Recensão: São favas contadas − Dos vegetais ao vegetarianismo

Outro livro que vai irritar libertários e conservadores

por Elisabete Tavares // Outubro 17, 2024


Categoria: Cultura

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Título

São favas contadas

Autor

GUIDA CÂNDIDO

Editora

Dom Quixote (Outubro de 2024)

Cotação

18/20

Recensão

Nada como um par de brócolos para tirar conservadores do sério. Como bónus, também funciona para deixar libertários à beira de um ataque de nervos. É verdade: as dietas e opções nutricionais transformaram-se numa das armas a usar nos vastos campos de batalha em que se tornou o espaço público mediático e digital. Como quando éramos crianças, hoje, não há meio termo: ou se é do Benfica ou do Sporting. Nada de ser do Belenenses ou do Académica. A rivalidade é a valer. Assim, é também esse o cenário que encontramos no mundo de uma vasta camada de adultos ocidentais. Se não és do meu 'clube', és do 'clube' rival. Não há cá meio termo.

Estará o leitor a questionar se me enganei no texto e a indagar o que é que isto tem a ver com o livro analisado nesta recensão. Tem tudo a ver. As dietas sempre foram sintomas de credos e religiões e dão pistas para a origem familiar de cada um. O indiscutível bacalhau e o embaixador pastel de nata que o digam. Mas a dieta é também um sintoma ideológico. Ninguém que se diga conservador se assume como vegetariano numa qualquer rede social. Ficava mal. O mesmo vale para um libertário. É tudo gente que come carne ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. Se, por acaso, algum for apanhado a comer uma saladinha vegetariana ao almoço, está frito. Irão surgir suspeitas de tiques de wokismo com uma pitada de extrema-esquerda, caviaríssima, naturalmente. 

Por isso, este livro é tão bom... Permite, de uma só cajadada, 'matar dois coelhos', irritando conservadores e libertários. Traduzido para a realidade 'tuga' corresponde, mal comparado, à malta que usa polo ou roupa boa de marca, bem como todos os amantes de tourada, caça e monarquia, com socialistas e social-democratas à mistura. Mas, na realidade, este livro permite 'matar três coelhos' com uma só cajadada. É que vai também irritar a malta woke, da extrema-esquerda e 'liberal'. Em linguagem lusa, apanha parte dos que votam no PAN, dois ou três do Bloco e toda a seita da Climáximo. Isto, porque o vegetarianismo está ali no limbo, ideologicamente falando. Num mundo ocidental polarizado ideologicamente, ser vegetariano é não ser nem carne nem peixe. Literalmente. Ou se é vegan ou totalmente carnívoro. No fundo, qualquer vegetariano vai ser odiado pelos wokistas de cabelo rosa e, em simultâneo, pela malta da 'direita', em geral. 

Claro que há excepções. Aliás, acabei de me lembrar de uma amiga ultra-conservadora que não come carne. Mas é um caso e vamos ver quanto tempo resiste à pressão dos pares 'liber-cons'.

Em resumo: com tantos bónus, acresce que se trata de uma obra que dá gosto ler, ver e sentir. O papel é daqueles que já pouco se vê. Tem fotografias catitas e 'cheira a livro'. Está recheado de receitas e, como acompanhamento, apresenta uma componente histórica sobre a arte da cozinha, dos saberes antigos, daqueles que misturam nutrição com mezinhas milagrosas.

Apesar de ser um livro sobre vegetarianismo, pesa que nem um naco de carne para assar. Com osso. Por isso, não é aconselhável para se levar de trotinete até à Baixa ou de bicicleta até aos Anjos, a não ser que se tenha aquele acessório tipo cesto, próprio para mostrar na vizinhança os legumes biológicos comprados a cada Sábado, depois do brunch e antes do almoço-piquenique com manta adequada. É que isto de ser de esquerda, hoje, em dia, é muito trabalhoso. Além de caro.

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