As intervenções em plenário são apenas uma das partes do trabalho parlamentar, embora a mais visível e mediática. O PÁGINA UM foi analisar quem mais interveio nas diversas sessões de plenário, desde o início da legislatura, a partir de Março até Setembro, e constatou que, apesar de terem menos tempo regulamentar, são os deputados dos pequenos e médios partidos que mais possibilidades têm de exercer o múnus de tribuno. Nos três principais partidos – PSD, PS e Chega –, a estratégia já é diferente. Enquanto nos socialistas e social-democratas, existe uma maior distribuição dos tempos, e há assim poucos tribunos assíduos, no Chega o seu líder (André Ventura) e o presidente do grupo parlamentar (Pedro Pinto) praticamente esgotam a possibilidade de outros brilharem.
Os deputados são considerados actores políticos, na acepção das ciências políticas, mas se o Parlamento, e em particular o plenário, fosse um palco, a ‘artista’ mais requisitada seria, por agora, Inês Sousa Real. Até 20 de Setembro passado, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos registos contabilizados pelos serviços da Assembleia da República, a única representante do PAN é quem mais vezes interveio – 72 –, bastante mais do que os dois deputados que fecham o pódio: Paula Santos (58), líder parlamentar do PCP, e o centrista Paulo Núncio (49). Um pouco mais atrás, surge ainda, ex aequo, com 48 intervenções, outro comunista, António Filipe, e o líder do Chega, André Ventura.
O facto de Inês Sousa Real surgir muitas vezes não signifique que seja a ‘estrela da companhia’, porque os tempos detidos pelo PAN são bastante escassos face aos outros partidos, embora proporcionalmente ao peso político saía com vantagem. Por exemplo, num debate com o primeiro-ministro, o PAN tem apenas dois minutos, quando o PSD e PS podem contar com 11 minutos e 30 segundos. Mas isso faz com que tanto com a deputada única do PAN como com os deputados dos partidos mais pequenos, haja mais espaço para brilharem em comparação com os deputados dos dois principais partidos (PSD e PS), mesmo confrontando as intervenções dos parlamentares de primeira linha.
Com efeito, mesmo sem contar com o PAN (uma deputada) e o CDS-PP (dois deputados), os partidos de média dimensão têm tendência a distribuir o ‘trabalho’ das suas intervenções no plenário pelos deputados disponíveis. Mesmo havendo uma maior preponderância de alguns deputados sobre outros, quase sempre é o líder parlamentar que se destaca mais entre os seus pares, embora com excepções.
Por exemplo, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, é, com 40 intervenções, aquele que mais vezes já falou em plenário em nome do seu partido, bem à frente de Mariana Mortágua (25). No Partido Comunista sucede o mesmo: Paula Santos (58 intervenções) destaca-se de António Filipe (48) e Alfredo Maia (16), num grupo que tem contado com um quarto deputado, em parte do tempo pelo líder comunista Paulo Raimundo, que se já procedeu, por diversas vezes, à suspensão temporária do mandato.
No caso do Livre, a líder parlamentar Isabel Mendes Lopes está em perfeita sintonia com Rui Tavares, com quem, aliás, partilham a liderança também deste partido. Ambos contam 41 intervenções em plenário, bem à frente dos outros dois ‘camaradas’: Paulo Muacho (27) e Jorge Pinto (23).
A Iniciativa Liberal acaba, assim, por ser a excepção dos partidos de média dimensão, uma vez que a presidente do grupo parlamentar, Mariana Leitão, conta apenas 18 intervenções, estando assim atrás de Mário Amorim Lopes (31), Carlos Guimarães Pinto e Rui Rocha (19, cada).
Subindo de degrau, para os três maiores partidos, André Ventura, o líder do Chega – que nesta legislatura conta 50 deputados – é, de longe, aquele que mais surgiu a falar no plenário, com 48 intervenções, sendo mesmo o quarto parlamentar de todo o hemiciclo com mais aparições. André Ventura supera bastante o número de ‘aparições’ do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto (35), havendo apenas mais dois deputados com mais de nove intervenções: Filipe Melo (11) e Rui Afonso (10). Mesmo algumas ‘estrelas da companhia’ de Ventura no Chega têm pouca presença em plenário: Cristina Rodrigues (ex-deputada do PAN) conta nove intervenções, enquanto Rita Matias e Gabriel Mithá Ribeiro têm oito, cada. Este último parlamentar, que ocupa a mesa da Assembleia da República, intervém, geralmente, para apresentar votos de pesar pelo falecimento de diversas personalidades.
Se nos pequenos e médios partidos não se vislumbram deputados com ‘vida parlamentar’ minimalista, no Chega já se evidenciam muitos. Com efeito, mantendo estável o grupo de deputados – não se registou ainda qualquer substituição por suspensão de mandato –, encontra-se um parlamentar do Chega do qual ainda não se ouviu um pio em plenário: Henrique Rocha de Freitas. O antigo deputado social-democrata e secretário de Estado de Paulo Portas no Governo de Durão Barroso (2002-2004), eleito por Portalegre, não fez ainda qualquer intervenção. Em serviços mínimos estão seis deputados, cada um com uma só intervenção em plenário ao longo de cerca de sete meses, havendo ainda 11 com duas intervenções e mais 10 com três intervenções. No total, estes 28 deputados do Chega somam 57 intervenções em plenário, muito menos do que a soma das intervenções de Ventura e Pedro Pinto juntas (83).
