a rubrica de fornecimentos e serviços externos – que em 2020 e 2021 foi, respectivamente, de 83 mil e 58 mil euros – saltou, no mandato de Licínia Girão, sempre para cima dos 100 mil euros: 107.426 euros em 2022, 124.064 euros em 2023 e 147.568 euros no ano passado. Uma parte desta despesa foi para honorários diversos, não revelados nas contas, que chegaram a atingir os 67 mil euros, quando, por exemplo, em 2021 tinham sido de apenas 417 euros.

Uma parte substancial deste agravamento de custos esteve associada à própria presidente da CCPJ que, apesar de viver em Coimbra e sem actividade jornalística conhecida nos últimos anos, aparentou dedicar-se profissionalmente à liderança desta entidade. Assim, além das despesas de transporte e estadias, houve uma outra rubrica que disparou: as remunerações aos órgãos sociais.

CCPJ teve receitas recorde em 2024, mas apresentou prejuízos pelo terceiro ano consecutivo.

Apesar de ser uma entidade pública, a CCPJ sempre se recusou a divulgar os valores das senhas de presença e outras remunerações usufruídas pelos seus membros, sendo certo que formalmente não têm salários – ou seja, os membros do Secretariado (três jornalistas), que tratam do expediente, e os do Plenário (que incluem os restantes seis), recebem apenas pelas suas presenças. A revelação dos valores é uma das causas para uma intimação do PÁGINA UM contra a CCPJ que ainda corre nos tribunais administrativos.

Independentemente disso, as contas da CCPJ revelam agora que as despesas com os órgãos sociais – que o PÁGINA UM sabe estarem associadas sobretudo a pagamentos a Licínia Girão – dispararam sobretudo em 2023 e 2024. Na análise às contas do último quinquénio, verifica-se que, nos dois anos civis em que a CCPJ foi liderada por Leonete Botelho, jornalista do Público, as remunerações de todos os elementos dos órgãos sociais atingiram os 18.124 e os 22.295 euros, respectivamente em 2020 e 2021. No ano de 2022, que incluiu o início do mandato de Licínia Girão (que entrou em funções em Maio), essa rubrica subiu para 26.311 euros, ou seja, ainda de forma moderada.

Porém, e atendendo a que não se está perante órgãos com salário, o acréscimo de remunerações dos órgãos sociais foi bastante relevante: quase 41 mil euros em 2023 e aproximadamente 50 mil euros no ano passado. Tudo isto com senhas de presença. A forma de gestão de Licínia Girão da CCPJ levou mesmo à demissão de três membros da CCPJ – Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão –, que bateram com a porta, com estrondo, em Outubro do ano passado.

man in white t-shirt sitting beside woman in white t-shirt

No rol de acusações conhecidas aquando das cartas de renúncia, constam as excessivas despesas, sobretudo pelo uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’, e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.

O PÁGINA UM pediu comentários e esclarecimentos à CCPJ sobre a sua situação financeira, que remeteu uma resposta para depois da escolha da nova presidência, a eleger por cooptação pelos quatro membros eleitos pelos jornalistas e pelos quatro membros indicados pelos órgãos de comunicação social.

Partilhe esta notícia nas redes sociais.