Estado 'chumba' processo especial de revitalização (PER) da Trust in News

Fim de linha: Autoridade Tributária e Segurança Social dizem que dona da Visão continuou a aumentar calote durante o PER

por Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares // Novembro 5, 2024


Categoria: Exame

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EDIÇÃO ESPECIAL: O Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News só serviu para adiar o inevitável… e aumentar as dívidas do grupo de media ao Estado. Esta tarde soube-se da decisão final dos credores, que votaram contra a recuperação da dona da revista Visão (e de cerca de uma dezena e meia de outros títulos da impresa), onde pontificam a Autoridade Tributária e a Segurança Social, que no conjunto detêm 51% dos direitos sobre as dívidas da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado. A ‘máquina fiscal’ assegura agora que a Trust in News continuou este ano a aumentar as dívidas, que se situam agora em mais de 8,5 milhões de euros, e a Segurança Social informou que só em Maio passado houve um pagamento esporádico. A insolvência está cada vez mais próxima, e o risco do colapso completo das revistas do grupo – entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – é quase certo. Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.


Fim de linha para Luís Delgado e para um modelo desastroso de negócios de media que levou uma empresa com capital social de apenas 10 mil euros a deter uma dezena e meia de títulos de imprensa e ‘conseguir’ o prodígio de acumular dívidas de mais de 30 milhões de euros em apenas oito anos.

Foi chumbado esta tarde o plano do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, com os votos tanto da Autoridade Tributária e Aduaneira (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Ao lado da continuação da Trust in News apareceu apenas a Impresa (13,5% do total dos créditos), a quem foram venidas das revistas em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.

Luís Delgado (à esquerda), dono e co-gerente da Trust in News, na altura em que assinou, em 2018, a compra das revistas da Impresa, presidida por Francisco Pedro Balsemão (à direita).

A partir de agora, o administrador judicial provisório, Bruno Costa Pereira, solicitará à Trust in News e aos credores uma pronúncia sobre a eventual insolvência – que aparenta ser inevitável face ao ‘chumbo’ do PER e às dificuldades de obtenção de crédito imediato. Num caso destes, a suspensão da publicação das revistas será imediata, podendo, contudo, num processo de insolvência serem vendidos os títulos a terceiros, embora seja previsível que tal suceda somente se não houver ‘migração’ do passivo.

Saliente-se que numa situação de insolvência será então possível averiguar se houve gestão danosa e mesmo se poderá averiguar as circunstâncias da estranha venda das revistas pela Impresa em 2018 a Luís Delgado, que constituiu uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros, e cuja contabilidade merece bastantes dúvidas.

Uma das razões principais para este ‘chumbo’ do PER acabou por ser a falta de confiança dos principais credores em garantir que a Trust in News iria cumprir as obrigações passadas e as futuras. Até porque nem nos últimos meses, já com a ‘corda na garganta’ a gerência liderada por Luís Delgado – sócio único da empresa de media – se comportou de forma diferente. Num ofício ontem enviado pela AT, a directora de serviços de Gestão dos Créditos Tributários, Ana Tavares Silva, revelava que a Trust in News continuava a aumentar a dívida, salientando que a dívida fiscal é, actualmente, de 8.570.711,37 euros, ou seja, “um aumento da dívida, desde Janeiro de 2024, de 1.292.147,65 euros”.

A dirigente da ‘máquina fiscal’ salienta que “não obstante as medidas de redução de custos previstas e incluídas nos planos anteriores, como indutoras e suscetíveis de reverter a situação de incumprimento crónico”, a Trust in News “não pára de constituir dívida nova”, apesar “dos compromissos assumidos para com o credor tributário de dar cumprimento ao plano prestacional implementado, bem como, ao cumprimento tempestivo e integral de todas as novas obrigações tributárias vincendas (declarativas e de pagamento)”.

Constando assim que os resultados dos últimos anos da Trust in News “não produz excedentes capazes de saldar o valor dos créditos em dívida”, a AT destaca ainda que a qualidade e quantidade das dívidas (retenções de IRS e IVA não entregues) enquadra-se num crime de abuso de confiança. Recorde-se, aliás, que Luís Delgado, e os outros dois gerentes da Trust in News (Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro), já sofreram uma condenação, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, conforme noticiou o PÁGINA UM, por abuso de confiança agravada, a dois anos e meio de prisão suspensa mas com a condição de pagamento. Ora, essa condenação diz apenas respeito às dívidas de menos de 900 mil euros.

Em sentido similar foi a posição da Segurança Social. A própria presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), Teresa Cordeiro, salientou, na comunicação do voto desfavorável ao PER, que houve um “incumprimento reiterado do pagamento de contribuições por parte da empresa [Trust in News] desde Setembro de 2019 (inclusive), sendo que, desde esse mês, apenas ocorreram pagamentos esporádicos e parciais das contribuições mensais, sendo o único mês pago na totalidade o de Maio de 2024”, acrescentando que “a empresa não cumpriu nenhum dos planos prestacionais que foram autorizados e implementados”. Na deliberação, a IGFSS acrescentou também que se o PER viesse a ser eventualmente aprovado, seria interposto recurso da sentença de homologação, até porque houvera “consentimento expresso à modificação dos seus créditos”.

De entre os documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, destacam-se também os votos, grande parte dos quais contra, dos jornalistas das diversas revistas da Trust in News. Numa dessas cartas, a directora de arte da Caras, Carla Mendes, além de informar não ter recebido o salário de Outubro e o subsídio de férias, salienta que “diariamente estamos a perder condições e ferramentas essenciais de trabalho, sem qualquer explicação ou comunicação da administração. Aliás, são os próprios empregados sem qualquer cargo de direção, como eu, que vamos encontrando soluções que permitam contornar as dificuldades existentes para que se consigam fazer as revistas, que é o nosso produto”

Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.

Esta jornalista, na missiva enviada para o processo, acusa a gerência da Trust in News de “não apresentar linhas condutoras de negócio, demonstra[ndo] total desconhecimento das necessidades e funções de uma editora”, acrescentando que o “comportamento danoso” da empresa a faz acreditar que “não haverá capacidade para pagar as dívidas”. E alerta, por fim, para a existência de “situações graves sociais decorrentes dos atrasos dos pagamentos”, apelando “à celeridade da resolução deste problema e de um esclarecimento sobre o que podemos contar nos próximos dias”, lamentando o “silêncio desesperante”.

Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.


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