Desde os primórdios da civilização, o dinheiro emergiu como uma solução natural para os problemas da troca directa. O ouro e a prata foram escolhidos não por decreto, mas pela sua capacidade de preservar valor, facilidade de transporte, divisibilidade e aceitação geral. Era um fenómeno de mercado, fruto da selecção natural dos bens mais adequados para servir como intermediário universal das trocas. Contudo, como sempre, onde há valor, há parasitas. O maior deles, o Estado, foi rápido em compreender que controlar o dinheiro seria uma forma eficaz de roubo sistemático.
Na Roma republicana, as transacções eram feitas com barras de metal pesadas e avaliadas em cada troca, atrasando consideravelmente o comércio. Com o Império, os Césares centralizaram a cunhagem, monopolizando a produção monetária sob o pretexto de “garantir” a qualidade. O Denário, uma moeda de prata que deu origem à palavra dinheiro, foi progressivamente adulterado. Reduziram o seu conteúdo de prata e adicionaram metais inferiores, como o latão. Não era apenas uma manipulação, mas um roubo flagrante. Os imperadores financiaram guerras e luxúrias, empobrecendo a população ao desvalorizar o meio de troca que oleava a economia.
Tal como hoje, os criminosos culpam sempre os homens de negócios pela subida dos preços. Em 301 d.C., o imperador Diocleciano decretou um édito de preços máximos (Edictum de Pretiis Rerum Venalium), ameaçando com severos castigos quem praticasse preços superiores. É como se o bandido não desejasse aceitar as consequências do seu roubo. Veja-se a recente nota de culpa lançada à guerra da Ucrânia, depois dos Bancos Centrais terem andado a imprimir biliões durante a falsa pandemia.
Na Idade Média, Portugal seguiu o mesmo caminho. D. Dinis centralizou a cunhagem, eliminando as experiências descentralizadas que, em países como a França medieval, permitiam a vários privados cunhar moeda. Esse monopólio prometia “simplificar” as transacções, eliminando a necessidade de verificar o peso e a pureza em cada troca – existiam várias moedas em circulação –, mas abriu as portas aos abusos. Com D. Fernando, o reino conheceu o desastre. Para financiar as guerras contra Castela, o rei emitiu moedas de fraca qualidade. A falta de lastro permitiu uma inundação de moeda falsa no mercado, arruinando a economia. Depois de um bandido de tal calibre, não foi uma surpresa a crise dinástica que se seguiu.
Na Idade Média, surgiu outro esquema brilhante – ou fraudulento – que transformou os banqueiros em comparsas do poder estatal. Os ourives, que armazenavam ouro para comerciantes, emitiam recibos representando os valores depositados. Esses recibos circularam como substitutos do ouro. Mas, percebendo que os depositantes raramente retiravam todo o ouro ao mesmo tempo, os banqueiros começaram a emitir mais recibos do que o ouro guardado. Criaram dinheiro do nada. Essa prática, denominada de reservas fraccionadas, foi a origem do que hoje chamamos de sistema bancário “moderno”. Quem melhor para se aproveitar dela do que os bandidos ao leme do Estado?
As reservas fraccionadas foram rapidamente apropriadas pelos Estados. As guerras são dispendiosas e os reis preferiam evitar revoltas populares causados por um aumento de impostos. Nada melhor que recorrer à inflação monetária, um imposto silencioso e quase invisível. Quando o povo percebia, era tarde demais. Na Barcelona medieval, as fraudes bancárias eram punidas severamente. Banqueiros falidos tinham um ano para restituir os depósitos. Caso não conseguissem, perdiam não apenas os bens, mas também a cabeça. Era uma época de maior responsabilidade, pelo menos comparada ao que viria depois.
O golpe de génio dos banqueiros foi legalizar a fraude. Para isso, recorreram ao Direito Romano, que diferenciava o depósito de bens fungíveis (como dinheiro) do depósito de bens não fungíveis (como um quadro ou uma jóia). No caso dos bens fungíveis, o depositário podia utilizar os bens, desde que devolvesse um equivalente. Assim, o depósito virou um contrato de mútuo, permitindo que os bancos especulassem com o dinheiro dos depositantes. Era uma distorção completa do conceito original de depósito, transformando tal legalização num instrumento de roubo institucionalizado.
Com os Bancos Centrais, essa fraude foi escalada para um nível global e sem precedentes. Fundado em 1694, o Banco de Inglaterra foi criado para financiar a guerra contra a França, emitindo títulos de dívida que podiam ser convertidos em moeda. Era a primeira vez que a inflação era centralizada e controlada directamente por um governo. John Law, na França do início do século XVIII, refinou o esquema. Convenceu o regente a emitir papel-moeda sem lastro, prometendo riqueza infinita com base na especulação. O resultado foi a bolha do Mississippi, um colapso que arruinou milhares de franceses. John Law fugiu, mas as suas ideias persistem nos Bancos Centrais modernos. Enfim, deixara-nos um grandiloquente legado.
Para justificar tudo isso, o Estado precisava de intelectuais dispostos a transformar a fraude em “ciência”. Milton Friedman, o pai do monetarismo e do perverso esquema de extorsão conhecido por retenção na fonte, afirmou que a Grande Depressão foi culpa da Reserva Federal norte-americana, o Banco Central dos EUA, por não emitir dinheiro suficiente! A sua solução? Imprimir. Economistas como Paul Krugman continuam hoje a defender que a criação de moeda é necessária para “estimular” a economia, ignorando os efeitos destrutivos a longo prazo. Esses “cientistas” são os apóstolos de um sistema que enriquece elites financeiras e empobrece as massas.
A inflação, frequentemente definida como a “subida generalizada de um índice de preços”, não é nada mais que o aumento da oferta monetária. Quando os Bancos Centrais criam dinheiro do nada, não criam riqueza; apenas diluem o poder de compra da moeda existente. Quem recebe o dinheiro em primeiro lugar, como as grandes empresas fornecedoras do Estado, compra os bens e serviços antes que os preços subam. Quem recebe por último – os mais pobres – paga os preços inflacionados. É um sistema de redistribuição ao contrário, que tira dos mais vulneráveis para dar aos privilegiados.
A bolha imobiliária de 2008 foi um exemplo claro. Taxas de juros artificialmente baixas, manipuladas pelos Bancos Centrais, incentivaram investimentos insustentáveis no sector imobiliário. Quando a bolha estourou, o capital acumulado foi destruído e milhões perderam as suas casas. Na Argentina, onde a inflação fora crónica até à chegada de Javier Milei, o poder de compra evaporava diariamente, deixando a população presa a um ciclo de pobreza interminável.
O sistema monetário actual é uma fraude institucionalizada. Os Bancos Centrais, longe de protegerem a economia, são instrumentos de roubo. O Estado age como um parasita, transferindo riqueza das massas para plutocratas e burocratas. O dinheiro precisa de ser devolvido ao mercado, onde pertence. Ouro, prata e, agora, o Bitcoin são as únicas formas verdadeiras de preservar riqueza, livres das manipulações do Leviatã estatal.
Enquanto continuarmos a aceitar o papel-moeda e os sistemas de crédito desenfreado, perpetuaremos um ciclo de exploração, onde os Bancos Centrais e os seus comparsas devoram o que resta do nosso poder de compra. O Estado e a máfia organizada em partidos que o lidera, como sempre, continuará a viver às nossas custas, um parasita que se alimenta incessantemente do trabalho alheio.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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