Este não é apenas um ‘problema’ do Chega. No caso do PS e do PSD, ambos com grupos parlamentares de 78 deputados, existe também uma grande dispersão de intervenções em plenário, e o número de parlamentares que se sentaram durante esta legislatura no Parlamento sem qualquer intervenção é muito mais significativo. No entanto, sobretudo no caso do PSD, o número de deputados sem voz deve-se ao facto de muitos só se terem sentado fugazmente nas cadeiras do plenário, antes de assumirem funções no Governo, como são os casos do próprio Luís Montenegro, ou ainda dos ministros Miguel Pinto Luz, António Leitão Amaro, Ana Paula Martins e Rita Alarcão Júdice. Na verdade, com ficha de deputados social-democratas nesta legislatura, mesmo se apenas por poucas horas, surgem já 98 nomes.
Em todo o caso, até 20 de Setembro, somente se contam dois deputados do PSD com mais de 30 intervenções em plenário: Aguiar-Branco, muito por via das suas funções de presidente da Assembleia da República, e o líder parlamentar Hugo Soares, com 34. Com mais de nove intervenções contam-se apenas mais quatro sociais-democratas: Jorge Paulo Oliveira (20), António Rodrigues (14) e Hugo Carneiro e João Vale e Azevedo (10 cada).
No caso do Partido Socialista, a lista de deputados também vai bastante longa, por força das substituições, embora haja alguns que ainda não tiveram, ou não quiseram, ou não lhes deram oportunidade de serem oradores no plenário, sendo os nomes mais sonante os de Sérgio Sousa Pinto e dos ex-ministros Fernando Medina, José Luís Carneiro e Manuel Pizarro. Nenhum fez ainda uso da palavra em plenário nesta legislatura. Mas nem o próprio secretário-geral dos socialistas costuma ser orador: Pedro Nuno Santos apenas interveio em plenário por nove vezes, sendo mesmo assim o quarto, ex aequo com Miguel Matos e a ex-ministra Marina Gonçalves. Acima da dezena de intervenções em plenário, na bancada do PS, encontra-se apenas Pedro Delgado Alves (23), a líder parlamentar Alexandra Leitão (14) e Joana Lima (13).
Deste modo, são os partidos com menor representatividade – e com menos tempos para intervir – que acabam por ter tribunos com maior assiduidade. Com efeito, se se colocar como fasquia as 10 intervenções, todos os deputados do PAN, do CDS-PP, do Bloco de Esquerda, da Iniciativa Liberal e do Livre a ultrapassam facilmente. Nos comunistas, três dos quatro deputados ultrapassam-na. Quanto ao Chega, somente três dos 50 deputados são tribunos com mais de 10 intervenções, enquanto no PSD encontram-se quatro e no PS apenas três, sendo que cada um conta com 78 assentos no Parlamento.
Contabilizando os deputados com 20 ou mais intervenções, apenas se encontram 21 nomes, sendo que destes somente André Ventura (Chega, 48), Aguiar-Branco (PSD, 38), Pedro Pinto (Chega, 35), Hugo Soares (PSD, 34), Pedro Delgado Alves (PS, 23) e Jorge Paulo Oliveira (PSD, 20) integram os três maiores partidos, que, no conjunto, ocupam 206 dos 230 assentos parlamentares, ou seja, cerca de 90% do total.
Se se considerar a relevância das intervenções no seio do respectivo partido, a primeira posição cabe, como seria óbvio, a Inês Sousa Real (por ser deputada única), sendo seguida pelos dois deputados centristas, Paulo Núncio e João Almeida, com 52% e 47%, respectivamente. A soma não chega a 100% porque Nuno Melo ainda interveio uma vez antes da formação do Governo Montenegro. A seguir a estes três deputados, seguem-se dois deputados do PCP (Paula Santos, com 45%, e António Filipe, com 37%), depois dois deputados do Livre (Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes, ambos com 31%), fechando o top 10 um deputado do Bloco de Esquerda (Fabian Figueiredo, com 26%), e um deputado da Iniciativa Liberal (Mário Amorim Lopes, com 23%) e mais um deputado do Livre (Paulo Muacho).
Nos três maiores partidos, apenas André Ventura, líder do Chega, tem relevância significativa no seio da sua bancada (18% do total das intervenções), ocupando a 12ª posição no ranking global, logo atrás de Marisa Matias, do Bloco de Esquerda (que esteve algumas semanas ausente nesta legislatura por motivos de saúde). No caso do PS e do PSD, os tribunos mais assíduos – respectivamente, Pedro Delgado Alves e Hugo Soares (excluindo assim Aguiar-Branco, pelas funções que detém) – têm um peso significativamente menor. Nenhum deles atinge sequer 10% das intervenções dos seus partidos. Em suma, estar num partido pequeno representa uma maior probabilidade de intervir em plenário, o que, consoante os objectivos de cada deputado, pode ser coisa boa, ou má.
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