Contra o obscurantismo, a Justiça. O PÁGINA UM apresentou uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), exigindo acesso a processos disciplinares arquivados por amnistia e às actas do Secretariado e do Plenário. Os documentos, cuja divulgação tem sido recusada pela presidente da CCPJ, Licínia Girão, incluem discussões sobre despesismo e irregularidades administrativas. Licínia Girão invoca o “direito ao esquecimento” e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), argumentos que o PÁGINA UM contesta, uma vez que são contrários à jurisprudência e à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) vai ter de explicar ao Tribunal Administrativo de Lisboa as razões para manter secretos os processos disciplinares contra jornalistas arquivados no âmbito da amnistia papal, bem como as actas do Secretariado e do Plenário, onde se terá discutido questões relacionadas com o despesismo da sua presidente, Licínia Girão. Numa dessas actas terá havido pressões dos outros membros para que a Licínia Girão devolvesse seis mil euros que esta entidade pública terá suportado para pagar advogados que patrocinaram queixas contra o director do PÁGINA UM.
A intimação do PÁGINA UM, apresentada na semana passada, visa exigir o acesso aqueles documentos administrativos, após recusas formais da CCPJ. No caso dos processos disciplinares arquivados, Licínia Girão insistir na recusa mesmo após a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) ter dado um parecer que concedia esse direito, embora com alguns expurgos.
Este novo conflito, justificado por mais um acto de falta de transparência da CCPJ, constituída por nove jornalistas, remonta a Setembro passado, quando o PÁGINA UM solicitou acesso a 15 processos disciplinares encerrados ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, que concedeu amnistia no âmbito da visita do Papa Francisco. A CCPJ alegou que esses documentos estão protegidos pelo “direito ao esquecimento”, impedindo a sua divulgação.
Contudo, o PÁGINA UM sustenta que, uma vez arquivados, os processos passam a ter natureza administrativa, sendo de acesso público nos termos da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA). O parecer da CADA reforçou esta interpretação, ao considerar que o acesso poderia ser concedido com expurgo de dados pessoais sensíveis. No entanto, Licínia Girão recusou acatar a recomendação, argumentando que a divulgação causaria danos irreversíveis a interesses patrimoniais, sem especificar quais.
Paralelamente, o PÁGINA UM requereu, em finais de Novembro, as actas de reuniões do Plenário e do Secretariado da CCPJ realizadas entre Junho de 2023 e Dezembro de 2024. A presidente da CCPJ admitiu, em resposta formal, no início deste mês, que o Secretariado, composto por três membros, nem sequer elabora atas, uma situação em flagrante violação do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Com efeito, este diploma legal estipula que todas as reuniões de órgãos colegiais devem ser registadas, incluindo a ordem de trabalhos, as deliberações tomadas e os resultados das votações. A ausência de actas compromete a validade das decisões do Secretariado da CCPJ, tornando-as juridicamente nulas e expondo os responsáveis a potenciais responsabilidades financeiras, disciplinares e penais.
A actuação da CCPJ, e particularmente da sua presidente, tem sido alvo de críticas crescentes, especialmente depois da renúncia de três membros do Plenário, em Outubro passado. Miguel Alexandre Ganhão, Anabela Natário e Isabel Magalhães abandonaram os seus cargos, denunciando práticas de centralismo e despesismo por parte de Licínia Girão.
Num episódio particularmente controverso, as ex-membros revelaram que a presidente apresentou, em nome pessoal, queixas contra o diretor do PÁGINA UM junto do Conselho Deontológico e do Ministério Público, sem consultar o Plenário. Apesar de ter retirado as queixas, as condições que tentou impor foram rejeitadas pelos colegas, mas terá deixado uma factura de seis mil euros para ser paga.
Para além dos conflitos internos, a CCPJ tem vindo a aplicar de forma enviesada o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), utilizando-o como argumento para limitar o acesso de jornalistas a informações de interesse público. Esta posição contrasta com decisões judiciais anteriores, como um acórdão de 2021 do Tribunal Central Administrativo do Norte, que estabelece que dados pessoais só estão protegidos se envolverem informações sensíveis, como origem racial, saúde ou convicções religiosas. A jurisprudência confirma ainda que, no caso de pedidos feitos por jornalistas acreditados, a proteção de dados não pode prejudicar o direito à liberdade de expressão e de imprensa.
O PÁGINA UM, através da intimação apresentada ao Tribunal Administrativo, exige que a CCPJ disponibilize os documentos solicitados num prazo máximo de 10 dias, sob pena de sanção pecuniária diária de 82 euros em caso de incumprimento. O valor da causa foi fixado em 30.000 euros, refletindo a importância do caso para a transparência administrativa e o escrutínio público.
Este caso representa mais um capítulo de um já longo historial de controvérsias envolvendo a CCPJ e a sua presidente, Licínia Girão, cuja actuação tem levantado dúvidas sobre a independência e integridade da entidade. A decisão do tribunal será crucial para definir os limites da transparência administrativa e o papel da CCPJ como garante da ética e da disciplina no jornalismo português. Se a intimação for bem-sucedida, poderá estabelecer um precedente importante para reforçar a liberdade de imprensa e o direito de acesso a documentos administrativos.
Esta nova intimação do PÁGINA UM foi possível, tal como as outras duas dezenas que têm sido apresentadas desde 2022, com o apoio financeiro dos leitores, através do financiamento do FUNDO JURÍDICO.
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