EDITORIAL
Trust in News: o fim de um (mau) cadáver adiado

Na próxima quinta-feira, 24 de Julho de 2025, cumprem-se exactamente dois anos sobre a publicação no PÁGINA UM de uma investigação que — por muito que alguns quisessem ridicularizar, desprezar ou silenciar — expunha, com base nas demonstrações financeiras da própria empresa, a ruína anunciada da Trust in News. O título era inequívoco: “Dona da revista Visão com dívida astronómica ao Estado. E Governo esconde.” Não se tratava de conjecturas nem de insinuações, mas de números, factos e documentos oficiais. Era jornalismo, e dos mais incómodos.
Na altura, escrevi: “Na aparência, ninguém se apercebeu no Governo, mas a Trust in News – a empresa proprietária da revista Visão e de outras publicações como a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – apresenta já, alegremente, uma dívida de 11,4 milhões ao Estado. A sua cobrança, a atender à situação financeira da empresa, mostra-se cada vez mais complexa.”

Era o retrato de um calote fiscal que crescia a mais de 12 mil euros por dia, com a complacência do poder político, a aparente indiferença da autoridade tributária e o silêncio cúmplice da Segurança Social. E o regulador – a Entidade Reguladora para a Comunicação Social – aos costumes disse nada.
Apesar da clareza dos factos, a então directora da revista Visão, Mafalda Anjos — que acumulou durante anos o cargo de publisher do grupo — preferiu insultar a inteligência alheia, classificando as notícias do PÁGINA UM como “fantasiosas”. Talvez lhe parecesse fantasia que uma empresa de capital social de 10 mil euros, criada por Luís Delgado, tivesse adquirido à Impresa de Pinto Balsemão um portefólio de 16 títulos de imprensa escrita. Talvez lhe parecesse fantasia que a ERC, mesmo após a criação do Portal da Transparência, nunca tivesse analisado seriamente nem o negócio de 2018 nem a contabilidade anual da Trust in News, onde ano após ano as dívidas ao Estado cresciam, mas eram escondidas, enquanto se acumulavam “outras contas a receber” de natureza inexplicada.
Durante mais de um ano, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social a acompanhar, com independência e persistência, este caso que só poderia ser descrito como um escândalo de gestão e de regulação. E mesmo quando a restante imprensa começou a abordar o tema, houve desresponsabilização de Luís Delgado – ainda hoje, as notícias omitem a condenação de Luís Delgado por abuso de confiança fiscal agravado.

Entretanto, desde o ano passado, tudo aquilo que suceder em redor da Trust in News foi um circo para atirar areia para os olhos e salvar o ‘coiro’ de Luís Delgado, que, com a compra dos títulos à Impresa em 2018, ‘salvou’ a família Balsemão de mais agruras. O Processo Especial de Revitalização(PER), que Luís Delgado usou para congelar os seus compromissos fiscais e sociais, era na verdade um expediente para evitar novos processos judiciais por abuso de confiança fiscal.
O mesmo sucedeu com o plano de insolvência que tinha um único propósito pessoal recusado – e bem – pela juíza: proteger o proprietário, e não os credores, e muito menos o interesse público.
Em 2023, o silêncio do então ministro das Finanças, Fernando Medina, foi ensurdecedor – e foi para mim evidente que as revistas da Trust in News estavam agradecidas ao Governo socialista. Com efeito, causa estranheza que a Trust in News, apesar de ter processos executivos instaurados, e ter começado as dívidas ao Estado logo a partir de 2018, nunca ter figurado na lista de devedores fiscais nem da Segurança Social.

A pergunta impõe-se: por que razão foi esta empresa poupada à humilhação pública a que tantos outros contribuintes são sujeitos? E por que motivo os seus trabalhadores — especialmente os directores, que segundo a Lei de Imprensa têm o direito de aceder à situação financeira detalhada das suas empresas — permaneceram ignorantes ou resignados perante tamanha evidência de naufrágio?
O encerramento hoje decretado judicialmente é, por muito que custe a assumir, “um choque saudável”, uma moralização tardia mas necessária no sector da comunicação social em Portugal. Mas não nos iludamos: não foi a Entidade Reguladora para a Comunicação Social que agiu; não foi o Estado a exigir transparência e justiça fiscal. Aquilo a que assistimos foi a um colapso silencioso de uma empresa insustentável, protegida até ao fim por uma rede de indiferença, conveniência e corporativismo mediático.
O fecho da Trust in News deve, portanto, servir de ponto de partida — e não de chegada — para a dissecação do negócio ruinoso de 2018, entre a Impresa e Luís Delgado. Há demasiadas sombras neste contrato de cessão de títulos que libertou o grupo Balsemão de um portefólio deficitário à custa do erário público. Há rubricas nas contas da Trust in News, nomeadamente a obscura “Outras contas a receber”, que indiciam engenharia financeira deliberada para mascarar prejuízos acumulados em milhões durante mais de cinco anos. E há responsabilidades que não podem continuar encobertas, seja do lado de quem vendeu, de quem comprou ou de quem devia fiscalizar e reguladoramente intervir.

Este caso é mais do que a falência de uma empresa: é a falência de um modelo mediático que mercantiliza o jornalismo, que despreza a sustentabilidade económica e que vive de aparências e de favores institucionais. Um modelo que produz títulos vistosos mas assentes em areia, que enaltece o combate às fake news mas vive da opacidade das suas próprias contas, e que exige subsídios públicos enquanto foge ao fisco.
O PÁGINA UM, ao denunciar em 2023 o descalabro financeiro da Trust in News, não apenas antecipou o desfecho — antecipou a verdade. E escrevo isto sem qualquer júbilo: o encerramento de 16 títulos de imprensa, por mais irrelevantes que se tenham tornado, é sempre uma perda simbólica para o pluralismo informativo. Mas essa perda só é superada pela complacência que permitiu que estes títulos sobrevivessem durante anos à custa do dinheiro que não pagavam ao Estado, nem aos trabalhadores nem aos credores.
O jornalismo só se defende com verdade, independência e rigor. E isso começa pela denúncia dos que, em nome do jornalismo, dele abusam. A Trust in News morreu. Viva o jornalismo! Que a verdade continue viva.