Os novos agricultores vêm dos grandes centros urbanos. Por isso, Jaime Ferreira, presidente da Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, não duvida que “o futuro da agricultura está na cidade”. “É da cidade que vão sair as pessoas que vão para os campos. Os futuros agricultores vêm da cidade”, disse o engenheiro florestal em entrevista ao PÁGINA UM. Mas há uma dificuldade que os novos agricultores enfrentam: não encontram terrenos e, sobretudo, a preços razoáveis.
Por isso, nesta entrevista, o presidente da Agrobio também falou sobre a nova lei dos solos, deixando fortes críticas à medida, avisando que “está aberta a porta para usarmos solos que deviam estar guardados para uma função nobre como é a produção dos alimentos”. “Vai aumentar ainda mais os preços da terra e afastar pessoas da agricultura”. “Vai aumentar ainda mais a especulação (imobiliária)”, afirmou, frisando que se trata de “um problema sério de alienação de solos agrícolas”.
O decreto-lei do Governo que alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial foi publicado em Diário da República no dia 30 de Dezembro visando facilitar a reconversão de solos rústicos em urbanos para a construção de habitação. Segundo o Executivo, o objectivo é baixar os preços da habitação, pelo aumento da oferta, através de arrendamento acessível e habitação a custos controlados. A revogação do diploma foi esta sexta-feira debatida no Parlamento, mas um acordo do Governo com o PS permitiu manter as alterações ao RJIGT. O diploma, com alterações propostas, prosseguiu para discussão em sede de especialidade.
Jaime Ferreira alertou que a nova lei tem outras implicações, nomeadamente ambientais e prevenção de catástrofes. Isto porque, por um lado, pode levar a que sejam feita construção de habitação em zonas próximas de rios e zonas de cheia e, por outro, porque promove a densificação, sendo que é mais difícil proteger casas que estejam espalhadas no território, em caso de catástrofes naturais, como nos incêndios. Em termos ambientais, também tem implicações em matéria de saneamento, gastos de energia e transportes, apontou.
Defendeu que a solução para o problema da crise de habitação não deve vir à custa da agricultura. “Um estudo apontou que existem em Portugal três fogos para cada pessoa”, afirmou, indicando que há casas a mais no país, pertencendo muitas delas ao Estado, designadamente autarquias, mas também a entidades como a Santa Casa da Misericórdia, por exemplo.
Fundada em 1985 para divulgar e promover a agricultura biológica em Portugal, a Agrobio conta hoje com 9.200 associados e assume-se como associação de agricultores, consumidores e apoiantes da causa ambiental. Opera 12 mercados semanais de venda ao consumidor, 10 dos quais na área metropolitana de Lisboa. Também presta apoio aos agricultores, promove cursos de formação e iniciativas pedagógicas em torno de agricultura biológica. Mas, para Jaime Ferreira, o objectivo original da Agrobio ainda não está cumprido, “em particular na área da informação”, havendo ainda “muitos mitos” em torno da agricultura biológica.
Apesar disso, Portugal está acima da média europeia de área de cultivo dedicada a agricultura biológica. A meta que Portugal fixou, para 2027, junto da União Europeia (UE), era de 19%. Na UE, foi fixada a média de 25% até 2030. “Portugal está acima da média. Desde 2020 para hoje, 2025, já temos 865 mil hectares em agricultura biológica. Corresponde a cerca de 27% da superfície agrícola útil em Portugal. Já passámos os 25%”, disse Jaime Ferreira.
E há espaço para crescer. A UE disponibilizou 15 mil milhões de euros em fundos para o sector da agricultura, incluindo a conversão de áreas de cultivo convencional para produção biológica. Mas, a nível europeu, apenas 4% dos produtos agrícolas que chegam à mesa dos consumidores são de origem biológica.
Apesar de Portugal estar acima da meta média fixada pela UE em área de agricultura biológica, “70% são pastagens, forragens e culturas arvenses”, o que “quer dizer que estão ligadas à produção animal”. Só que os animais produzidos de modo biológico estão a chegar ao consumidor como sendo de origem convencional. “Há um problema da valorização”, pelo que a Agrobio defende a criação de incentivos para que o produto chegue ao consumidor com certificação “bio”.
Por outro lado, destacou que a agricultura em Portugal tem um problema: “está desligada dos interesses dos consumidores”, que procuram mais legumes, vegetais, leguminosas e frutos secos. Além disso, há que pensar na soberania e na segurança alimentar a nível nacional, numa altura em que a própria UE está deficitária, dependendo de importações para satisfazer as necessidades internas. Nessa matéria, a nível comunitário, “do ponto de vista de produção alimentar, nós regredimos”, avisou.
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