Já se sabia que em 2020 e 2021 as taxas de ocupação hospitalar tinham sido reduzidas, mas era preciso conhecer os valores de 2022 para saber se era uma situação de conjuntura ou estrutural. E os dados mais recentes do INE, divulgados esta semana confirmam mesmo: nunca houve tantas camas de hospitais disponíveis nos dois primeiros anos da pandemia nem tão poucos internamentos. Estes indicadores contrariam a tese de ter havido uma ruptura no Sistema Nacional de Saúde por causa de um aumento da procura, que até levaram a criação de hospitais de campanha, que estiveram ‘às moscas’. Os dados oficiais mostram que a taxa de ocupação hospitalar afundou de 78,8% em 2019 para 72% em 2020 e 74% em 2021, mas subiu depois em 2022 já com a covid-19 a tornar-se endémica. Quanto aos internamentos, se em 2019 se registaram no país 111,1 por cada mil habitantes, no ano de 2020 o número caiu para 94,3 no primeiro ano da pandemia. Afinal, paradoxalmente, a pandemia trouxe um estranho cenário de desafogo hospitalar.
A taxa de ocupação hospital e o número de internamentos registados em Portugal afundaram durante os principais anos da pandemia de covid-19 para valores mínimos da última década. Segundo os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no início desta semana, referentes ao ano de 2022 ainda não se verificava a ‘normalidade’, em termos de camas ocupadas nos hospitais e de internamentos em função da população, comparando com anos anteriores.
De acordo com os dados do INE, a taxa de ocupação hospitalar em Portugal desceu de 78,8% em 2019 para os 72% em 2020, uma descida de sete pontos percentuais. Os internamentos caíram de 111,1 por cada mil habitantes para 94,3 em 2020. No ano de 2021, aqueles valores mantiveram-se abaixo da média do que era habitual ao longo da última década. Os indicadores contrariam algumas das mensagens de caos e crise nos hospitais durante a pandemia. Pelo contrário: os hospitais em Portugal registaram na pandemia de covid-19 algum desafogo em termos de ocupação e doentes internados.
De resto, em 2022, apesar de começar a notar-se um regresso à ‘normalidade’ em termos de internamentos e ocupação hospitalar, os dados revelam que os hospitais estavam ainda com indicadores de ocupação e internamentos abaixo do habitual. Assim, naquele ano, os internamentos situaram-se nos 105,9 por mil habitantes, estando aquém dos valores observados pré-pandemia, entre os 110,9 e 112,5 por mil habitantes. A excepção aqui vai para a Região Autónoma dos Açores que, em 2022, registou mais internamentos do que em média na década anterior.
Quanto à taxa de ocupação hospitalar em Portugal, fixou-se nos 76,8% no ano de 2022, ainda inferior aos valores pré-pandemia. Entre 2013 e 2018, este indicador oscilou entre os 78,5% e os 80,4%.
Por regiões, foi no Alentejo que se observou a maior queda na taxa de ocupação de camas nos hospitais, tendo passado de 83,3% em 2019 para 78,2%. Em matéria de internamentos, a maior quebra registou-se na Região Autónoma da Madeira, onde a taxa passou de 106,8 para 87,5 por mil habitantes.
Poder-se-ia argumentar que a taxa de ocupação de camas se devesse ao aumento de camas instaladas durante os anos da pandemia, mas não foi isso que sucedeu, porque, se se olhar para os internamentos por região em função da população, os valores também baixaram consideravelmente nos anos da pandemia. No primeiro ano da pandemia, em 2020, os internamentos por mil pessoas baixaram cerca de 16% face à média do quinquénio anterior. Em 2021 e 2023 subiram ligeiramente, suplantando novamente os 100 internamentos por 1.000 pessoas, mas ficaram ainda aquém do período pré-pandemia.
Na Área Metropolitana de Lisboa – onde também pelas valências hospitalares, este indicador está sempre um pouco inflacionado (por receber bastantes doentes de outras regiões) -, os valores somente foram mais baixos no primeiro ano da pandemia, passando de um valor médio anual de 128 internamentos por 1.000 pessoas no quinquénio 2015-2019 para apenas 108 no ano de 2020, voltando a subir logo acima dos 120 nos anos seguintes.
Recorde-se que, na pandemia, a população foi aterrorizada pelas autoridades de saúde e pelos media, através de mensagens diárias com os números de vítimas mortais e estatísticas dos doentes com covid-19. Alas inteiras de hospitais foram encerradas, cirurgias e tratamentos foram adiados ou cancelados. Por exemplo, entre Março de 2020 e Julho de 2022 foram adiadas 235.989 cirurgias, segundo um relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Estes adiamentos geraram um aumento de 45 dias no tempo de espera para uma cirurgia no Serviço Nacional de Saúde.
Portugal foi, no rescaldo da pandemia, dos países europeus com níveis elevados de excesso de mortalidade, o que se mostra um paradoxo face à baixa ocupação hospitalar. Ou talvez não, uma vez que a opção por suspender diagnósticos e operações, e até a incentivar as populações a não se deslocar aos hospitais, só poderia resultar em duas coisas: hospitais mais vazios e morgues mais cheias.
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