Editorial de Pedro Almeida Vieira (edição especial)

Trump, o ambientalista acidental

boy singing on microphone with pop filter

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 14, 2024


Categoria: Opinião

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Vale a pena começar pelo básico. A poluição é um termo em Ecologia associado ao processo de introdução de substâncias ou energia no Ambiente que causem efeitos negativos nos ecossistemas e na saúde humana, desregulando-os, tanto a curto como a longo prazo. Nessa medida, somente nas últimas décadas, o dióxido de carbono passou a considerar-se um poluente, em sentido lato, não por causar um efeito imediato ou ser tóxico, mas pela influência que terá no clima.

Porém, antes disso, os processos de combustão – as principais fontes de emissão de dióxido de carbono, havendo também outros gases com o chamado ‘efeito de estufa’ – não devem ser olhados apenas nessa perspectiva climática. É um erro crasso – e por eu, que comecei a minha actividade jornalística nos anos 90 sobre questões ambientais, exaspero-me agora, e irrito-me deveras, com o monotema mediático das alterações climáticas no contexto ambiental, como se nada mais houvesse, ‘sequestrado’ que foi por políticos e empresas que encontraram aí ‘fermento’ para o ‘greenwashing’, transformando a Ecologia num negócio e numa espécie de culto onde vale mais parecer do que ser. A Ecologia passou a ser política. E na política usam-se demasiadas vezes artimanhas de desresponsabilização, sendo que um dos truques é encontrar bodes expiatórios.

Se houvesse, globalmente, políticas sustentáveis de promoção de tecnologias, de eficiência energética, de mobilidade e transporte, de produção industrial, de comércio internacional e de planeamento urbanístico – onde os políticos falham redondamente – não seria preciso estar constantemente a ‘massacrar’ as pessoas de que vem aí o ‘diabo’, e de criar bodes expiatórios. Com boas políticas feitos com bons políticos, a redução das emissões de gases de efeito não seriam o objecto mas a consequência de um uso sustentável, equilibrado e eficiente dos recursos.  

Mas nada disso tem interessado.

Tem interessado, sim, criar um circo mediático, de que a Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP), já na vigésima nona edição, é o símbolo máximo da inépcia e do faz-de-conta. E criar sobretudo bodes expiatórios.

O renovado bode expiatório chama-se Donald Trump. Nada há a dizer de muito favorável ao próximo presidente dos Estados Unidos em termos de políticas e sensibilidades ambientais. No seu primeiro mandato, entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2021, era conhecido o seu (mais do que) cepticismo sobre a causa humana das alterações climáticas e quis mesmo abandonar a ‘mesa de negociação’ do Acordo de Paris. Não quero discutir aqui esse aspecto, mas tão-só relativizar (e enquadrar) a sua acção: nos anos do seu primeiro mandato, os Estados Unidos até registaram uma redução relevante nas emissões (-7,3%), passando de 6,07 Gton em 2016 para 5,63 Gton em 2020. Os valores conhecidos nos primeiros dois anos da Administração Biden mostram, hélas, um crescimento de 13% em apenas dois anos, passando para 6,0 Gton em 2022. Quem diria, não é?

Mas a questão essencial, que todos procuram ignorar, é a existência de um gigantesco elefante no meio da sala – e que, por pudor, receio ou interesse comercia, os políticos não falam, porque convém diabolizar Trump: a China.

Em 1970, a China emitia apenas 1,83 Gton de gases de efeito de estufa. Duas décadas depois subiu para as 4,41 Gton, superando os Estados Unidos em 2004 como o país com maiores emissões. Nesse ano, em virtude do forte crescimento económico baseado na queima de carvão e no aumento das exportações, a China emitiu 7,03 Gton. Uma ‘coisa’ de nada, se observarmos que 18 anos depois, em 2022, as quantidades tinham mais do que duplicado, para impressionantes 13,94 Gton, mais do que os três países juntos nas posições seguintes: Estados Unidos (6,0 Gton), India (4,05 Gton) e Rússia (2,29 Gton).

Por esse motivo, paradoxalmente, a intenção de Donald Trump de reduzir o fluxo de exportações da China para os Estados Unidos poderá, afinal, ter um impacto significativo nas emissões de gases de efeito de estufa, especialmente se considerarmos o peso do país asiático no comércio global e em tecnologias, frequentemente obsoletas e poluentes, que utiliza nas suas cadeias produtivas. Aliás, diversas análises confirmam que as exportações da China para os Estados Unidos representam um défice de custos ambientais para o país asiático, já que os produtos chineses, de menor valor agregado e alta intensidade de carbono, custam àquele país 74% mais emissões por unidade económica do que os bens que os Estados Unidos exportam para a China.

Num mundo globalizado, a produção e o transporte de mercadorias acarretam também custos ambientais elevados. Grande parte dos produtos exportados pela China utilizam métodos de produção intensivos em carbono, com uma pegada ecológica que abrange desde a extracção de matérias-primas até o transporte.

a group of people standing in a foggy area

Reduzindo-se as exportações a partir da China, e promovendo a produção local (leia-se, Estados Unidos), de forma “acidental” estará Trump também a contribuir para uma redução global nada negligenciável na redução dos gases com efeito de estufa. Não apenas porque os Estados Unidos têm tecnlogias mais limpas, mas também porque se reduzirá o transporte marítimo, responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Assim, uma redução do volume de importações da China para os Estados Unidos até poderia aumentar as emissões do país americano, mas reduziria o impacte directo global, por ‘cortar’ nas emissões do transporte e da produção chinesa com maior pegada ecológica.

Deste modo, numa perspectiva de descarbonização, Trump arrisca ser um autêntico ambientalista, mesmo se acidental. Para desespero de muitos, que jamais apontam o dedo à China. Afinal, convém manter bem alimentados um bom bode expiatório, enquanto também se ‘culpam’ as pessoas, e os políticos continuam a passear-se ‘verdejantes’.


N.D. Foi feito um pedido expresso, que decidimos acolher, para divulgar um pequeno mas relevante manifesto de um grupo de pessoas que trabalharam ou colaboraram em publicações do actual grupo Trust in News. Os subscritores iniciais são os seguintes: João Gobern, José Silva Pinto, Inácio Ludgero, Fernando Dacosta, Manuel Vilas-Boas, Rui Pregal da Cunha e Carlos Oliveira Santos.

As novas subscrições devem ser dirigidas ao email costerra1953@gmail.com.

Os signatários, tendo trabalhado ou colaborado com publicações atualmente integradas no grupo Trust In News, vêm manifestar a sua indignação pela incúria e irresponsabilidade a que chegou este importante grupo de comunicação social, e solidarizam-se com os seus trabalhadores, desejando a positiva continuidade das respetivas publicações.


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