Num mercado de arte bastante competitivo, as pinturas de Paula Rego, mesmo as de menores dimensões, não são nada baratas, até pela raridade com que surgem em leilões. No mês passado, um pequeno quadro em pastel sobre papel, inspirado no conto do Capuchinho Vermelho, foi arrematado por 293 mil euros, incluindo comissões, mas a leiloeira infomou então que o comprador era um “cliente português que pediu para manter o anonimato”. Sabe-se agora que, afinal, a aquisição foi feita pela Fundação D. Luís I, pertencente à autarquia de Cascais. que é o seu principal ‘mecenas’. Mas há agora outro mistério: de acordo com o contrato, o negócio entre a fundação e a leiloeira somente começou a tomar forma cerca de duas semanas após o leilão, e o contrato acabou assinado só na semana passada.
A Fundação D. Luís I – entidade da autarquia de Cascais responsável pela gestão dos espaços do município – é o ‘comprador misterioso’ de uma obras mais emblemáticas da série ‘Capuchinho Vermelho’, de Paula Rego, que foi vendido em leilão no passado dia 14 de Novembro.
Intitulada originalmente intitulada “Mother wears the wolf’s pelt” (“A mãe a usar a pele do lobo”), a leiloeira Veritas Art Auctioneers revelara apenas que o quadro de Paulo Rego – um quadro em pastel sobre papel de 84 por 67 centímetros – tinha sido adquirido por um “cliente português que pediu para manter o anonimato“, de acordo com a Lusa. A estimativa de preço situava-se entre os 180 mil e os 250 mil euros, tendo o quadro sido arrematado por 240 mil euros (valor do martelo), o que resultou num preço final de 293.136 euros, atendendo à comissão da leiloeira de 18% e ao IVA sobre esta parcela.
Esta obra integra um conjunto de seis pinturas de Paula Rego, executadas no início deste século, alusivas ao conto do Capuchinho Vermelho escrito o século XVII, a partir de recolhas orais do francês Charles Perrault, e, mais tarde, reescrita pelos germânicos Jacob e Wilhelm Grimm. Antes desta venda tinha estado exposta no Museu de Serralves, em 2004 e 2005, depois em Barcelona, em 2017, e ainda nesse ano e no seguinte num museu de arte em Melbourne, tendo estado depois brevemente numa exposição Casa das Histórias Paula Rego (CHPR) em 2018.
O desvendar do mistério da identificação do comprador deste importante quadro de Paula Rego por valores elevados – embora modestos para algumas das suas obras maiores, como o painel “Avestruzes Bailarinas do filme ‘Fantasia’ de Walt Disney”, vendido em Londres no ano passado por 3,5 milhões de euros –, não foi ainda assumido pela Fundação D. Luís I, mas está já confirmado por um contrato estabelecido por esta entidade e a leiloeira no passado dia 16 deste mês.
Neste contrato, assinado pelos administradores da Fundação D. Luís I, Salvato Teles de Menezes e Ana Padrão, omite-se, porém, a aquisição do quadro no leilão, referindo-se que o valor da compra foi definido de acordo com uma proposta de 27 de Novembro – ou seja, já depois da data do leilão – e deliberada mais tarde pelo Conselho Directivo no dia 11 do presente mês de Dezembro.
Esta aquisição pode considerar-se como avultada para a Fundação que tinha, no final do ano passado, um património líquido de pouco mais de três milhões e, apesar de cerca de 206 mil euros, recebeu 438 mil euros de subsídios da própria Câmara Municipal de Cascais.
A obra deverá ainda este ano integrar o espólio de Paula Rego na ‘sua’ Casa das Histórias, projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura. No contrato de compra-e-venda é, aliás, referida a importância deste quadro que colmatará “a inexistência de pinturas deste período na colecção da CHPR”, possibilitando também uma melhor compreensão para a “linha de investigação que a artista definiu quando se propôs, em 1976, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a ‘ilustrar mais prolificamente os contos tradicionais portugueses ou integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”.
Esta pintura, criada em 2003, a última da série que reinterpreta o conto clássico do Capuchinho Vermelho, mostra uma mulher sentada, vestida de veludo vermelho e adornada com uma estola de pele, remetendo para temas como o poder matriarcal e a transformação, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma tensão narrativa que é marca distintiva desta artista falecida em Junho de 2022, aos 87 anos.
Recorde-se que no final de Outubro passado, a Câmara de Cascais revelou que comprara a pintura “Rei Canuto”, executada por Paula Rego em 1977, pelo valor de 262.500 euros a uma coleccionadora estrangeira, embora a aquisição tenha sido concluída em 2023.
Antes, em Setembro de 2022, o município adquiriu também, depois de negociações com a família da pintora, o quadro “The Exile” por 240 mil euros. Poucos meses mais tarde, em Dezembro desse ano, foi a vez da então Direcção-Geral do Património Cultural desembolsar 424 mil euros pelo quadro “O impostor”, pintado em 1964.
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